Ponto 14

Em 10 meses, Paraná registrou 7 vezes mais casos de injúria racial do que racismo; crimes foram equiparados

Por Giuliano Saito


De janeiro a outubro de 2022, foram 1.170 casos de injúria e 148 de racismo, segundo a Sesp. Em janeiro de 2023, crimes foram equiparados. Secretária executiva dos Direitos Humanos considera mudança ação efetiva de combate ao racismo. Equiparação elevou pena do crime de injúria racial Paulo Pinto/Agência Senado De janeiro a outubro de 2022, a maior parte dos boletins de ocorrência de crimes raciais registrada no Paraná foram de casos de injúria racial. Veja detalhamento dos números abaixo. Segundo a Secretaria de Estado Segurança Pública (Sesp), nos dez meses, foram 1.170 ocorrências de injúria racial e 148 de racismo. No período, os dois crimes ainda não tinham sido equiparados. Em 11 de janeiro de 2023, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sancionou lei que aumenta a pena para casos de injúria. Com a mudança, a injúria racial também passou a ser inafiançável e imprescritível, assim como o racismo. Entenda a lei que equiparou os crimes No Paraná, nos últimos quatro anos o número de casos de injúria foi maior do que o de racismo. Veja: Boletins de crimes raciais no Paraná A secretária executiva do Ministério dos Direitos Humanos, Rita Oliveira, avalia que, na prática, a equiparação entre os dois crimes vai combater, por exemplo, tentativas de acobertar casos de racismo. Ao g1, a secretária destacou que existe uma tendência histórica de “buscar enfraquecer o tratamento de situações de racismo sob o rótulo de injúria”, uma vez que, antes da mudança legal, crimes classificados como injúria tinham penas mais brandas. “Na nova legislação essa estratégia estará superada, porque a injúria passa a ter tratamento equiparado ao de racismo”, explicou Rita. Relembre: Jovem é presa por suspeita de injúria racial, em Curitiba Mulher é detida após fazer ofensas racistas contra segurança negro Servidora é presa em flagrante por ofensas racistas contra advogada Após inquérito disciplinar, UEPG expulsa alunos denunciados por racismo Antes de assumir o cargo no ministério, Rita Oliveira era defensora pública da União no Paraná. Ela explica haver um processo de racismo institucional que faz com que as instituições façam uma espécie de vista grossa para casos de racismo no estado. Tal fenômeno, explica a secretária, é demonstrado, por exemplo, com dados do relatório sobre crimes raciais no Paraná. O documento foi publicado pela Defensoria em 2020, a partir de dados de 2016 a 2019. "92,4% dos casos de crimes raciais no Paraná eram classificados no âmbito policial como injúria e apenas 0,3% do total de ocorrências registradas acabaram resultando em condenações por crimes raciais no Paraná", relembrou a secretária. Em Curitiba, cenário se repete Na capital paranaense, o número de boletins de ocorrência registrados por injúria racial também é maior que o de racismo. Segundo a Sesp, de janeiro a outubro de 2022, foram registrados 224 casos de injúria racial em Curitiba, e 44 casos de racismo. Boletins de crimes raciais em Curitiba Entre os casos de injúria, está o do músico Odivaldo Carlos da Silva, o Neno, de 55 anos. Ele foi agredido com um cassetete no centro de Curitiba por Paulo Cezar Bezerra da Silva, em novembro de 2022. Se o crime contra Neno tivesse acontecido após a mudança da lei, o agressor teria uma pena mais pesada desde o início do caso. Paulo Cezar, réu pelo crime, só foi preso oito dias depois de agredir Neno. Na ocasião, Neno contou que foi xingado durante as agressões, e que ouviu Paulo dizer: “Ei negro, macaco, morador de rua tem que morrer [SIC]”. Músico negro é agredido por homem com golpes de cassetete em Curitiba Três meses depois do crime, Neno disse que ainda tem traumas do dia que foi agredido. A esposa dele, Lucimar Aparecida de Almeida, contou que ela e o marido enfrentaram resistência para conseguir registrar o caso como crime racial, e o máximo que conseguiram foi viabilizar o registro de boletim de ocorrência por injúria. “No primeiro b.o não tinha racismo, não tinha nenhum xingamento, não tinha nada. É completamente humilhante. A sorte é que eu tinha uma noção de que isso precisava ser feito, se não a pessoa não consegue registrar como injúria racial, ainda mais como racismo”. Neno precisou levar cinco pontos no rosto e fraturou três lugares no maxilar por conta das agressões Reprodução/RPC Rita Oliveira explicou que quando a tipificação de injúria foi criada, surgiu um "processo de esvaziamento dos crimes de racismo, para acobertar situações em que a vítima direta é um indivíduo". De acordo com a secretária, discussões morais, também em torno do mito da democracia racial, são utilizadas para tentar escapar da responsabilidade criminal. Boletins que viraram inquéritos Depois que um boletim de ocorrência é formalizado, a polícia faz as diligências necessárias e decide se abre, ou não, um inquérito para investigar o caso. Em Curitiba, de janeiro a outubro de 2022, dos 224 boletins de ocorrência por injúria racial registrados, 189 viraram inquéritos, segundo a Polícia Civil (PC-PR). No mesmo período, de 44 boletins de ocorrência registrado por racismo, 28 viraram inquérito policial. Em alguns períodos, o número de inquéritos policiais pode ser maior que o de boletins de ocorrência registrados, porque a polícia tem liberdade de, no curso da investigação, mudar a tipificação do crime. Inquéritos de crimes raciais em Curitiba O delegado Claudio Marques, do Núcleo de Direitos Humanos e Proteção a Vulneráveis da Delegacia de Homicídio e Proteção à Pessoa, explicou que a tipificação dos crimes em boletins de ocorrência e possíveis inquéritos são respaldados pela legislação. Pela lei, ele explica que crimes contra a coletividade são entendidos como racismo, e crimes contra pessoas específicas, como injúria racial. Marques reforça, ainda, que muitos boletins de ocorrência registrados como injúria racial, por exemplo, podem posteriormente ser corrigidos para racismo, a depender do entendimento do delegado que ficar responsável pelo caso, antes ou durante o inquérito policial. "Existem alguns entendimentos equivocados, onde o policial na hora do registro no local, porque no Paraná por exemplo o registro também é feito pela PM, às vezes no local [do crime], no calor dos fatos. Nada impede que depois um delegado, depois de ouvir a vítima, mude aquela tipificação inicial de injúria racial para crime de racismo, por exemplo [...] depois o Ministério Público e o Poder Judiciário também pode fazer essas correções", explicou o delegado. A mudança da lei na prática A lei que equiparou injúria racial e racismo entrou em vigor em 11 de janeiro de 2023 e foi escrita a partir de sugestões de um grupo de juristas negros criado pela Câmara dos Deputados. A secretária executiva do Ministério dos Direitos Humanos, Rita Oliveira, integrou o grupo. O texto incluiu a injúria, atualmente contida no Código Penal, na Lei do Racismo. Criou, também, o crime de injúria racial coletiva. Antes da lei, a pena para injúria racial era de reclusão de um a três anos e multa. Com a nova lei, a punição passa a ser prisão de dois a cinco anos. A pena será dobrada se o crime for cometido por duas ou mais pessoas. Para Rita Oliveira, esta e outras mudanças trazem regras explícitas para a interpretação da lei, para que "não sejam utilizados subterfúgios argumentativos que tendam a considerar o constrangimento ou humilhação causados pelos tratamentos discriminatórios, coletivos ou individuais, como ofensas menores". A nova lei também determina que o crime de racismo realizado dentro dos estádios terá também pena de dois a cinco anos. Além de contextos de atividades esportivas, a medida também valerá em ambientes religiosos, artísticos ou culturais. Além disso, a lei passou a proibir a pessoa que cometer o crime em estádios ou teatros, por exemplo, de frequentar este tipo de local por três anos. Vídeos mais assistidos do g1 PR: Veja mais notícias do estado em g1 Paraná.