Devedor contumaz cria componente para insegurança jurídica
Novo código define como devedor contumaz, em âmbito federal, o contribuinte que possui dívida tributária injustificada superior a R$ 15 milhões
Por Gazeta do Paraná

Por Joaquim Rolim Ferraz, advogado tributarista, sócio-fundador do Juveniz Jr. Rolim Ferraz Advogados
Em 2 de setembro de 2025, o Senado aprovou, por unanimidade, o Projeto de Lei Complementar nº 125/2022, que institui o Código de Defesa do Contribuinte e aperfeiçoa a tipificação legal do intitulado devedor contumaz. Esta inovação legislativa ganha especial relevância frente ao entendimento do Congresso de que suas empresas e empresários fazem uso da inadimplência tributária como meio de obtenção de vantagem competitiva, concorrencial e indevida.
Conforme amplamente divulgado nas mídias sociais e veículos e imprensa, o novo código define como devedor contumaz, em âmbito federal, o contribuinte que possui dívida tributária injustificada superior a R$ 15 milhões e representa mais de 100 % de seu patrimônio conhecido. Nos níveis estaduais e municipais, o enquadramento requer dívidas reiteradas, em pelo menos quatro períodos consecutivos ou seis alternados em 12 meses, também sem justificativa.
As consequência para devedor contumaz, quando assim configurado, são: suspensão ou baixa do CNPJ, impedindo acesso a benefícios fiscais, recuperação judicial, licitações e contratos com o poder público; prazo de 30 dias para regularização fiscal após notificação, com direito a defesa com efeito suspensivo, salvo em casos de indícios de fraude (empresas “casca de ovo”, uso de laranjas etc.); extinção da possibilidade de suspensão da punibilidade por pagamento posterior — a responsabilização penal persiste mesmo com quitação dos débitos; inclusão de programas de compliance tributário (Confia, Sintonia e OEA), instituindo recompensas aos bons contribuintes (prioridade administrativa, bônus de até 3 % sobre a CSLL, limite de R$ 1 milhão por ano).
Enquadramento além do inadimplemento tributário
Técnica e friamente, o enquadramento como devedor contumaz vai além do mero inadimplemento tributário pontual, sendo estruturado com dolo e, muitas vezes, lastreado em fraudes societárias. No entendimento do Congresso Nacional, o devedor contumaz reduz arrecadação tributária, distorce concorrência e fomenta práticas ilícitas como uso de laranjas e empresas “casca de ovo” . Diante da morosidade do Estado, o combate efetivo ao devedor contumaz exige mecanismos disciplinares com respaldo concorrencial, inclusive envolvendo o Cade.
A aprovação do PLP 125/2022 impõe atenção quanto às normativas para caracterização do devedor contumaz. Muito provavelmente, em acusações durante ações fiscais sobre a contumácia da inadimplência, o contribuinte terá dificuldade para comprovar a sua boa-fé . É de extrema importância que o contribuinte se organize com seus advogados e contadores para que tenha práticas proativas de governança tributária, monitoramento societário e robustez documental de modo a combater eventual acusação do fisco de que seria um devedor contumaz.
Vivemos em um país cuja atividade de empreender é uma tarefa extremamente arriscada. O contribuinte brasileiro exerce atividade empresarial com extrema insegurança jurídica, vivendo em uma “montanha russa” tributária.
A criação da figura do devedor contumaz trará mais uma componente para a insegurança jurídica, pois, certamente, será ferramenta utilizada em fiscalizações de forma distorcida, prejudicando o devedor eventual. Não se defende aqui o devedor contumaz, apesar do seu direito de defesa, mas a configuração delineada pelo Senado é precária e superficial. Não se separou o joio do trigo.
Privilégio de devedores profissionais
Por fim, há um contrassenso com outras medidas, práticas e encaminhamentos feitos pelo governo federal e pelos estados sobre a inadimplência tributária. A União e os estados privilegiam os devedores profissionais em suas ações cujo objetivo é a recuperação de crédito tributário. Os programas de recuperação formatados pelos referidos entes públicos preveem maiores descontos e prazos para os devedores cuja chance de recuperação de crédito são menores, ao passo que os bons pagadores, os devedores eventuais, aqueles classificados com A+, têm menores descontos e prazos para pagamento.
O correto seria o Congresso aprovar medidas para reduzir a carga tributária escorchante existente no país, planos de orientações aos contribuintes, bem como programas de conciliação e conformidade tributária. Ou seja, normas que trouxessem justiça tributária e respeito à capacidade contributiva. Certamente, se implementadas estas medidas, haverá a diminuição da inadimplência e, até mesmo, da sonegação fiscal.
Artigo publicado originalmente na revista Consultor Jurídico
