Após crime brutal, “prende e solta” volta a ser tema na segurança pública
O assassinato de Luís Lourenço reacendeu críticas ao sistema "prende e solta", já que o autor do crime tinha longa ficha criminal

A trágica morte de Luís Lourenço, ocorrida na manhã de terça-feira (25) em Cascavel, reacendeu debates sobre a segurança pública na cidade. Segundo relatos, o homem, de 35 anos, caminhava pelo Parque Vitória, localizado no bairro Cancelli, quando foi perseguido por um morador de rua. Em meio à fuga, Luís Lourenço foi atingido por uma barra de concreto revestida de PVC na rua Manaus, sofrendo nove golpes na cabeça, o que ocasionou sua morte no local. Em determinado momento, ele implorou por sua vida, pedindo para não ser agredido.
O crime gerou revolta entre os moradores e reacendeu o debate sobre a presença de usuários de drogas que circulam pelas ruas de Cascavel. Hoje, a queixa no município é pela falta de segurança.
A discussão atinge setor judiciário, especialmente diante das críticas ao chamado "prende e solta". Especialmente porque Ivanildo dos Santos, de 44 anos, que segundo a Policia Civil, cometeu o crime, possuía um histórico criminal extenso, incluindo crimes de furto, extorsão mediante sequestro, tráfico de drogas e ameaça. Após cometer o assassinato, Ivanildo foi morto em confronto com a polícia.
Prende e solta em debate
O Sindicato dos Policiais Civis do Paraná (Sinclapol) lamentou a morte de Luís Lourenço e reforçou as críticas ao sistema de justiça criminal. Segundo a presidente do sindicato, Valquíria Tisque, a dificuldade em manter criminosos presos tem sido um desafio constante para os policiais. "É pela mesma porta que o policial sai que o detento também sai, às vezes eles saem até antes do policial, porque há toda uma burocracia a ser cumprida. O sistema de flagrante da prisão é extremamente burocrático no Brasil. O juiz, nas audiências de custódia, precisa analisar diversos critérios para decidir pela manutenção ou liberação do preso, como a gravidade do delito, os antecedentes criminais e o risco à ordem pública. No entanto, o que temos visto é uma política de soltura promovida pelo governo federal", afirmou.
O capitão Neemias Motin, da Polícia Militar, também comentou sobre a recorrência de casos em que criminosos são presos e rapidamente soltos, voltando a cometer delitos. "A Polícia Militar faz o trabalho de campo, realiza as prisões, mas não tem a capacidade de manter os criminosos detidos. Isso depende de outros órgãos e de mudanças nas leis. Vemos muitos desses indivíduos sendo presos várias vezes pela PM e, pouco tempo depois, estão de volta às ruas. Isso coloca em risco não apenas a população, mas também os próprios policiais, que precisam capturá-los repetidamente", declarou o capitão.
O advogado criminalista Luciano Katarinhuk avalia que situações como essa são reflexo de um problema recorrente: criminosos que se aproveitam de brechas na legislação para permanecerem em liberdade. Segundo ele, muitas vezes, pessoas com várias passagens pela polícia continuam soltas porque cometeram crimes de menor potencial ou cujas penas não exigem prisão imediata. "O Poder Judiciário tenta minimizar ao máximo as prisões porque o sistema penitenciário está superlotado. Assim, são aplicadas medidas cautelares alternativas ou até mesmo a concessão de liberdade sem restrições, apenas com a exigência de comparecimento periódico. O resultado? O indivíduo volta às ruas e, sentindo-se impune, reincide no crime", explicou o advogado.
Para ele, o problema está na legislação e, para mudar esse cenário, é preciso uma atuação mais firme do Poder Legislativo. "Muitos não lembram em quem votaram para deputado federal, mas são esses parlamentares que determinam as regras do Código Penal e do Código de Processo Penal. Eles são os responsáveis pela flexibilização das leis e pela existência de condições favoráveis para a liberação de criminosos", destacou.
Katarinhuk também chamou a atenção para a falta de infraestrutura do sistema prisional. "Mesmo com a ampliação de vagas, as penitenciárias seguem superlotadas. Para contornar essa realidade, o Judiciário tem concedido progressões de regime e substituído a prisão por monitoração eletrônica. No entanto, o que vemos são indivíduos com tornozeleira eletrônica praticando novos crimes ou até mesmo sem o equipamento, pois não há dispositivos suficientes para todos. O Executivo e o Judiciário têm suas responsabilidades, mas o principal problema está na legislação, que precisa ser revista", concluiu.
Mais segurança
Moradores dos bairros Canadá, Cancelli e Country estão organizando um abaixo-assinado para reforçar a demanda por mais segurança na região. O documento, que circula online, aponta o aumento no número de usuários de entorpecentes nas ruas como um dos principais fatores de insegurança. Outro ponto de preocupação dos moradores é a permanência dos portões do Parque Vitória abertos durante a noite, o que tem permitido que andarilhos e usuários de drogas utilizem o espaço como ponto de consumo e abrigo.
Descentralização
Treze vereadores de Cascavel assinaram um requerimento solicitando a descentralização do atendimento do telefone 190 da Polícia Militar. A iniciativa, liderada pelo vereador Policial Madril (PP), propõe que todas as ocorrências do município sejam encaminhadas diretamente ao 6º Batalhão da PM, em Cascavel, e não à central em Curitiba. O pedido surgiu após diversas reclamações de moradores relatando demora no atendimento das chamadas de emergência. O tema ganhou ainda mais repercussão após o caso de Luís Lourenço. Segundo uma testemunha, a Polícia Militar foi acionada momentos antes do crime, ao ser percebida a movimentação suspeita do agressor, mas a resposta demorou.
Câmara de gás?
A segurança pública em Cascavel foi tema de debate na Câmara de Vereadores na terça-feira (25), mas algumas declarações chamaram a atenção pelo tom polêmico e discursos desencontrados. Um dos momentos mais controversos ocorreu quando o vereador Valdecir Alcântara (PP) sugeriu o uso de câmaras de gás contra criminosos. "Precisávamos ter mudanças nessas leis, inclusive ter a Câmara de Gás. A Câmara de Gás é um botijão de gás a 50 metros de altura e soltar em cima de um vagabundo desse", afirmou, sorrindo. A citação infeliz do vereador relembra a técnica utilizada nos campos de concentração nazistas, onde prisioneiros eram trancados e expostos a pesticidas letais pelos oficiais alemães.
O vereador Dr Lauri (MDB) criticou o sistema carcerário e defendeu a federalização dos crimes relacionados às drogas. "Quem é o culpado? O culpado é o Executivo, que não tem um sistema carcerário adequado, não consegue aumentar as penas. Quer resolver o problema da criminalidade no Brasil? Federaliza o crime de toxicomania e agrava as penas. Em três anos começamos a resolver o problema", afirmou.
Já Serginho Ribeiro (PSD) adotou um tom conspiratório ao afirmar que mudanças nas leis não ocorrem porque há interesses financeiros no crime organizado. "Estamos tapando o sol com a peneira. Vocês acham que alguém quer mudar as leis? Claro que não! Tem muita gente ganhando dinheiro com isso: empresários, políticos, o crime organizado. Isso é real. No Brasil, tudo é só para inglês ver”, criticou.
O vereador Cidão da Telepar (Podemos) cobrou maior participação do governo federal e estadual na segurança pública e defendeu a atuação das Forças Armadas. "Segurança, saúde e educação são obrigações do governo federal e estadual. Mas olhem quanto o município está investindo em segurança. Precisamos continuar cobrando do governo federal. Daqui a pouco, quem sabe, o próprio Exército poderá atuar nas ruas, como acontece em Brasília com o BGP (Batalhão da Guarda Presidencial). Vagabundo respeita quem está fardado", disse.
Por outro lado, o vereador Policial Madril (PP) defendeu maior investimento em prevenção e educação para combater o uso de drogas. "A única forma de amenizar isso é atuar na adolescência, evitando que as pessoas experimentem drogas. Quem usa uma vez dificilmente para. Se for resolver do jeito que alguns pensam, só vai encher o cemitério de Cascavel e, em dois meses, tudo estará do mesmo jeito", alertou.