Aquecimento global cria cenário ideal para tornados no Sul, alerta pesquisadora da Unioeste
Leila Limberger explica que o tornado em Rio Bonito do Iguaçu foi resultado de um conjunto de fatores atmosféricos intensificados pelo aumento da temperatura global
Créditos: Roberto Dziura/AEN
A formação do tornado que devastou Rio Bonito do Iguaçu, no Centro-Sul do Estado, na última sexta-feira (07) foi resultado de uma série de fatores atmosféricos que se combinaram de forma incomum, segundo a professora Leila Limberger, pesquisadora da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste) e especialista em mudanças climáticas e eventos extremos. A pesquisadora explica que o episódio reflete tanto as condições meteorológicas da estação quanto os efeitos mais amplos do aquecimento global, que tem tornado cada vez mais frequentes e intensos os fenômenos severos no Sul do Brasil.
Leila explica que, no dia da ocorrência havia uma área de baixa pressão associada a um cavado meteorológico, responsável por favorecer a formação de instabilidades no Sul do país. Essa configuração foi reforçada por um intenso fluxo de ventos úmidos vindos da Amazônia, transportados pelos chamados jatos de baixos níveis, e pela atuação de um ciclone extratropical sobre o oceano, que contribuiu para a formação de uma frente fria.
“Esses sistemas estavam em conflito, o ar quente e úmido vindo do norte encontrando o ar frio e seco do sul. Esse contraste de temperatura e pressão gera fluxos ascendentes de ar, que sobem e giram dentro das nuvens, formando os vórtices que dão origem aos tornados”, explicou.
A pesquisadora lembra que a primavera é uma época de transição entre o inverno e o verão, quando ainda coexistem sistemas típicos de ambas as estações. “É como se dois brigões se encontrassem: os sistemas de inverno e de verão são muito diferentes, e quando se encontram, acabam gerando esses conflitos atmosféricos. Por isso, setembro, outubro e novembro são os meses de maior ocorrência de tornados no Paraná”, afirmou.
Rio Bonito foi atingida pela intensidade e localização do fenômeno
Segundo Leila, tornados não são fenômenos inéditos na região. O Oeste e o Sudoeste do Paraná registram eventos semelhantes há décadas, embora nem todos cheguem a ser documentados. “Muitos tornados atingem áreas rurais, e apenas os próprios moradores acabam sabendo que ocorreu. Não temos um sistema sistemático de registro desses eventos”, observou.
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O que diferenciou o tornado de Rio Bonito do Iguaçu foi a intensidade e o local de ocorrência, já que atingiu a área urbana. A pesquisadora explica que as cidades podem favorecer a formação e o impacto desses fenômenos.
“A cidade é uma área mais quente por causa do concreto e das construções. Essa elevação da temperatura reduz a pressão atmosférica local e pode atuar como um ponto de atração para o funil do tornado, que busca as regiões de menor pressão”, disse.
Mesmo assim, ela ressalta que não há regra fixa: “O tornado pode se formar em áreas de relevo alto, em cidades ou até em vales e florestas. É um fenômeno aleatório, mas que sempre depende de uma nuvem com intensa convecção e alta umidade.”
A destruição observada em Rio Bonito levou à classificação do evento como F3 na Escala Fujita, usada para medir a força dos tornados, que vai de F0 a F5. “Esse nível é capaz de arrancar casas inteiras e causar danos estruturais severos. A escala é logarítmica, então a diferença de intensidade de um nível para outro é muito grande. Mesmo que em parte do trajeto o tornado tenha sido mais fraco, houve pontos de destruição compatíveis com um F3”, destacou Leila.
Frequência de tornados deve aumentar com o aquecimento da atmosfera
A professora da Unioeste reforça que o aquecimento global tem relação direta com o aumento da frequência e da força dos fenômenos meteorológicos extremos. “A nossa atmosfera está cerca de 1,5°C mais quente do que há algumas décadas. Isso é suficiente para alterar completamente o equilíbrio energético do planeta”, observou.
Para explicar de forma simples, ela compara o sistema climático a uma panela de pressão: “Se você aumenta o fogo, tudo dentro trabalha com mais intensidade. É o que estamos fazendo com a Terra. Todos os fenômenos que já existiam tornados, tempestades, secas e enchentes, agora acontecem com mais força e mais frequência.”
Leila afirma que o atual cenário climático exige adaptação e educação ambiental. “Precisamos aprender a conviver com o novo clima. Ele é mais extremo, alterna chuvas muito fortes com períodos de seca intensa. É fundamental que a população entenda os riscos e saiba como agir durante eventos severos”, pontuou.
Orientações de segurança e prevenção
A pesquisadora reforça as orientações emitidas pela Defesa Civil do Paraná, que monitora e emite alertas em parceria com o Simepar. Segundo ela, durante a passagem de tempestades, é essencial procurar abrigo em cômodos pequenos e centrais das casas, como banheiros ou quartos de alvenaria com laje.
“Ambientes amplos, como ginásios e supermercados, são perigosos. O vento entra e cria uma pressão interna que pode derrubar as estruturas. O ideal é ficar em um espaço pequeno, onde entra menos ar e há menor risco de desabamento”, explicou.
Ela destacou ainda que muitos moradores se salvaram em Rio Bonito do Iguaçu porque buscaram abrigo sob móveis pesados, como mesas e camas. “Objetos lançados pelo vento podem se tornar projéteis e causar ferimentos graves. Ficar protegido sob móveis é uma atitude simples que pode salvar vidas”, afirmou.
Reflorestamento como medida para mitigar os efeitos climáticos
Para além da adaptação, Leila defende que a sociedade deve investir em ações de mitigação, ou seja, em medidas que possam reduzir o impacto das mudanças climáticas. “O reflorestamento é a forma mais eficiente de melhorar a qualidade do clima. As árvores capturam gás carbônico, reduzem a temperatura do ambiente e ajudam a restabelecer o equilíbrio natural”, explicou.
Segundo ela, a expansão das áreas verdes é essencial para o Paraná e para o Brasil. “A árvore é um elemento natural de resfriamento. Quando você está na sombra, a diferença de temperatura é perceptível. É isso que precisamos multiplicar em escala planetária”, defendeu.
A professora afirma que os tornados continuarão ocorrendo no Sul do Brasil, especialmente nas regiões Oeste e Sudoeste, mas é possível reduzir riscos e danos com informação e prevenção. “Precisamos aceitar que os fenômenos extremos fazem parte da nossa realidade e aprender a nos proteger. A natureza está reagindo ao que fizemos com ela, e agora precisamos agir com responsabilidade”, afirmou.
Simepar confirma três tornados; ventos chegaram a 330 km/h em Rio Bonito do Iguaçu
O Simepar confirmou, nesta segunda-feira (10), que três tornados atingiram cidades da região central do estado. Além de Rio Bonito do Iguaçu, os fenômenos foram registrados também em Guarapuava e Turvo, municípios distantes cerca de 130 e 166 quilômetros entre si, e provocaram grandes danos materiais e vítimas fatais.
O tornado de Rio Bonito do Iguaçu foi o mais severo. Segundo o levantamento técnico do Simepar, aproximadamente 90% dos imóveis da cidade foram destruídos. A análise meteorológica identificou que o fenômeno se formou dentro de uma supercélula, o tipo mais intenso de tempestade atmosférica. Inicialmente, os ventos haviam sido estimados em até 250 km/h, mas, após nova medição feita in loco, a velocidade foi atualizada para até 330 km/h.
As informações revisadas foram divulgadas após técnicos do Simepar percorrerem as áreas atingidas para coletar dados diretamente no local e cruzá-los com registros obtidos por sistemas de monitoramento e imagens de satélite. O cruzamento de dados permitiu confirmar que três tornados distintos atuaram sobre a região, todos associados ao mesmo sistema de instabilidade que se deslocava sobre o Sul do país.
Mortes e feridos
O Governo do Estado do Paraná informou que seis pessoas morreram em decorrência das tempestades, cinco em Rio Bonito do Iguaçu e uma em Guarapuava. O balanço estadual também aponta que pelo menos 750 pessoas ficaram feridas e precisaram de atendimento médico na região.
Segundo a Secretaria de Estado da Saúde (Sesa), 22 pacientes permaneciam internados em hospitais paranaenses na manhã desta segunda-feira. Equipes de saúde, segurança e assistência social continuam mobilizadas para o atendimento das vítimas e reconstrução das áreas afetadas.
