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Curitiba é a cidade brasileira que mais recebeu migrantes venezuelanos, indica governo federal: 'Meu sonho é viver em paz'

Por Giuliano Saito


Brasil acolheu mais de 414 mil venezuelanos desde 2017, segundo o governo federal. Pela primeira vez Curitiba ultrapassou Manaus e São Paulo na recepção de cidadãos que vieram do país vizinho. Refugiados relatam como é viver no Brasil Curitiba é o município brasileiro que mais recebeu migrantes venezuelanos desde abril de 2018 até o fim de dezembro de 2022. São mais de 5.986 venezuelanos que foram acolhidos na capital paranaense. Os dados são do Subcomitê Federal para Acolhimento e Interiorização de Imigrantes em Situação de Vulnerabilidade e indicam que pela primeira vez Curitiba ultrapassou Manaus e São Paulo na recepção de cidadãos que vieram do país vizinho. Desde 2017, com o agravamento da crise humanitária na Venezuela, o Brasil acolheu mais de 414 mil venezuelanos, segundo o subcomitê. Entre estes migrantes está Luíz Dias, pintor profissional que veio de Puerto La Cruz, na Venezuela. Ele chegou em Curitiba com a família no fim de 2022. Compartilhe no WhatsApp Compartilhe no Telegram Luíz Dias é natural da Venezuela Anderson Grossl/RPC Assim como outros migrantes e refugiados, o objetivo dele é buscar uma vida melhor. "Meu sonho é viver em paz com minha família", conta o pintor. Segundo Luíz, antes de chegar ao Brasil, ele, a esposa e três filhos passaram por diferentes países, como Bolívia, Colômbia e Peru. Durante a jornada, a família Diaz chegou a morar na rua. "Eu não dormia. Eles dormiam e eu ficava acordado, cuidando para que não chegasse ninguém para fazer algum mal. Foi um mês passando frio", relembra. No período, Luíz deixou de comer para ter o que dar para os filhos. Luíz e a família chegaram a morar na rua Anderson Grossl/RPC Auxílio do poder público Luíz, a esposa e os três filhos foram encaminhados a um abrigo temporário da Prefeitura de Curitiba. Ele conta que chegaram à cidade após indicarem a capital paranaense como um lugar acolhedor e com oportunidades para migrantes e refugiados. O pintor lembra que chegou em Curitiba durante uma manhã, com cerca de R$ 80 no bolso. Ele comprou almoço para os filhos pequenos e, com o dinheiro que sobrou, comprou chocolates para vender nos terminais de ônibus da cidade e ter como pagar um quarto para dormirem. No local, vigilantes avisaram a família que o município contava com uma casa que ajuda estrangeiros. O local era a Casa da Acolhida para a Família Migrante, que fica no bairro Alto Boqueirão e foi criada com o objetivo de acolher, proteger e integrar migrantes, prioritariamente estrangeiros, e refugiados na cidade. A Casa da Acolhida é um dos programas Curitiba tem voltado a migrantes e refugiados. Na capital paranaense também há outras ações, de ONGs, universidades, instituições públicas e religiosas voltadas para o atendimento deste público. A prefeitura, inclusive, mantém uma série de programas para migrantes e refugiados nas áreas da saúde, educação e segurança alimentar. Confira as cidades brasileiras que mais receberam migrantes venezuelanos desde 2018: Curitiba (PR): 5.986 Manaus (AM): 5.350 São Paulo (SP): 4.638 Chapecó (SC): 3.596 Dourados (MS) : 3.591 A expectativa é que existam ainda mais migrantes. Segundo especialistas que atuam na área, é possível que os dados estejam subnotificados, uma vez que são considerados apenas pedidos oficiais. Programa de Interiorização Famílias encontram em Curitiba um lugar para recomeçar Coordenada pelo Governo Federal com suporte de Agências da ONU e de entidades da sociedade civil, também existe a Operação Acolhida, que tem como objetivo oferecer assistência aos migrantes que entram pela fronteira com Roraima. O programa também tem a intenção de prestar auxílio e organizar a chegada deles ao Brasil. Um dos eixos da Operação é a "interiorização", que leva de forma voluntária venezuelanos para outras cidades do país com o propósito de oferecer mais oportunidades aos migrantes e refugiados. De acordo com o governo, o processo é uma estratégia para "diminuir a pressão sobre os serviços públicos do estado de Roraima". Por meio do programa, mais de 89 mil venezuelanos foram interiorizados para 906 municípios brasileiros. Saudades: palavra brasileira, sentimento universal Luiz não vê o pai há mais de quatro anos Anderson Grossl/RPC Emocionado, Dias conta que há cerca de quatro anos não vê o pai, de 61 anos. De acordo com o pintor, ele e a mãe ficaram na Venezuela. Apesar da barreira linguística, Dias usa uma palavra brasileira para definir o sentimento: "Saudades". Assim como o venezuelano, deixar amigos e famílias para trás é uma constante entre a história dos migrantes que procuram amparo no Brasil. É também o caso de Elmito Arista, um haitiano que mora em uma ocupação em Campo Magro, na Região Metropolitana de Curitiba. Elmito Arista é natural do Haiti, formado em teologia e fluente em ao menos três línguas. Anderson Grossl/RPC Ele morava em Porto Príncipe, capital do país caribenho, e veio ao Brasil após terremotos atingirem o país de origem. Formado em Teologia e fluente em quatro línguas, Elmito trabalha como porteiro no Brasil. Ele relata que parte do salário que ganha é usado para ajudar a mãe, um filho e os irmãos que ficaram no país natal. "Todo dia a gente se conversa. Quando eu faço compras aqui estou pensando lá. Porque lá não tem recurso, governo, nada. Vou guardando para tentar ajudar minha família", afirma. Elmito mora no Brasil com a esposa e dois filhos Anderson Grossl/RPC Para Emisto, um dos sonhos é conseguir trazer a família para o Brasil, porém, o maior impedimento é o alto custo dos processos para a viagem. Migrantes sírios A necessidade da busca por uma vida melhor também foi o que trouxe o empresário sírio Ayhan Canjo a Curitiba. Assim como Luíz Dias e Elmito Arista, a saudade da terra natal e de quem ficou pesa para o empresário. "Tenho saudades, apesar de que hoje em dia não tenho mais amigos lá, a maioria viajou ou morreu. A maioria dos bairros foram destruídos. São lembranças hoje. Não existe aquilo que a gente lembra", lamenta Ayhan. Ayhan é de Alepo, na Síria, e se formou em administração na Universidade Federal do Paraná Anderson Grossl/RPC Conforme Ayhan, a família morava em Alepo e, por conta da guerra, teve que deixar para trás a fábrica de móveis, administrada por eles por mais de 30 anos. Apesar disso, o empresário tenta enxergar o que passou como um aprendizado. "Não foi uma escolha, fomos obrigados a seguir aquele caminho. Há lembranças com dor, dificuldades, não sabia o que fazer naquela época, mas isso me fortaleceu", reforça. O sírio conseguiu se estabelecer no Brasil, concluiu uma graduação em Administração na Universidade Federal do Paraná (UFPR) e abriu um restaurante. De acordo com ele, o espaço serve como ponto de encontro e acolhimento para outros migrantes. "É um país que me deu continuidade da vida", diz sobre o Brasil. Restaurante de Ayhan serve como um ponto de encontro para outros migrantes e refugiados Anderson Grossl/RPC Migrante ou refugiado? A Convenção de Genebra determina que refugiados são pessoas que são forçadas à migração por conta de ameaça, perseguição ou conflitos armados. De acordo com o órgão, a situação é tão perigosa e intolerável que a única alternativa é cruzar fronteiras internacionais para buscar segurança em outros países. Por sua vez, o órgão define que migrantes são pessoas escolhem se deslocar principalmente para melhorar sua vida em busca de trabalho ou educação, por reunião familiar ou por outras razões. Diferentemente dos refugiados, que não podem voltar ao país de origem, os migrantes supostamente continuam recebendo a proteção do país natal. Tornou-se icônica a imagem dos migrantes venezuelanos caminhando pela rodovia Pan-Americana em direção a outros países sul-americanos GETTY IMAGES/via BBC Segundo a ONU, a distinção entre os dois grupos é fundamental para os governos, porque os países tratam migrantes de acordo com a própria legislação e procedimentos. Enquanto isso, refugiados são tratados a partir de normas sobre refúgio e a proteção dos refugiados – definidas tanto em leis nacionais como no direito internacional. Segundo dados do Ministério da Justiça, entre 1985 e 2021, o Brasil reconheceu cerca de 60 mil pessoas como refugiadas. A maioria delas, 48.789, proveniente da Venezuela, seguido por 3.667 pessoas da Síria, 1.448 da República Democrática do Congo e 1.363 da Angola. LEIA TAMBÉM: Estudantes escrevem cartas para crianças ucranianas refugiadas no Paraná devido à guerra Venezuelanos encontram em Foz do Iguaçu uma chance de recomeçar Vulnerabilidade De acordo com a ONU, o nível de vulnerabilidade dos migrantes que entram no Brasil tem aumentado ao longo dos anos. O órgão afirma que cada vez mais pessoas chegam ao país com urgências de assistência humanitária, sem acesso a comida, saúde e outros serviços básicos. Além disso, também expostos a diversos tipos de violência. A situação de vulnerabilidade pode ser acentuada quando somada a fatores de xenofobia, caracterizada pela aversão e hostilidade contra pessoas estrangeiras. "Essa acolhida é muito difícil quando as pessoas não conseguem perceber que estamos tratando com seres humanos, pessoas como nós que tiveram seus sonhos, ideais e seus projetos. Fica muito evidente a xenofobia. É muito difícil porque não consegue reconhecer no outro o ser humano a sua frente", explica Marcia Ponce, coordenadora da Cáritas no Paraná. Conforme Ponce, o Brasil vende uma imagem de país acolhedor para estrangeiros, mas situações de preconceito e violência fazem parte do cotidiano deste grupo social. "Muitas vezes o próprio migrante não se reconhece nessa condição e às vezes a xenofobia se dá de uma maneira muito sutil. Ela diz respeito, por exemplo, ao ambiente de trabalho: as pessoas acabam fazendo mais horas extras que um brasileiro, acabam ficando com trabalhos mais pesados, sendo forçados a alguns tipos de trabalho...", define. VÍDEOS: mais assistidos do g1 Paraná Leia mais notícias no g1 Paraná.