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Falta de repouso adequado expôs tripulação da Voepass a riscos, aponta auditoria do MTE

Documento classifica episódio como acidente de trabalho grave e destaca que a fadiga da tripulação pode ter sido fator que contribuiu para a queda

Por Da Redação

Falta de repouso adequado expôs tripulação da Voepass a riscos, aponta auditoria do MTE Créditos: Secretaria de Estado da Segurança de São Paulo

O Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) concluiu uma auditoria que aponta falhas graves na gestão de jornadas e períodos de descanso da tripulação da companhia aérea Voepass. O relatório, divulgado nesta terça-feira (16), foi elaborado pela equipe de fiscalização da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego de São Paulo (SRTE-SP) após o acidente aéreo de 9 de agosto de 2024, em Vinhedo (SP). Na tragédia, 62 pessoas morreram, 58 passageiros e os quatro tripulantes do voo 2283, que havia partido de Cascavel com destino ao Aeroporto de Guarulhos, em São Paulo.

O documento classifica o episódio como acidente de trabalho grave e destaca que a fadiga da tripulação pode ter sido um dos fatores que contribuíram para a queda do ATR-72. O objetivo da fiscalização foi justamente verificar se havia indícios de que escalas excessivas e repouso insuficiente teriam comprometido a capacidade de concentração e reação dos profissionais.

Para a análise, os auditores reconstruíram a rotina de trabalho do comandante Danilo Santos Romano e do copiloto Humberto de Campos Alencar e Silva entre 1º de maio e a data do acidente. Foram verificados registros de escalas, deslocamentos e até check-ins e check-outs em hotéis para medir com precisão os períodos reais de descanso. As duas comissárias, Débora Soper Ávila e Rúbia Silva Lima, também morreram no acidente.

O relatório aponta que a empresa adotava escalas que encurtavam o intervalo entre jornadas, expondo os trabalhadores a longos turnos, madrugadas de trabalho e reinício precoce de atividades no dia seguinte. Em 24 dos 48 dias analisados, o comandante teve menos de oito horas de descanso entre jornadas, tempo considerado insuficiente pela comunidade científica para recuperação adequada. O copiloto passou pela mesma situação em 15 dos 49 dias avaliados.

Segundo os auditores, a Voepass também utilizava a prática de “pré-anotação” dos horários de trabalho, registrando turnos fixos sem considerar os horários efetivamente cumpridos. Essa conduta, considerada infração ao artigo 74 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), impedia o controle real das jornadas e mascarava a redução de repouso. Além disso, a empresa não contabilizava atividades prévias ao voo, como deslocamento, raio-X e procedimentos de embarque, como parte da jornada, o que reduzia artificialmente o tempo trabalhado e, por consequência, as horas de descanso.

O padrão de escalas ultraflexíveis, com múltiplos voos de curta duração, foi apontado como fator de risco não só para a fadiga, mas também para problemas de saúde mental, como ansiedade e depressão. Os auditores ressaltaram ainda que a flexibilização das regras trabalhistas no setor aéreo após a Reforma Trabalhista aumentou a responsabilidade das companhias na prevenção de riscos, exigindo maior rigor no controle das jornadas.

Por essas irregularidades, a Voepass recebeu dez autos de infração que podem resultar em multas de aproximadamente R$ 730 mil. A empresa também foi notificada por não recolher mais de R$ 1 milhão em FGTS dos empregados. O MTE afirmou que relatórios como esse subsidiam futuras ações de órgãos como o INSS, que busca ressarcir gastos previdenciários decorrentes de acidentes de trabalho.

O auditor fiscal Renato Bignami, que participou da investigação, destacou que a apuração contou com apoio do Sindicato Nacional dos Aeronautas e serviu como alerta para todo o setor. “A investigação analisou fatores organizacionais e a rotina dos tripulantes antes, durante e após as jornadas. Foi possível compreender condições que favorecem a fadiga e que podem se repetir em outras companhias aéreas autorizadas a operar no país”, disse.

O relatório do MTE não substitui a investigação conduzida pelo Cenipa (Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos), da Força Aérea Brasileira. O órgão técnico da aviação civil ainda analisa as causas da queda, entre elas a possível formação de gelo nas asas da aeronave. A Gazeta do Paraná entrou em contato com o órgão, que afirmou que o resultado final deve ser divulgado até o fim de 2025. Autoridades ressaltam que acidentes aéreos raramente decorrem de uma única causa, mas da combinação de fatores técnicos, humanos e organizacionais.

A Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) cassou, em junho de 2025, o certificado de operação da Voepass, o que resultou no encerramento definitivo das atividades da companhia. Procurada pela Gazeta do Paraná, a Voepass se manifestou por meio de nota:

"A VOEPASS possui Programa de Gerenciamento de Risco de Fadiga (GRF), documento técnico aprovado pela Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC), e segue regulamentação específica do setor, motivo pelo qual formalizamos defesa. Ademais, somente o Relatório Final do CENIPA poderá apontar, de forma conclusiva, as causas do acidente", disse a companhia.

 

O acidente

No caso do voo 2283, a aeronave decolou de Cascavel às 11h56 e seguia em direção a Guarulhos. Segundo dados do Flightradar, o avião atingiu 5 mil metros de altitude às 12h23 e manteve-se estável até 13h21, quando começou a perder altura rapidamente. Em pouco mais de um minuto, despencou cerca de 4 mil metros a uma velocidade de 440 km/h. O impacto ocorreu no quintal de uma residência no condomínio Recanto Florido, em Vinhedo, sem vítimas em solo.

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