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Da Fonte à Fatura: a água que era de todos agora tem preço Créditos: Rovena Rosa/Agência Brasil.

Da Fonte à Fatura: a água que era de todos agora tem preço

A gestão da água no Brasil enfrenta desafios entre regulamentações nacionais e impactos locais, como a polêmica da cobrança em fontes alternativas no Bairro Neva

Por Lucas Gabriel

A questão da cobrança pelo uso da água é um tema que tem gerado debates e impacto direto na sociedade, tanto em nível local quanto nacional. Dois casos recentes destacam como as políticas de regulação sobre recursos hídricos podem interferir na rotina dos cidadãos e instituições: a consulta pública aberta pela Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) sobre a cobrança pelo uso da água nas bacias hidrográficas e a instalação de medidores pela Sanepar, que resultou na interrupção do fornecimento de água em uma fonte comunitária no Bairro Neva, em Cascavel.

A ANA, por meio de uma consulta pública que se iniciou nesta segunda-feira (25), e vai até o dia 9 de janeiro de 2025, busca revisar e unificar a política de cobrança pelo uso de recursos hídricos em sete bacias interestaduais. A proposta visa ajustes na forma como é feita a cobrança para captação direta, lançamento de efluentes e transposição de bacias. Entre as mudanças está a unificação da cobrança para o ano subsequente ao uso, com transição específica para bacias como Doce, Grande, Paraíba do Sul, Paranaíba, PCJ (Piracicaba, Capivari e Jundiai), São Francisco e Verde Grande, permitindo o acúmulo de exercícios anteriores.

Uma regra de transição foi definida especificamente para os usuários das águas das bacias dos rios Doce, Paraíba do Sul e PCJ. Esses usuários terão a possibilidade de solicitar o acúmulo das cobranças referentes aos exercícios anteriores, dividindo o pagamento ao longo dos próximos três anos.

Além disso, o processo de consulta pública permite que qualquer pessoa opine sobre o valor estabelecido para o ano de 2025. Esse valor será aplicado de acordo com a bacia hidrográfica e calculado com base no tipo de uso da água, levando em conta o volume consumido ou o impacto no recurso hídrico.

A participação é essencial para esclarecer dúvidas e influenciar as decisões sobre a política de cobrança. Por exemplo, usuários podem questionar como a unificação da cobrança ou a regra de transição impactará suas despesas ou quais critérios técnicos foram utilizados para definir os valores por bacia.

O pagamento pelo uso da água, segundo a ANA, não é um imposto ou tarifa, mas uma contribuição que será revertida em ações como despoluição e recuperação de corpos d'água, além de incentivo a tecnologias sustentáveis. Esse sistema, apesar de bem-intencionado, levanta questionamentos sobre os impactos nos custos para usuários que dependem diretamente dos mananciais.

Para participar da consulta é necessário acessar o Sistema de Participação Social da ANA, conhecer a proposta com as alterações das resoluções que tratam do tema e se identificar por meio da conta gov.br. No site é possível acessar ainda as contribuições de outros participantes.

 

O impacto local

Enquanto a ANA promove uma discussão abrangente, em Cascavel, a aplicação de uma resolução da Agepar, de 2020, gerou polêmica. Conforme reportagem veiculada pela Gazeta do Paraná no dia 15 de agosto de 2024, a Sanepar instalou um medidor de consumo na fonte da Paróquia Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, no Bairro Neva, interrompendo o fornecimento de água gratuita à comunidade. A medida visa cobrar o uso da água para manutenção e cobrança do esgotamento sanitário. No entanto, essa mudança impactou negativamente os moradores que dependiam da fonte como alternativa, principalmente em termos financeiros.

Segundo a resolução, toda edificação situada em áreas atendidas por rede pública de água ou esgoto deve ser conectada ao sistema. A instalação do medidor, apesar de gratuita, tem como objetivo calcular o consumo e aplicar a cobrança de acordo com os parâmetros estabelecidos. Para a Paróquia, o custo dessa cobrança inviabilizou a continuidade do fornecimento gratuito, forçando uma decisão que priorizasse a contenção de despesas.

No Paraná, ainda não há regras específicas para cobrança pelo uso da água captada diretamente dos mananciais. No entanto, atividades que demandam pequenas quantidades de recursos hídricos nas Bacias Hidrográficas do estado são enquadradas na categoria de Declaração de Uso Insignificante da Água. Este documento, comumente conhecido como dispensa de outorga, é emitido pelo Instituto Água e Terra (IAT). Segundo os últimos dados registrados, somente nos primeiros quatro meses do ano de 2022, mais de 2.300 declarações foram emitidas em nosso Estado.

Essa declaração é voltada para usuários que realizam captações e lançamentos de efluentes de até 1,8 mil litros por hora — o equivalente a aproximadamente 43 caixas d'água de 1.000 litros por dia.

O processo para obter a dispensa é simples e inteiramente digital. Os interessados podem solicitar a declaração automaticamente por meio do Sistema de Informações para Gestão Ambiental e de Recursos Hídricos (Sigarh), com a emissão ocorrendo de forma imediata após o envio dos dados necessários.

A Gazeta do Paraná entrou em contato com a Sociedade Rural do Paraná, para saber o impacto desta medida em futuras cobranças em nossa região, e até o fechamento desta edição não obteve resposta.

 

Paralelos e reflexões

Esses dois casos evidenciam a complexidade da gestão dos recursos hídricos no Brasil. Em escala nacional, a consulta pública da ANA permite que a sociedade participe das decisões que impactam diretamente a sustentabilidade e o uso consciente da água. Já em Cascavel, a aplicação de resoluções locais sem um diálogo efetivo com a comunidade expõe a necessidade de maior sensibilidade por parte dos gestores.

A cobrança pelo uso da água é prevista na Política Nacional de Recursos Hídricos, instituída pela Lei nº 9.433/97. Possui os seguintes objetivos: obter verba para a recuperação das bacias hidrográficas brasileiras, estimular o investimento em despoluição, dar ao usuário uma sugestão do real valor da água e incentivar a utilização de tecnologias limpas e poupadoras de recursos hídricos.

Como já mencionado, essa cobrança não é um imposto ou tarifa cobrados pelas distribuidoras de águas na cidade, mas sim uma remuneração pelo uso de um bem público: a água. Todos e quaisquer usuários que captem, lancem efluentes ou realizem usos consuntivos diretamente em corpos de água necessitam cumprir com o valor estabelecido.

Créditos: Lucas Gabriel/Cascavel

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