Ponto 14

Caso Evandro: Justiça mantém condenação de Beatriz Abagge por morte de menino desaparecido há mais de 30 anos

Por Giuliano Saito


Série do Globoplay, baseada em podcast Projeto Humanos, mostrou que Beatriz e outros condenados foram torturados para confessar crime, o que motivou pedido de revisão criminal pela defesa. Desembargadores alegaram que prova precisa passar por perícia judicial. Beatriz Abagge, à direita, e Evandro Caetano, à esquerda Reprodução Desembargadores da 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR) decidiram nesta quinta-feira (16), por três votos a dois, manter a condenação de Beatriz Abagge pelo desaparecimento e morte do menino Evandro Ramos Caetano. A defesa pode recorrer. Compartilhe no WhatsApp Compartilhe no Telegram O episódio registrado em abril de 1992, em Guaratuba, no litoral do Paraná, ficou nacionalmente conhecido como Caso Evandro. O menino tinha seis anos e sumiu no trajeto entre a casa onde morava e a escola. Relembre abaixo. A manutenção da condenação de Beatriz foi definida em julgamento de recurso apresentado pela defesa dela no qual pedem a anulação das condenações ou o reconhecimento da inocência, além de indenização por danos morais e materiais. Nas redes socias, Beatriz Abagge disse que "já esperava" a decisão e sinalizou que deve recorrer. Antes do julgamento do recurso, o Ministério Público do Paraná (MP-PR), disse que aguardaria o resultado para uma eventual manifestação sobre o caso. O g1 entrou em contato com o órgão e aguarda uma resposta. O recurso foi apresentado após a defesa de Beatriz alegar que gravações em fita comprovam que ela e outros réus confessaram os supostos crimes mediante tortura. As gravações foram reveladas por série documental da Globoplay, baseada no podcast Projeto Humanos, do jornalista Ivan Mizanzuk. Em 2022, o Governo do Paraná formalizou um pedido de desculpas a Beatriz por "sevícias indesculpáveis" sofridas por ela à época da investigação do caso. A carta é assinada pelo então secretário estadual de Justiça, Trabalho e Família, Ney Leprevost. No documento, ele afirma que, após ver a série documental, formou convicção pessoal de que Beatriz e "outros condenados no caso foram vítimas de torturas gravíssimas" Principal argumentação da Justiça Evandro tinha 6 anos quando desapareceu Reprodução/RPC Na sessão, o advogado de defesa de Beatriz apresentou trechos da série documental em que a fita revela a tortura contra os condenados. O relator foi acompanhado pela maioria no entendimento de que as gravações não poderiam ser aceitas como prova por precisarem passar por comprovação judicial. Apesar de votar pela manutenção da condenação, o relator destacou que a defesa pode fazer um novo pedido para reavaliação do caso após a prova com os trechos de tortura passar por perícias oficiais. Em entrevista à RPC, antes do julgamento do recurso, o advogado de Beatriz, Antonio Figueiredo Basto, disse que a gravação da fita é legítima. Destacou, também, que a gravação estava nos autos do processo desde a época da condenação, porém, a versão utilizada para incriminar Beatriz e os demais suprimia os trechos de tortura. A versão de agora, segundo ele, contém a íntegra da gravação. "Ela [fita] estava nos autos do processo, não é nem prova nova. É uma prova que estava nos autos. E que, se à época dos fatos tivesse permanecido dentro da investigação, certamente esse processo jamais teria existido. A tortura é um meio ilícito de obtenção de prova. É repugnante." Tribunal de Justiça faz revisão da condenação de Beatriz Abagge Relembre: Caso Evandro: Paraná faz carta com pedido de perdão por 'torturas' a Beatriz Abagge Ouça: Falas e sons em depoimentos apontam agressão a condenados 'Marco histórico': Beatriz Abagge agradece carta com pedido de perdão por 'torturas' Relembre o Caso Evandro: criança desaparecida, suposto ritual macabro e torturas Pedido de revisão foi para três condenados, mas só o de Beatriz foi julgado O pedido de revisão criminal julgado nesta quinta foi apresentado pela defesa de Beatriz, Osvaldo e Davi em 2022. Entretanto, como o processo penal contra Osvaldo e Davi estava em outra fase em relação ao de Beatriz, a revisão criminal foi desmembrada em dois recursos. A defesa dos três chegou a solicitar que os recursos fossem julgados em conjunto, mas o pedido foi negado nesta quinta. Ainda não há data para o julgamento dos recursos de Osvaldo e Davi. Acusados Sete pessoas foram acusadas de matar Evandro. Na época, as investigações apontaram que Beatriz Abagge, e a mãe dela, Celina Abagge, então primeira-dama de Guaratuba, teriam encomendado a morte do menino em um ritual. Elas passaram mais de cinco anos na cadeia. Outras cinco pessoas foram incriminadas, entre elas, Davi e Osvaldo, que também foram presos - ambos acusados de sequestrar e matar o garoto. Em entrevista à RPC, Beatriz defendeu que todos os acusados são inocentes. "Todos nós. Os sete são inocentes, não somente eu. Foi realmente o que eles fizeram conosco que foi um ritual macabro. E a gente tem que, a vida toda, carregar isso nas costas, como as bruxas de Guaratuba. Ficou esse rótulo. Sempre em cima da mulher". O caso teve cinco julgamentos diferentes. Um dos tribunais do júri, realizado em 1998, foi o mais longo da história do judiciário brasileiro, com 34 dias. Ao todo, Beatriz Abagge e Celina ficaram presas por três anos e nove meses na Penitenciária Feminina do Paraná e por mais dois anos em prisão domiciliar. No último dos júris sobre o caso, em 2011, Beatriz Abagge foi condenada a 21 anos de prisão. Para a mãe, o crime tinha prescrito. No caso de Beatriz, como ela já tinha cumprido quase seis anos de prisão, ela conseguiu recorrer em liberdade. As penas de Osvaldo Marcineiro e Davi dos Santos se extinguiram pelo cumprimento. O último réu, Vicente de Paula, morreu por complicações de um câncer em 2011 no presídio onde estava. Desaparecimento de Evandro O menino Evandro desapareceu em 6 de abril de 1992. À época, o estado vivia o desaparecimento de diversas crianças na região. Segundo a investigação, ele estava com a mãe, Maria Caetano, funcionária de uma escola municipal de Guaratuba, e disse a ela que iria voltar para casa após perceber que havia esquecido o mini-game. Depois disso ele nunca mais foi visto. Após um corpo ser encontrado em um matagal, no dia 11 de abril de 1992, o pai de Evandro, Ademir Caetano, afirmou à época no Instituto Médico-Legal (IML) de Paranaguá ter reconhecido o filho, por meio de uma pequena marca de nascença nas costas. Conforme informações da época, o corpo estava sem o couro cabeludo, olhos, pele do rosto, partes dos dedos dos pés, mãos, com o ventre aberto e sem os órgãos internos. Ademir Caetano também era funcionário público da cidade, ele trabalhava na prefeitura de Guaratuba. Maria e Ademir tinham outros dois filhos, Márcio e Júnior. Evandro era o caçula. Vídeos mais assistidos do g1 PR: Veja mais notícias do estado em g1 Paraná.