Câmara articula aumento no número de deputados federais
Projeto em discussão tramita em urgência na Câmara dos Deputados, prevendo uma expansão para 527 parlamentares e ignorando decisão do STF
Por Da Redação

Um dos projetos mais polêmicos em tramitação atualmente no Congresso Nacional, o PLP 177/2023 que propõe o aumento do número de deputados federais no Brasil, deve ser votado em breve pelos deputados federais. A proposta, que entrou na pauta da Câmara dos Deputados com urgência, prevê que o total de parlamentares passe dos atuais 513 para 527. Uma mudança que, na prática, evitaria que estados perdessem cadeiras na redistribuição determinada pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
A justificativa para o projeto é uma decisão do STF que determinou a atualização da representação parlamentar das unidades federativas com base nos dados do Censo de 2022. O Pará, autor da ação no Supremo, alegou omissão do Congresso em rever a quantidade de deputados conforme o crescimento populacional. O STF deu prazo até 30 de junho de 2025 para que o Congresso aprove a nova distribuição. Caso isso não ocorra, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) poderá fixar o número de deputados por estado por meio de resolução.
No entanto, o texto em discussão na Câmara não apenas evita que estados percam vagas, como são os casos de Rio de Janeiro, Paraíba, Pernambuco e outros, como também cria 14 novas cadeiras, elevando o número total para 527. A proposta, de autoria da deputada Dani Cunha (União-RJ), contraria frontalmente a interpretação do STF, que, embora tenha determinado a redistribuição, não autorizou a ampliação da Casa Legislativa.
A principal mudança sugerida no projeto é a revogação da atual limitação de 513 deputados prevista na legislação, passando a estabelecer que a composição da Câmara “não será inferior” a esse número. Além disso, o projeto inclui um dispositivo que veda a redução de representantes de qualquer estado, o que impede a adequação proporcional entre população e representação política, como previsto na Constituição.
Para os defensores da proposta, o crescimento populacional do país, que subiu cerca de 240% desde 1994, exige uma atualização do número de cadeiras.
“Se necessário, deveremos aumentar o número de deputados da nossa Câmara, que mesmo se ocorrer em número de cerca de 3%, em nada significará, levando em conta um aumento de população e de eleitores, em média no país, superior a 240%”, justifica o relatório de Dani Cunha.
Mas o argumento não é consenso. Técnicos da própria Câmara avaliam que é praticamente impossível ampliar o número de cadeiras sem gerar novos gastos. Mesmo que se tente redistribuir o atual orçamento da Casa, os custos com salários, auxílios, benefícios e estruturas de gabinete tornariam inevitável o aumento de despesas públicas, o que, em tempos de ajuste fiscal, pode ser mal-recebido pela sociedade.
Além disso, há preocupação com o chamado “efeito cascata” nos estados. Isso porque o tamanho das assembleias legislativas estaduais é determinado com base nas bancadas federais de cada unidade da federação. Assim, ao criar 14 novas vagas em Brasília, o projeto acabaria por ampliar também o número de deputados estaduais e, potencialmente, vereadores, aumentando os gastos públicos em diversas esferas da federação.
Entre os estados que ganhariam mais representação com a proposta estão Pará e Santa Catarina, com quatro novas cadeiras cada, além de Amazonas (mais 2 deputados), Ceará, Goiás, Minas Gerais e Mato Grosso (com 1 cadeira adicional cada). Já os estados que, pelo critério do Censo, deveriam perder vagas, como Rio de Janeiro e Paraíba, manteriam suas bancadas atuais.
Padovani critica ampliação
Contrário à proposta, o deputado cascavelense Nelson Padovani (União Progressista) foi uma das vozes firmes contra o aumento do número de deputados. Para ele, a medida representa uma afronta à decisão do STF e um desrespeito à população, que arcará com os custos de uma estrutura parlamentar mais inchada.
“O momento exige responsabilidade. Aumentar o número de deputados significa aumentar também os gastos públicos, e quem paga essa conta é o povo. Precisamos é de mais eficiência, não de mais cadeiras”, criticou o parlamentar, ao se posicionar contra o projeto.
Padovani também defendeu que a redistribuição das vagas seja feita com base nos dados do Censo Demográfico de 2022, como determinado pelo Supremo.
Nos bastidores, circula a informação de que o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), estaria tentando negociar com o STF uma saída política para o impasse. A solução preferida por Motta é evitar perdas políticas para os estados que teriam redução de cadeiras, optando pelo aumento global das vagas. No entanto, esse caminho enfrenta resistência não só no Supremo, mas também dentro do próprio Congresso.
Risco de judicialização
Se o Congresso não aprovar até 30 de junho a redistribuição das cadeiras conforme exigido pelo STF, caberá ao Tribunal Superior Eleitoral definir, por resolução, o novo arranjo das bancadas federais. Esse desfecho poderia tensionar ainda mais a relação entre os Poderes e provocar nova rodada de judicializações.
O presidente da Câmara tenta evitar esse cenário e apressar a votação do projeto. Após reunião com líderes partidários, o deputado Hugo Motta indicou o deputado Damião Feliciano (União-PB) como relator da matéria. Feliciano, por sua vez, representa um dos estados que poderiam perder cadeiras com o cumprimento integral da decisão do STF.
Feliciano já declarou que considera o tema “de extrema importância” e reconheceu a polêmica envolvendo os dados do Censo. Segundo ele, o levantamento do IBGE “deu muita polêmica”, e será necessário avaliar se os dados são confiáveis o suficiente para sustentar uma mudança na composição da Câmara.
Código Eleitoral
Enquanto o PLP 177/2023 avança em ritmo acelerado, o Senado discute em paralelo outro projeto de grande impacto no cenário político nacional: o novo Código Eleitoral. A proposta, que consolida sete legislações sobre regras eleitorais e partidárias, está em análise na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e conta com um texto substitutivo de mais de 900 artigos.
O relator, senador Marcelo Castro (MDB-PI), afirmou que vai acatar algumas das 217 emendas já apresentadas e espera votar o texto na CCJ ainda em maio. Para que as novas regras possam valer nas eleições de 2026, o projeto precisa ser sancionado até 3 de outubro deste ano.
Entre os pontos debatidos no novo Código estão questões como fidelidade partidária, prestação de contas, organização dos partidos políticos e regras para inelegibilidade. Ainda que o projeto do Código Eleitoral não trate diretamente da quantidade de cadeiras na Câmara, ele impacta profundamente o funcionamento do sistema representativo brasileiro.
Especialistas apontam que as discussões sobre o novo Código e o aumento de parlamentares não podem ser separadas. “Uma Câmara maior exige novas regras de transparência, controle e funcionamento. O Código Eleitoral precisa prever isso”, avaliou um técnico legislativo ouvido durante as audiências públicas.