CNMP adia julgamento de reclamação disciplinar contra promotor do Paraná que descumpriu 101 vezes medidas protetivas da ex-esposa
Por Giuliano Saito
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Bruno Vagaes é promotor de Justiça em Ibiporã, no norte do Paraná. Ex-companheira critica demora em caso ser analisado. Defesa de servidor nega que ele tenha violado a lei. Bruno Vagaes durante cerimônia de posse no MP-PR Divulgação/Ministério Público do Paraná O Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) retirou de pauta a reclamação disciplinar aberta para apurar suspeita de "ausência de celeridade" em investigações internas do Ministério Público do Paraná (MP-PR) em relação à conduta do promotor Bruno Vagaes, de Ibiporã, norte do estado. Ele é acusado de descumprir 101 vezes as medidas protetivas determinadas pela Justiça. O caso seria analisado na sessão desta segunda-feira (3) do CNMP. O procedimento é sigiloso e, por isso, o conselho não repassou detalhes. Vagaes foi condenado a 4 anos, 1 mês e 23 dias pelos descumprimentos de medidas protetivas e pela prática do crime de importunação sexual, mas atualmente responde em liberdade. A defesa dele informou que não pediu a retirada de pauta da reclamação que tramita no CNMP e reafirmou que o promotor não violou a lei. Em nota, os advogados de Vagaes argumentaram que ele não teve nenhum contato com a vítima desde a retomada das medidas cautelares. "Os supostos descumprimentos de medida protetiva a que Bruno responde judicialmente consistem, basicamente, em mensagens de WhatsApp, sendo que em nenhuma delas há conteúdo ameaçador", afirma a nota. Como foram os descumprimentos Ele e Fernanda B. namoraram por seis anos e se casaram em 2011. A primeira medida protetiva foi obtida por ela em dezembro de 2019. A Justiça proibiu o promotor de se aproximar menos de 200 metros dela, fazer contato com a vítima e familiares dela por telefone, cartas e e-mails, além de outros meios. Fernanda afirmou que o então marido a violentou na volta de uma festa de aniversário. Na ocasião, o ele tocou as partes íntimas dela, sem consentimento, enquanto ela dirigia. No carro, também estavam a filha deles, na época com 2 anos, e um amigo do acusado. Segundo a vítima, por diversas vezes, o promotor puxou o volante enquanto ela dirigia. Em uma das brigas, registrada por câmeras de segurança do prédio em que o casal morava, Vagaes chegou a tirar a própria blusa e partiu para cima da mulher, que estava com a filha no colo. 'Lamentável' Em entrevista ao g1, Fernanda B. lamentou a decisão do CNMP em adiar a análise do caso e disse temer que o ato atrase a aplicação de uma eventual punição contra o promotor. "Pra mim, a retirada de pauta da sessão plenária do CNMP foi lamentável. É uma desesperança grande de que o caso tenha alguma resposta, até como uma reprovabilidade de conduta grave praticada por um agente que deveria fiscalizar a lei". "Existe uma grande omissão de fatos que deveriam ter sido apurados desde 2020. Parece que a instituição (Ministério Público), como um todo, não enxerga a gravidade. A impressão que tenho é que tudo está sendo protelado para que mais pessoas não respondam por isso. Se houve algum prejuízo à imagem do MP do Paraná, a forma melhor de se resolver isso é corrigir e fazer o que a lei manda". Em nota, a advogada Bianca Alves, que representa a vítima, também criticou a retirada de pauta do procedimento durante a sessão do CNMP. Bruno Vagaes Divulgação/Associação Paranaense do Ministério Público "Deveriam tratar como prioridade as questões relacionadas às vítimas de violência doméstica e familiar. O exemplo para um julgamento com perspectiva de gênero deveria vir das próprias instituições. Aplicar o protocolo para julgamento com perspectiva de gênero é uma obrigação de todos por lei. E isso também se aplica na celeridade do julgamento em todas as esferas: administrativa, criminal, família". 'Violência institucional' O CNMP foi acionado via Ouvidoria por Fernanda, que relatou estar passando por episódios que considera como "violência institucional" pela avaliação do MP paranaense em relação ao promotor. Ao g1, ela denunciou descaso de uma funcionária quando foi à delegacia registrar um Boletim de Ocorrência (B.O.). "A funcionária que atendeu não queria atender, porque já estava no horário dela ir embora. Quando eu falei que ele encostou uma faca na minha barriga ela perguntou se tinha deixado cicatriz. Ela começou a questionar a gravidade do que eu estava narrando. Aí você fica com medo", afirma. Fernanda afirmou que conseguiu ser atendida após muita insistência, momento em que obteve uma medida protetiva. Segundo ela, a juíza que expediu a decisão não recomendou, porém, que Vagaes participasse de cursos de reflexão para agressores por considerar que isso poderia expor ele a um constrangimento. O que diz o MP-PR Procurado para comentar o adiamento da análise do caso pelo CNMP, a assessoria de imprensa do Ministério Público informou que mantém a mesma manifestação de quando as denúncias contra o promotor surgiram. Por meio de nota pública, o MP disse que que os fatos denunciados pela vítima foram ou estão sendo objeto de apuração no próprio órgão após a instauração de procedimentos pela Subprocuradoria-Geral de Justiça para Assuntos Jurídicos (SubJur), em razão do do foro por prerrogativa de função do investigado. Leia também Avião desaparece em área de serra da Mata Atlântica no Paraná, e PM inicia buscas por passageiros Pais fazem protesto após denúncias contra professores suspeitos de assediar alunas adolescentes: 'Abraçou à força e passou a mão no meu seio', relata vítima Na esfera administrativa, o Ministério Público explicou que a Corregedoria-Geral instaurou dois processos administrativos disciplinares. Conforme o MP, um deles foi julgado e resultou na imposição de duas sanções disciplinares, enquanto o segundo está em andamento. Veja abaixo a íntegra da nota do MP-PR. Leia a nota do MP-PR na íntegra "A Subprocuradoria-Geral de Justiça para Assuntos Jurídicos (SubJur) do Ministério Público do Estado do Paraná esclarece: 1. Todos os fatos noticiados, com reflexos criminais, foram ou estão sendo objeto de apuração no próprio Ministério Público, após instauração de procedimentos pela SubJur em razão do foro por prerrogativa de função do investigado (art. 40, inc. IV, da Lei Federal nº 8625/93). 2. Ditas apurações da SubJur já subsidiaram o oferecimento de duas denúncias criminais: (i) em 26/6/20, formalizada acusação de uma importunação sexual e de 49 descumprimentos de medida protetiva (cometidas de 11 a 15/12/19 via aplicativo de mensagem), ensejando condenação, em 6/2/23, após sustentações orais pela SubJur junto ao Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná (TJPR), à pena de 3 anos e 6 meses de reclusão e à pena de 7 meses e 23 dias de detenção, em regime aberto. Em 7/3/23, a SubJur opôs embargos de declaração, buscando o aumento da pena e alteração do regime; e (ii) em 9/8/22, formalizada acusação de 50 descumprimentos de medida protetiva (cometidas de 1/3 a 28/4/20 via aplicativo de mensagem), com o processo na fase da defesa perante o TJPR. 3. Referidas denúncias criminais foram possíveis porque, dentre outras diligências, a SubJur pediu ao TJPR a busca e apreensão de aparelhos celulares e autorização judicial para acesso aos dados telefônicos e telemáticos do investigado e da vítima (em 6/7/20), seguindo-se a realização de perícia e a constatação material dos fatos (em 29/3/21). 4. Os reiterados descumprimentos das medidas protetivas e a indevida intervenção do acusado nas investigações motivaram, a pedido da SubJur, a decretação de sua prisão preventiva (em 9/7/20), convertida em prisão domiciliar por imperativo do art. 40, inc. V, da Lei Federal nº 8.625/93 e, dada a posterior violação de seus respectivos termos, a imposição concomitante de monitoração eletrônica. Ditas cautelares foram revogadas por decisão judicial, em 17/9/20, mesmo com a oposição do Ministério Público. Por tal razão, houve a interposição pela SubJur de dois recursos ao TJPR e dois recursos ao Superior Tribunal de Justiça – STJ (sem, contudo, êxito no restabelecimento da prisão). 5. Além dos 99 fatos que já foram objeto de referidas ações penais, subsiste na SubJur apuração relativa a outros fatos noticiados em 13/3/23 (dois supostos descumprimentos de medida protetiva de proibição de contato com familiares da vítima), com diligências ainda em andamento (observado o prazo legal). 6. Paralelamente às medidas de responsabilização criminal (incluída a cautelar de prisão preventiva e monitoração eletrônica do investigado), outras providências, aliadas ao permanente atendimento da vítima desde 2019, foram adotadas pela SubJur para resguardo da integridade da ofendida: (i) oposição à revogação das medidas protetivas, mesmo diante de requerimento formulado pela própria vítima, em 20/4/20 (dado o possível comprometimento de sua manifestação de vontade); (ii) em 18/5/21, requerimento de concessão de “botão do pânico” em Londrina; (iii) aplicação do Formulário Nacional de Avaliação de Risco (Lei nº 14.149/2021), em 18/5/21 e em 31/5/23; (iv) promoção de “depoimento especial” para preservar a higidez psíquica e emocional da ofendida (Lei 11.340/2006); e (v) postulação de valor indenizatório para reparação dos danos morais e prejuízos psicológicos causados em razão dos crimes, acolhido pelo TJPR (art. 387, inc. IV, do Código de Processo Penal). 7. No âmbito administrativo, é preciso registrar: (i) a Corregedoria-Geral instaurou dois processos administrativos disciplinares (PADs) – um deles já julgado pela SubJur, com imposição de duas sanções disciplinares (cuja decisão foi mantida pelo Órgão Especial do Colégio de Procuradores). Além do segundo PAD (ainda em andamento), a condenação na esfera criminal, caso ocorrido o trânsito em julgado da sentença penal, deverá ensejar apreciação sobre eventual ajuizamento de ação de perda de cargo por prática incompatível com o exercício da função (art. 150, § 1º, inc. I, e § 2º, da LCE nº 85/99); (ii) tramita no Conselho Superior do MPPR procedimento destinado à verificação do estado de saúde do promotor de Justiça, com acompanhamento da Divisão de Saúde Ocupacional (art. 32, inc. VI, da LCE nº 85/99); e (iii) em virtude da condenação imposta na primeira ação penal e de decisão Procuradoria-Geral de Justiça, proferida após requerimento da SubJur, o promotor de Justiça não mais atua em matérias afetas à violência doméstica e familiar contra a mulher. 8. No âmbito cível, as ações relativas a divórcio, alimentos e guarda tramitam com a participação das Promotorias de Justiça com atribuições em primeira instância e das Procuradorias Cíveis com atribuições em segunda instância. 9. O Conselho Nacional do Ministério Público, em procedimento próprio instaurado a pedido da ofendida (em 12/7/22), acompanha as medidas adotadas pelo Ministério Público do Estado do Paraná em relação ao caso, cujas informações foram prestadas pela SubJur àquele órgão nacional de controle. 10. O sigilo imposto por ordem judicial às ações penais, voltado à preservação da intimidade da vítima (e não em decorrência do cargo ocupado pelo investigado), impede, por ora, o aprofundamento das demais questões fáticas. Caso seja revogado dito sigilo, informações detalhadas serão prestadas, em respeito à transparência inerente à atividade do Ministério Público." Mais assistidos do g1 PR Leia mais em g1 Norte e Noroeste.
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