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Falta de profissionais no Cetea deixa mais de 500 crianças sem atendimento em Cascavel

Prefeitura enfrenta dificuldades para contratar profissionais e normalizar atendimentos na Clínica-Escola

Por Gabriel Porta Martins

Falta de profissionais no Cetea deixa mais de 500 crianças sem atendimento em Cascavel Créditos: Secom/Divulgação

Famílias que dependem do atendimento especializado para crianças com autismo em Cascavel denunciam a falta de profissionais e a crescente demanda reprimida na Clínica Escola do Transtorno do Espectro Autista (Cetea). Segundo relatos, mais de 500 crianças estão na fila de espera por terapias essenciais, enquanto mães afirmam que a falta de terapeutas e fonoaudiólogos tem comprometido o progresso de seus filhos. Duas mães conversaram com a Gazeta do Paraná sobre os desafios enfrentados, enquanto outras preferiram não se manifestar publicamente, mas compartilham o mesmo questionamento em relação à gestão da prefeitura sobre quando os atendimentos serão retomados.

Rosângela é mãe de Jonathan, de 9 anos. Ela relata que, apesar da estrutura do local e do atendimento de neuropediatria serem adequados, a falta de profissionais tem comprometido o acesso a outros serviços essenciais.

Desde a inauguração do Cetea, em 2020, Jonathan aguarda para realizar as terapias indicadas pelo neuropediatra. No começo, o garotinho chegou a iniciar os atendimentos, mas, devido à escassez de profissionais, as sessões foram interrompidas. Mas como explica a Rosângela, a prefeitura buscou uma solução. "A prefeitura terceirizou um atendimento em uma clínica de Cascavel, com alguns profissionais, num espaço chamado parque multifuncional. O que é esse parque multifuncional? É uma sala onde três ou quatro profissionais atendem as crianças por 40 minutos. O Jonathan fazia fisioterapia, psicologia, fonoaudiologia e outros serviços, com um rodízio de profissionais a cada três meses. Isso ajudou bastante".

Mas no início deste ano, Rosângela foi informada de que as terapias seriam suspensas devido ao cancelamento do contrato da prefeitura com a clínica responsável. "Entrei em contato com a Clínica e rapidamente me responderam, dizendo que estavam resolvendo a situação e que os atendimentos continuarão normalmente. Alguns dias depois, porém, recebi outra resposta informando que a clínica não prestava mais serviços para a prefeitura".

O acompanhamento terapêutico é essencial para o desenvolvimento das crianças dentro do espectro autista, auxiliando na fala, autoestima, aprendizado e interação social. Sem esse suporte, os impactos podem ser significativos, afetando tanto o desempenho escolar quanto o comportamento. "Meu filho não pode ficar desassistido, ele precisa dessas terapias", ressaltou Rosângela, destacando a preocupação de muitas mães que enfrentam a mesma situação. As terapias na infância são fundamentais para que essas crianças se tornem jovens e adultos mais preparados para os desafios da vida. "Quando todos ajudam, as peças se encaixam", disse ela, enfatizando a necessidade de um suporte adequado para garantir uma inclusão social efetiva.

A mãe relata que tem buscado respostas sobre a retomada dos atendimentos, mas ainda não recebeu um posicionamento definitivo. Na semana passada, foi informada de que em breve receberia um ofício com mais detalhes, mas teme que a resposta não seja favorável.

Apesar das tentativas de contato, ainda não há uma definição clara sobre a situação. "Semanalmente, envio mensagens para a Cetea para saber se há alguma atualização, mas até agora, só recebi a informação de que em breve teremos um ofício sobre as terapias". No entanto, a preocupação das mães é que essa resposta seja negativa, deixando muitas crianças sem atendimento. A estrutura criada para oferecer suporte existe, mas, sem profissionais suficientes, não atende às expectativas das famílias. "Não adianta ter um espaço bem estruturado se não há atendimento adequado", destacou. Caso não receba um retorno satisfatório, ela pretende acionar a ouvidoria pública e a prefeitura em busca de uma solução.

Além da falta de atendimentos, outro problema enfrentado por muitas famílias é a rigidez nos horários oferecidos. Rosângela afirma que já ajustou sua rotina para acompanhar Jonathan, deixando as manhãs livres para levá-lo às terapias. No entanto, a clínica apenas disponibiliza horários no período da tarde, quando a criança está na escola e a mãe trabalha. "Não podemos aceitar que nos digam que ele só pode fazer terapia à tarde. Ele já está na escola e eu trabalho nesse período. Eles precisam atender às nossas necessidades, não às deles. A estrutura foi criada para atender as necessidades das crianças e das mães que acompanham seus filhos".

Leilane, mãe da pequena Sara, de 4 anos, também compartilhou as dificuldades enfrentadas por ela e outros pais ao buscar o tratamento adequado para seus filhos em Cascavel. Segundo a mãe, "a guia que iria do Cetea para a clínica deixou de ser repassada". Em busca de explicações, ela entrou em contato com a Clínica, onde foi informada de que a falta de verba para terceirizar as terapias está sendo um impeditivo para o prosseguimento dos atendimentos. "Eu pedi para me explicarem por mensagem, mas não obtive resposta", relatou.

A falta de continuidade nas terapias também está afetando diretamente o desenvolvimento de Sara. "Essa demora está sendo muito difícil, porque as crianças que já estão em tratamento podem regredir muito", lamenta. Para ela, as terapias têm sido fundamentais para o progresso de sua filha, que começou a se desenvolver de forma significativa após iniciar os tratamentos na clínica. As terapias em falta incluem principalmente a fonoaudiologia, além de outras importantes áreas da equipe multidisciplinar, como a terapia ocupacional e a fisioterapia.

Atualmente, Sara já está há quase dois meses sem as terapias. Leilane explica que a ausência de tratamento está impactando a rotina da filha de maneira negativa. "Ela sente falta de ir às terapias, porque aprendi muito lá. Cada semana de terapia era importante para ela", comentou. Sem o tratamento, Sara tem demonstrado sinais de frustração. "Ela fica nervosa, não consegue expressar o que está sentindo. Além disso, não está recebendo os exercícios que fazia em casa, como recebia antes das terapias", acrescentou Leilane.

A situação tem levado Leilane a cobrar ações mais efetivas do município. "Eu espero que o município dê mais atenção para as crianças, porque elas realmente precisam. Terapias são um direito delas", afirmou. Ela destacou a necessidade urgente de mais lugares acessíveis para atender essas crianças. "Hoje, só tem atendimento na Cetea, quando antes havia a possibilidade de ter clínicas terceirizadas. Precisamos de mais opções para as famílias", completou.

Prefeitura e Cisop se posicionam
Em nota, a Secretaria de Saúde afirmou que já solicitou ao Consórcio Intermunicipal de Saúde do Oeste do Paraná (Cisop) a ampliação do número de profissionais para atender a demanda do Cetea, mas enfrenta dificuldades devido à falta de aprovados no teste seletivo realizado pelo consórcio. "Ainda não foi possível atender de imediato", informou a pasta.

A Sesau afirmou que está em andamento tratativas para agilizar o processo. No momento, a única contratação viabilizada é a de um médico psiquiatra, que já está disponível para convocação. Além disso, a secretaria estuda alternativas junto ao Cisop para novas formas de contratação. Também há discussões regionais sobre a criação de novos procedimentos e a atualização de valores, medidas que, segundo a administração, podem facilitar a contratação ou credenciamento de profissionais para atender a crescente demanda.

A Gazeta entrou em contato com o diretor-geral do Cisop, Airton Simonetti, que confirmou que a prefeitura solicitou ao Consórcio o fornecimento de profissionais. No entanto, essa contratação dependerá da realização de um concurso público, que, segundo Simonetti, pode levar de quatro a cinco meses, caso todos os trâmites necessários, incluindo a aprovação do Tribunal de Contas, sejam concluídos sem impedimentos. Ainda não há previsão para o número de vagas que serão ofertadas. O diretor ressaltou que o Cetea é um órgão vinculado à prefeitura.

Sobre a Clínica-Escola
Em 2020, Cascavel passou a contar com os serviços da Clínica Escola do Transtorno do Espectro Autista (TEA) - Cetea Juditha Paludo Zanuzzo, a primeira instituição do Paraná a oferecer, em um único espaço, atendimento integrado às especificidades clínicas e pedagógicas de pessoas com autismo.

A Clínica Escola tem como objetivo principal promover a escolarização de crianças com TEA, facilitando sua inclusão ou permanência na rede regular de ensino, além de oferecer atendimento integral às necessidades de saúde. Para isso, conta com uma equipe multiprofissional, composta por especialistas em medicina, pedagogia, psicologia, fonoaudiologia, fisioterapia, terapia ocupacional, nutrição, assistência social e musicoterapia.

Importância do tratamento 
A interrupção das terapias pode comprometer o desenvolvimento das crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA), afetando não apenas o aprendizado, mas também a adaptação à rotina e o vínculo com os profissionais. A psicóloga Any Louize, em entrevista à Gazeta do Paraná, destacou a importância do acompanhamento multidisciplinar e os impactos negativos da suspensão dos atendimentos.

“As terapias são essenciais para o desenvolvimento da criança com TEA. Elas fazem parte de um tratamento que envolve uma equipe multidisciplinar”, explica Any. Segundo ela, esse atendimento inclui profissionais como psicólogos, fonoaudiólogos, psicopedagogos, psicomotricistas, fisioterapeutas e terapeutas ocupacionais, cada um com um papel fundamental na evolução da criança. “Trabalhamos todas as áreas do desenvolvimento, como o cognitivo, emocional, comportamental, a fala e as questões sensoriais”, complementa.

A especialista reforça que a repetição é um fator determinante na aquisição de habilidades e que a interrupção do tratamento pode resultar em regressão. “Nós temos diversos estudos que demonstram a importância da repetição para a aquisição de habilidades. Quando há uma pausa, além de interromper esse avanço, também não conseguimos fazer a manutenção do que já foi aprendido”, alerta.

Além do impacto no desenvolvimento, a descontinuidade também afeta a rotina e o processo de adaptação das crianças. “As crianças precisam de tempo para se habituar, conhecer os profissionais e inserir as terapias no dia a dia. Quando o tratamento é interrompido, muitas vezes precisamos resgatar todo esse processo de adaptação e criação de vínculo”, explica.

As terapias englobam desde habilidades acadêmicas e sociais até atividades essenciais para o dia a dia, como alimentação, higiene e uso do banheiro. Sem o acompanhamento contínuo, há o risco de perda das conquistas já alcançadas. “Além de não estarmos proporcionando esse momento de desenvolvimento, ainda corremos o risco de perder as habilidades que já foram adquiridas”, finaliza Any.

Dados
O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é uma condição do desenvolvimento cerebral que afeta a comunicação social, os comportamentos e a forma como os indivíduos interagem com o ambiente ao seu redor. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), aproximadamente 1 em cada 100 crianças no mundo apresenta autismo. No Brasil, a estimativa da OMS é de que 2 milhões de pessoas possuam algum grau do transtorno.

Um relatório do CDC (Centers for Disease Control and Prevention), publicado em março de 2023, revelou que 1 em cada 36 crianças aos 8 anos de idade é diagnosticada com o transtorno. Se aplicado à população brasileira de aproximadamente 203 milhões de pessoas, essa taxa resulta em cerca de 5,6 milhões de autistas no país. Este número representa um aumento de 22% em relação à estimativa de 2018, quando a taxa era de 1 em cada 44 crianças.

Esse crescimento pode ser explicado em parte pela maior conscientização e diagnóstico mais precoce, já que o autismo só foi incluído na Classificação Internacional de Doenças da Organização Mundial da Saúde em 1993, o que demonstra como a compreensão do transtorno ainda está em evolução.

O Paraná, um dos estados brasileiros com maior índice de crescimento na procura por serviços relacionados ao TEA, registrou um aumento de 214% na demanda pela Carteira de Identificação da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista (Ciptea) entre 2022 e 2023. O número de pessoas com o documento passou de 3.868 para 12.175 no período, totalizando atualmente 18.418 pessoas com a identificação no estado.

A inclusão educacional também tem avançado. De acordo com o Censo de Educação Básica, houve um aumento expressivo no número de crianças e adolescentes com autismo matriculados em salas de aula regulares. No Paraná, entre 2022 e 2023, o número de matrículas cresceu 53,3%, subindo de 18.895 para 28.927. Esse movimento foi replicado em todo o Brasil, com um crescimento de 50% no total de alunos com TEA matriculados, passando de 405.056 para 607.144. No entanto, são apenas alguns estados que possuem um número significativamente maior de alunos com TEA em classes comuns, com destaque para São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Ceará, entre outros.