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A estrada do escândalo: duplicação da PR-412 abre caminho para o Porto de Pontal e suas sombras

Duplicação viária abre caminho para interesses privados, enquanto denúncias de grilagem, propina e destruição da Ilha do Mel expõem o verdadeiro “preço” do projeto

A estrada do escândalo: duplicação da PR-412 abre caminho para o Porto de Pontal e suas sombras Créditos: Divulgação/AEN

Bruna Bandeira da Luz - Cascavel

 

Asfalto novo, barreiras de concreto e iluminação em LED. É essa a imagem oficial que acompanha a duplicação da PR-412 entre Matinhos e Pontal do Paraná, obra de R$ 274 milhões que promete transformar a rodovia em “avenida turística” do litoral. Outra duplicação, de 12,8 km entre Guaratuba e Garuva, deve custar R$ 254,4 milhões e completar o pacote viário. O governador Ratinho Junior apresenta as intervenções como parte da maior carteira de investimentos da história no litoral.

Mas, sob a camada de concreto, o traçado revela uma obra que não é apenas viária. A duplicação é também o atalho político e logístico para a instalação do polêmico Porto de Pontal, projeto privado que atravessa décadas de denúncias de corrupção, grilagem de terras e manipulação de licenças ambientais.

 

O homem do porto

No centro dessa história está João Carlos Ribeiro, empresário paranaense que, em 2015, ganhou as páginas policiais de todo o Brasil. Ribeiro é dono da Porto Pontal Importação e Exportação Ltda., empresa criada nos anos 1990 para erguer um terminal privado de contêineres em Pontal do Sul, numa área conhecida como Ponta do Poço. A região é estratégica pela profundidade natural dos canais e pela localização de fácil acesso a navios de grande porte.

Ribeiro não é um empreendedor qualquer. Herdou do pai, João Baptista Ribeiro Júnior — médico, deputado estadual e federal, secretário de Agricultura no governo Lupion e dono da Empresa Balneária Pontal do Sul — as conexões políticas que alimentaram seu projeto empresarial. Ao longo da carreira, construiu a imagem de “visionário”, mas acumulou um histórico de escândalos.

A Gazeta do Paraná revelou que ele esteve envolvido em grilagem de terras no litoral, com apoio de antigos gestores municipais. O plano era simples: a prefeitura desapropriaria terrenos sob justificativa de interesse público e, depois, repassaria as áreas ao empresário.

Em 2015, o nome de Ribeiro apareceu no centro de uma investigação da Polícia Federal: segundo o inquérito, a licença ambiental que viabilizaria o porto foi liberada mediante pagamento de propina ao então senador Fernando Collor, que teria atuado junto ao Ibama. O ministro do STF Luiz Edson Fachin determinou o bloqueio de R$ 1,1 milhão de Collor e demais envolvidos.

Para tocar o porto, Ribeiro contratou a empreiteira Techint, denunciada na Operação Lava Jato por participar do cartel que fraudava contratos da Petrobras. O resultado foi a paralisia do projeto e um rastro de suspeitas.

 

Estrada sob medida

Sem acessos, não há porto. E foi aí que governos estaduais entraram em cena. A chamada Faixa de Infraestrutura — estrada paralela à PR-412, ligando a PR-407 à área portuária — passou a ser tratada como pré-requisito legal para viabilizar o empreendimento.

Na gestão de Beto Richa (2011–2018), o licenciamento da faixa foi empurrado a qualquer custo. O Ministério Público e entidades ambientais denunciaram um processo cheio de ilegalidades. A obra era sustentada mesmo diante de relatórios técnicos que apontavam 32 impactos negativos, como desmatamento de Mata Atlântica, expulsão de comunidades tradicionais e destruição de restingas.

Com a eleição de Ratinho Junior, em 2019, surgiu a esperança de um novo rumo. O governador prometeu apostar no turismo de natureza, setor em expansão no mundo. Movimentos sociais apresentaram um projeto alternativo, custeado por financiamento coletivo, com ciclovias, miradouros e soluções para desafogar a PR-412.

Mas, nos bastidores, o governo seguia outro caminho.

 

O depoimento que confirma

Foi o próprio presidente dos Portos do Paraná, Luiz Fernando Garcia, quem admitiu recentemente a relação direta entre a estrada e o porto. Em entrevista, ele afirmou que o Porto de Pontal já tem contrato de adesão pronto para receber investimentos, mas que depende de três vetores: navegabilidade, terminais modernos e acessos rodoferroviários.

“Para aquele projeto em específico, está muito vinculado a essa questão da estrada. A partir do momento em que essa estrada for destravada e esses investimentos se iniciarem, muito provavelmente os investidores vão começar a colocar recursos na infraestrutura portuária”, declarou Garcia.

Ou seja: enquanto o governo insiste em apresentar a duplicação da PR-412 como obra turística e urbana, a autoridade máxima do setor portuário no Paraná admite que ela é pré-condição para destravar o Porto de Pontal.

 

Natureza sitiada

Enquanto isso, a ciência e o Ministério Público alertam: o Porto de Pontal e a Faixa de Infraestrutura trarão danos irreversíveis. Apenas 8,6% da restinga de Pontal permanece preservada; o restante já está degradado. Estudos identificam 70 espécies de mamíferos não voadores, das quais 22 ameaçadas de extinção, além de centenas de aves, anfíbios e peixes

O impacto não se restringe à vegetação. A pesca artesanal pode ser inviabilizada por poluição e alteração de ecossistemas. O Ministério Público listou 24 unidades de conservação sob risco, diretas ou indiretas, caso o porto avance.

A Ilha do Mel, cartão-postal do Paraná, teria sua paisagem “totalmente alterada”, segundo parecer da própria autoridade portuária. Mas esse alerta desapareceu dos relatórios de impacto ambiental, que trataram de forma superficial apenas os efeitos sobre pescadores.

 

Duplicação ou cavalo de Troia?

A duplicação da PR-412, vendida como obra para turistas, ciclistas e moradores, tem um segundo papel: preparar o corredor logístico para cargas pesadas do futuro porto. Não é opinião de ambientalistas, nem apenas suspeita de críticos. É a palavra oficial do presidente dos Portos do Paraná.

Críticos perguntam: por que instalar um porto privado em Pontal se Paranaguá já recebe investimentos bilionários de ampliação, suficientes para atender a demanda de exportação e importação do Estado?

A resposta parece estar menos na lógica econômica e mais no poder de um lobby. Um lobby personificado em João Carlos Ribeiro, que fez da promessa de um porto o eixo de sua trajetória empresarial e política.

 

O futuro em disputa

Hoje, tratores trabalham dia e noite na PR-412. Prefeitos comemoram, turistas esperam menos congestionamentos, e o governo exibe números bilionários. Mas, no horizonte, o que se projeta não é apenas a duplicação de uma rodovia. É a possível transformação do litoral num polo portuário-industrial.

Se confirmada, essa escolha pode significar o fim da vocação turística de Pontal, a destruição da biodiversidade da Ilha do Mel e a repetição de um roteiro já conhecido no Brasil: grandes obras travestidas de modernização servindo de cavalo de Troia para interesses privados, embalados em corrupção, grilagem e devastação ambiental.

A estrada está sendo pavimentada. Resta saber para onde ela realmente levará o Paraná.

 

 

DADOS

O Porto Pontal foi projetado para ser instalado em Pontal do Sul, distrito de Pontal do Paraná, na região conhecida como Ponta do Poço, entrada da Baía de Paranaguá.

A única via de acesso terrestre a essa região é justamente a PR-412, que conecta Matinhos a Pontal do Paraná e termina em Pontal do Sul (onde ficam a travessia para a Ilha do Mel e a área projetada para o porto).

Por isso tanto a duplicação em andamento (Matinhos–Praia de Leste) quanto a planejada Faixa de Infraestrutura — que correria paralela à PR-412, ligando a PR-407 diretamente à zona portuária — aparecem como pré-requisitos logísticos e legais do empreendimento.

 

 

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