Alexandre Curi

A substituição da Selic pelo IPCA na correção de depósitos judiciais: Análise normativa e impactos jurídicos

Nova norma substitui a Selic pelo IPCA na correção de depósitos judiciais a partir de 2026, reduzindo ganhos financeiros e podendo gerar questionamentos jurídicos

Por Gazeta do Paraná

A substituição da Selic pelo IPCA na correção de depósitos judiciais: Análise normativa e impactos jurídicos

Por Edgard Hermelino Leite Junior*


A portaria do Ministério da Fazenda 1.430/25, publicada no Diário Oficial da União em 7 de julho de 2025, estabelece que, a partir de 1º de janeiro de 2026, os depósitos judiciais e administrativos realizados em processos que envolvem a União, suas autarquias, fundações, fundos e empresas estatais dependentes passarão a ser corrigidos pelo IPCA, Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo, em substituição à taxa Selic, Sistema Especial de Liquidação e de Custódia, que vigorava desde 1998.

A medida fundamenta-se no art. 38 da lei 14.973/24, que inovou o regime de cobrança da dívida ativa da União.

Inicialmente, é importante distinguir os débitos anteriores e posteriores ao novo marco regulatório. Os depósitos feitos até 31 de dezembro de 2025 seguirão a atualização pela Selic, conforme previsão expressa da portaria.

Os depósitos efetivados a partir de 1º de janeiro de 2026, de outro modo, obedecerão exclusivamente ao IPCA acumulado, apurado pelo IBGE, sem aplicação de juros compostos.

A regulamentação impõe que os depósitos sejam realizados exclusivamente por meio da Caixa Econômica Federal, mediante emissão eletrônica do documento para DJE- Depósito Judicial ou Extrajudicial, que exigirá informações como CPF/CNPJ, número do processo, código da receita e valor depositado.

Os valores, então, serão repassados à Conta Única do Tesouro Nacional e disponibilizados ao depositante no prazo máximo de 24 horas após sua liberação.

Sob a égide da SELIC, os depósitos judiciais têm rendido valores significativamente maiores em comparação aos fornecidos pelo IPCA. Em 2025, a taxa SELIC encontra-se em torno de 15% ao ano, contrapondo-se ao IPCA estimado em 5,32%.

Assim, fato é que a substituição reduz substancialmente os ganhos financeiros dos depositantes, podendo desestimular a constituição de cauções judiciais.

Do ponto de vista jurídico-constitucional, a alteração também deve suscitar questionamentos.

Isso porque, a SELIC, historicamente aplicada à atualização da dívida ativa da União, assegurava a simetria entre credor e devedor estatal. Nesse contexto, a sua substituição pelo IPCA pode dar ensejo a discussões sobre eventual violação à vedação do enriquecimento sem causa ou equivalência de tratamento entre partes litigantes.

Não se pode esquecer, igualmente, que o IPCA é um índice que mede a inflação, e que não tributa rendimento; sua aplicação unicamente como correção monetária pode levantar debates no que tange à incidência de legendas tributárias sobre valores eventualmente auferidos.

Pontos controvertidos:

Listamos os principais aspectos da alteração que podem ensejar questionamentos e discussões:

a) Retroatividade e segurança jurídica:

A portaria assegura a manutenção da Selic em depósitos anteriores a 1/1/2026, evitando desconstituição de expectativas já formadas. Todavia, a determinação impõe aos entes da Federação e ao Poder Judiciário o prazo de um ano para adaptação de sistemas e reclassificação orçamentária, fato que exigirá um acompanhamento rigoroso para se evitar mora administrativa.

b) Amplitude de aplicação:

O alcance da norma é bastante abrangente, abarcando processos judiciais e administrativos, inclusive ações criminais federais e inquéritos policiais, excetuando-se, apenas, precatórios e requisições de pequeno valor, bem como depósitos realizados unicamente em função da atuação do Ministério Público, Defensoria ou conselhos de classe.

c) Eventual inconstitucionalidade:

Cabe observar, ainda, a possibilidade de arguição de inconstitucionalidade da referida substituição, posto que, conforme dito, a adoção do IPCA pode violar princípios constitucionais como o postulado da isonomia e da simetria tributária, ensejando demandas junto ao STF.

Nossas impressões sobre o assunto:

A mudança da aplicação da Selic pelo IPCA nos depósitos judiciais e administrativos realizados em processos que envolvem a União impõe uma revisão das estratégias processuais nessas ações.  

A redução de acréscimo financeiro tende a tornar menos atraente essa modalidade de garantia, podendo favorecer a cessão de crédito, acórdãos de compensação entre a administração e o particular, parcelamentos, transações, evitando-se o custeio oneroso da parte depositante.

Diante desse novo cenário normativo, a substituição da taxa Selic pelo IPCA na atualização dos depósitos judiciais não apenas impacta a rentabilidade dos valores vinculados a discussões com a União, como também pode influenciar decisões futuras quanto à constituição de garantias em juízo.

Por isso, é recomendável que cada caso seja cuidadosamente analisado à luz das novas diretrizes, de modo a preservar direitos, mitigar riscos e, se for o caso, adotar medidas jurídicas cabíveis diante de eventuais inconstitucionalidades ou desequilíbrios na relação processual com o Estado.

Por Edgard Hermelino Leite Junior é sócio do escritório Edgard Leite Advogados Associados

 

Artigo publicado originalmente no Portal Migalhas

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