Conciliação no STF sobre Marco Temporal gera impasse com setor do agronegócio
O agronegócio argumenta que a falta de um critério temporal claro para a demarcação de terras indígenas gera insegurança jurídica
Por Bruno Rodrigo

A audiência de conciliação convocada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, para debater eventuais alterações na Lei do Marco Temporal (Lei 14.701/2023) gerou tensões entre representantes do agronegócio e defensores dos direitos indígenas. O cerne da discussão gira em torno da validade da tese que estabelece que os povos indígenas só teriam direito às terras que ocupavam ou disputavam judicialmente em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal.
A minuta apresentada por Mendes à comissão especial encarregada da conciliação não contempla o reconhecimento do marco temporal, o que causou surpresa e revolta entre os parlamentares ligados ao agronegócio. O deputado federal Pedro Lupion (PP-PR), presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), criticou duramente a ausência desse critério no documento.
"O marco temporal é condição sine qua non para qualquer negociação. Ele foi a base para a aprovação da lei no Congresso e teve quase 400 votos a favor, além da derrubada do veto presidencial", afirmou Lupion durante a audiência.
O agronegócio argumenta que a falta de um critério temporal claro para a demarcação de terras indígenas gera insegurança jurídica e coloca em risco a produção agropecuária do país. Para o Sistema FAEP (Federação da Agricultura do Estado do Paraná), a base do novo texto deve partir do reconhecimento do marco temporal.
"Os produtores rurais estão vivendo na total insegurança jurídica. Qualquer texto futuro precisa respeitar o Marco Temporal, garantindo que aqueles que produzem alimentos há décadas tenham seus direitos assegurados", defendeu o presidente interino da entidade, Ágide Eduardo Meneguette.
Segundo o setor, a ausência de um marco pode incentivar disputas judiciais intermináveis e travar investimentos na produção agrícola. No oeste do Paraná, onde a produção agropecuária é um dos principais motores da economia, os produtores temem que áreas consolidadas sejam reivindicadas, gerando incerteza sobre o futuro da atividade rural.
"Não podemos trabalhar sem previsibilidade. Se não há um limite para as reivindicações, qualquer propriedade pode ser questionada a qualquer momento", declarou um representante do agronegócio.
STF e Congresso em rota de colisão
A proposta apresentada por Mendes será debatida até o dia 24 de fevereiro pela comissão, composta por representantes dos povos indígenas, do governo federal, de estados e municípios. Caso ainda haja divergências, uma sessão extraordinária está prevista para o dia 27 de fevereiro. A minuta aprovada será posteriormente avaliada pelo plenário do STF antes de seguir para o Congresso Nacional.
O impasse sobre a validade do marco temporal já resultou em decisões contraditórias entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Em 2023, o plenário do STF considerou a tese inconstitucional, abrindo precedentes para que terras tradicionalmente ocupadas pelos povos indígenas pudessem ser reivindicadas independentemente da data de 1988. Em resposta, o Congresso aprovou a Lei 14.701/2023, estabelecendo o marco temporal, mas o presidente Luiz Inácio Lula da Silva vetou a medida. Posteriormente, o veto foi derrubado pelos parlamentares, restabelecendo a norma.
O deputado Lupion também mencionou a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 48, que tramita no Senado e pretende incluir o marco temporal diretamente na Constituição, consolidando sua validade.
"Se não conseguirmos resolver aqui, vamos seguir com o trabalho no Senado. Precisamos de uma solução clara", pontuou.
Substituições na comissão
A deputada federal Célia Xakriabá (PSOL-MG), representante dos povos indígenas no Congresso, criticou sua substituição na comissão especial que debate o tema. Ela classificou a mudança como uma tentativa de enfraquecer a luta indígena. "Não preciso estar sentada à mesa para lutar. Nossa resistência é coletiva", afirmou. Xakriabá havia participado de 75% das reuniões da comissão, enquanto a deputada Silvia Waiãpi (PL-AP), sua substituta, não esteve presente em nenhum dos encontros anteriores.
Para lideranças indígenas, a retirada da parlamentar foi um sinal de que o Congresso pretende enfraquecer a representação dos povos originários no debate. No entanto, para os produtores rurais, a medida demonstra que o Congresso quer uma discussão equilibrada, considerando também os impactos para o setor agropecuário.
Impactos
O setor agropecuário alerta que a incerteza sobre o marco temporal pode afetar o desempenho econômico do Brasil, especialmente em estados como o Paraná, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, onde a expansão da produção agrícola se consolidou nas últimas décadas. A FAEP e outras entidades do agronegócio argumentam que qualquer mudança nas regras de demarcação de terras pode comprometer a segurança dos investimentos no campo.
Além disso, a questão da exploração mineral em terras indígenas entrou no debate. A comissão especial analisa a possibilidade de permitir a atividade econômica em áreas indígenas de maneira regulamentada. Para o setor ruralista, essa alternativa pode mitigar parte dos conflitos por território, criando uma regulamentação clara para a exploração de recursos.
Com o STF e o Congresso em lados opostos nessa disputa, a decisão final pode ter um impacto duradouro não apenas nas demarcações de terras indígenas, mas também no futuro do agronegócio brasileiro. O desfecho da conciliação no STF poderá redefinir a legislação fundiária e afetar diretamente a estabilidade da produção rural, especialmente em regiões como o oeste do Paraná, onde a disputa por território se tornou um dos principais desafios para os produtores rurais.