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Aprovação de novo marco do Licenciamento Ambiental gera polêmica

Projeto flexibiliza regras gerais para o licenciamento, dispensando alguns estudos e aprovações de órgãos ambientais

Por Da Redação

Aprovação de novo marco do Licenciamento Ambiental gera polêmica Créditos: Lula Marques/Agência Brasil

A Câmara dos Deputados aprovou, na madrugada da última quinta-feira (17), o Projeto de Lei 2159/21, que estabelece novas regras gerais para o licenciamento ambiental no Brasil. O texto, que agora segue para sanção presidencial, foi aprovado com a incorporação de 29 emendas do Senado e divide opiniões entre parlamentares, ambientalistas, setores do agronegócio e o próprio governo federal.

A proposta cria novos tipos de licenças, como a Licença Ambiental Especial (LAE), voltada a empreendimentos estratégicos para o governo, e a Licença por Adesão e Compromisso (LAC), que dispensa estudos de impacto para atividades classificadas como de baixo ou médio potencial poluidor. As novas regras também alteram o papel de órgãos como a Funai, o ICMBio, o Iphan e o Ministério da Igualdade Racial na emissão de pareceres obrigatórios durante o processo de licenciamento, limitando sua atuação.

O relator da proposta, deputado Zé Vitor (PL-MG), defendeu o texto afirmando que ele “se mostra apto” após um “amplo debate com todos os setores interessados que buscaram um diálogo construtivo em prol de um texto equilibrado e que contribua com o desenvolvimento sustentável do País”.

Já o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), afirmou que o relator “atendeu cerca de 70% das demandas do governo” e que houve negociação até o último momento. “A primeira a ser visitada pelo deputado Zé Vitor foi a ministra [do Meio Ambiente] Marina Silva”, declarou Motta.

Apesar da tentativa de negociação, o texto foi aprovado sob forte oposição. A votação ocorreu durante a madrugada, de forma virtual, o que gerou críticas de parlamentares contrários ao projeto.

“Estímulo ao desenvolvimento”

Parlamentares da Frente Parlamentar da Agropecuária e de outros setores que apoiam o projeto argumentam que a nova legislação é essencial para destravar investimentos paralisados no país devido à morosidade no licenciamento.

“Várias obras ferroviárias pelo Brasil estão paradas esperando o licenciamento ambiental, a desburocratização e a racionalização de processos para o Brasil crescer e se desenvolver como merece”, afirmou o deputado Pedro Lupion (PP-PR), coordenador da Frente Parlamentar da Agropecuária.

O deputado Cobalchini (MDB-SC) também defendeu a proposta, lembrando casos de projetos emperrados. “Milhares de projetos de investimentos púbicos e privados estão nas gavetas dos órgãos ambientais aguardando licenciamento ambiental. Quem duvida vai em Florianópolis (SC) ver o projeto da marina, há dez anos aguardando licenciamento. Sabe o que significa o atraso de dez anos para uma cidade?”, questionou.

Kim Kataguiri (União-SP) disse que a proposta representa a padronização de processos já aplicados com sucesso em estados como a Bahia. “Não venham dizer que a gente, a partir de agora, vai ser o caos, a guerra antiambiental. O que a gente está fazendo é padronizar o procedimento, e não inventar”, defendeu.

O líder do Republicanos, deputado Gilberto Abramo (MG), tentou demonstrar equilíbrio na proposta. “O texto deixa clara a preocupação com desenvolvimento sem abandonar a importância do meio ambiente”, afirmou.

“Desmonte da lei”

A reação contrária ao projeto veio de parlamentares da oposição, ambientalistas e até mesmo de representantes do governo federal. Para os críticos, o texto representa um retrocesso e pode facilitar a ocorrência de novos desastres ambientais, como os de Mariana e Brumadinho, em Minas Gerais.

A deputada Sâmia Bomfim (Psol-SP) afirmou que a nova legislação “poderá causar novas tragédias como as de Brumadinho e Mariana, em Minas Gerais, que passarão a ocorrer em todo o País”. E acrescentou: “Estamos falando em rasgar qualquer análise técnica de estudo e impacto sobre o meio ambiente, sobre a saúde das pessoas e sobre a possibilidade de vida e futuro”.

A deputada Duda Salabert (PDT-MG) foi além e classificou a aprovação como um desrespeito às vítimas do rompimento da barragem da Vale em Brumadinho, que matou 272 pessoas. “Que vergonha! Depois de meia-noite e Plenário vazio com votação virtual, coloca-se em pauta projeto estruturante para política socioambiental do Brasil, que pode significar o maior retrocesso do licenciamento ambiental”, criticou.

Pedro Aihara (PRD-MG), que atuou como bombeiro no desastre de Brumadinho, também questionou a votação do projeto. “Para que a discussão possa ser feita com a responsabilidade, o cuidado e toda a atenção que o assunto merece, considerando o cenário de vítimas por desastre no Brasil em relação aos biomas”, afirmou. Ele ainda apontou: “A gente precisa modernizar os instrumentos de licenciamento. Mas não podemos ser ignorantes de discutir algo que pode vitimar muito mais pessoas”.

“Marina Silva crítica”

Horas após a aprovação da proposta, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, se posicionou contra o projeto. Em entrevista ao jornal O Globo, ela afirmou que “a questão do veto está posta” e que o governo vai buscar meios de reparação.

O governo vai trabalhar alternativas para reparar o texto que, segundo Marina, vai prejudicar a agricultura, a indústria, as exportações, gerar judicialização generalizada e impedir acordos internacionais.

Marina criticou a forma como o projeto foi aprovado: “Realmente é algo que é impensável num contexto como o que nós estamos vivendo”. E classificou o dia da aprovação como um “dia de luto”, chamando o texto de “uma derrota para os interesses do Brasil”.

Segundo a ministra, o governo já havia deixado claro ao Congresso que não se comprometeria com medidas que “desmontam o licenciamento”. “Essa questão de veto está posta sim. E desde o início foi colocado com muita clareza que o governo vai trabalhar para que o licenciamento ambiental seja preservado”, declarou.

Ela também indicou que o governo pode recorrer a outras estratégias, como o envio de nova medida provisória ou questionamentos de constitucionalidade. “Vamos dialogar no sentido de apresentar alternativas. Você pode fazer um projeto de lei, você pode fazer uma medida provisória, tudo em diálogo com o Congresso, nós não abrimos mão do diálogo”, disse.

Marina ainda lembrou os compromissos internacionais firmados pelo Brasil, como as metas climáticas e a promessa de zerar o desmatamento até 2030. “Com o novo licenciamento, essas metas não poderiam ser alcançadas”, afirmou.

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