Ponto 14

Aos 59 anos, analfabeta dá primeiro passo e se matricula na escola: 'Estou na letra B e assim vou indo'

Por Giuliano Saito


Um ano após participar de reportagem do g1 sobre analfabetismo, diarista fala sobre a realização do que considera ser o maior sonho dela: aprender a ler e a escrever. Joana mostra orgulhosa as primeiras letras que fez na escola Arquivo pessoal O sorriso no rosto da diarista Joana de Fátima da Silva Ferreira, 59 anos, estampa a alegria de quem começou, nesta semana, a realizar o maior sonho da própria vida: ser alfabetizada. “Estou matriculada, estudando. Meu filho comprou os livros e comecei a conhecer as letras e escrever. [...] Aprender não tem idade. [...] Eu estou na letra B e assim estou indo, me saindo bem, graças à Deus. Estou muito alegre", contou ao g1. Compartilhe no WhatsApp Compartilhe no Telegram A diarista é conhecida carinhosamente como "Mamãe Fátima" e, hoje, mora em Belém, no Pará. Ela viveu alguns anos em Foz do Iguaçu, no oeste do Paraná, quando participou de uma reportagem do g1 sobre analfabetismo. Relembre mais abaixo. Um ano depois, Joana deu um passo importante para sair da estatística brasileira que indica que mais de 11 milhões de pessoas com mais de 15 anos são analfabetas no Brasil. Os dados são da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2019, a mais recente realizada. Joana e um colega no projeto social onde está sendo alfabetizada Arquivo pessoal A oportunidade, segundo ela, surgiu através de um projeto social financiado pela igreja que ela frequenta em Belém. A iniciativa oferece alfabetização gratuita a adultos. A primeira aula foi na última quarta-feira (11). Joana contou orgulhosa sobre o que já aprendeu. “Primeiro A, B, conhecer as letras, também a pronúncia, ‘BA’, ‘BE’, ‘BI’. [...] Nós estamos aprendendo as letras, devagar, ela passou atividades de ver a letra e recortar de revista. [...] Eu quero aprender a ler mesmo, com muita força, escrever também. Eu vou em frente, um dia eu chego lá", contou esperançosa. Atualmente ela mora com o neto de 13 anos em uma quitinete. Além do trabalho como diarista, ela conta com a ajuda financeira dos filhos. Apesar das dificuldades ao longo da vida, ver a realização do sonho, que parecia estar cada vez mais distante, faz Joana ser otimista e acreditar que irá "vencer". “Estou muito feliz, muito feliz mesmo. Muita gente me incentivou. Cada vez que eu ouvia que era analfabeta, que eu não sabia das coisas... Agora quero vencer. Idade não é documento, eu vou vencer. Estou me esforçando.” Erradicação do analfabetismo no Brasil A erradicação no analfabetismo no Brasil é uma das metas do Plano Nacional de Educação (PNE) sancionado em 2014 pelo Congresso Nacional. Até 2024, a meta é erradicar o analfabetismo absoluto e reduzir em 50% o analfabetismo funcional, que é quando a pessoa sabe identificar os números e letras, mas não consegue interpretar e compreender textos, além de ter dificuldade com operações matemáticas simples. Atividades feitas por Joana no primeiro dia de alfabetização Arquivo pessoal Relembre a história de Joana A diarista Joana saiu da casa dos pais aos nove anos de idade para trabalhar em uma feira em Belém, no Pará, onde nasceu. O desejo de aprender a ler e a escrever sempre esteve com ela, mas as oportunidades na infância e na juventude tiveram que ser adiadas para poder trabalhar e sustentar os quatro filhos. "Não pude estudar. Saí de casa com 9 anos, dormi e trabalhei na feira em Belém. Eu me criei lá, fui crescendo, me adaptando. Não procurei estudar também porque tive filhos muito cedo. Eu pensava no estudo, mas eu queria ter um lugar pra dormir. O estudo me irritava, porque eu ficava cansada do trabalho, não conseguia aprender também porque não tinha ninguém pra me dar curso. Só queriam que eu trabalhasse," relembra Joana. Na época morando em Foz do Iguaçu, ela contou ao g1 que deu a oportunidade de estudo aos filhos, que viu os netos entrando na escola e que agora pretendia estudar também. "Eu dei estudo pros meus filhos, não queria que passassem pelas mesmas humilhações que eu. Me dediquei muito a eles. Quero voltar aos estudos depois que acalmar a Covid. Aí as pessoas não vão mais me humilhar por eu não saber ler e escrever", disse na época. LEIA MAIS: Paraná concentra mais da metade dos analfabetos adultos da região Sul: 'Eu pensava no estudo, mas eu queria ter um lugar pra dormir' VÍDEOS: Mais assistidos g1 PR Veja mais notícias da região em g1 Oeste e Sudoeste.