A Borboleta e o Pássaro: o texto que dormia em gavetas
A Borboleta e o Pássaro revela a infância como palco da filosofia: quem se crê dono do mundo descobre, cedo ou tarde, que nada sabe

Bruna Bandeira da Luz - Cascavel
Há histórias que nascem prontas e há outras que passam anos adormecidas, como crianças órfãs de berço. A Borboleta e o Pássaro pertence à segunda espécie. Maia Piva escreveu o conto há mais de uma década, quando ainda era estudante em Curitiba, e entregou-o a um amigo para ilustrar. Era Guto Stresser, jovem de faculdade, que o transformou em projeto de TCC. Foram juntos a Recife, apresentaram num congresso estudantil, colheram aplausos tímidos e depois… silêncio. O livro morreu antes de nascer. Faltava dinheiro.
Dez anos depois, o reencontro. Maia retomou o fio com Guto e perguntou: “Vamos tentar pela lei?” E a Lei Paulo Gustavo, essa viúva generosa da cultura, abriu as portas. O ilustrador, agora maduro, rasgou as páginas antigas e redesenhou tudo: cores novas, linhas seguras, experiência de mercado. O pássaro ganhou asas mais largas. A borboleta, vaidade mais visível. E o projeto que antes tinha sido um esboço estudantil tornou-se livro de verdade.
Desde cedo, Maia já era contadora de histórias. Fez teatro, trabalhou em programas de incentivo à leitura, aprendeu a transformar páginas em espetáculo. Mas havia uma insatisfação: a literatura infantil lhe parecia carecer de teatralidade, de uma música própria para a voz. Foi então que ela tomou como guia a mestra Ruth Rocha, a escritora que dizia ser preciso descer ao olhar da criança. Não falar de cima, não impor, mas se colocar de joelhos diante da infância. A Borboleta e o Pássaro nasceu desse desejo: um texto que fosse bom de contar, com pausas, mudanças de tom, vozes diferentes, espaço para a surpresa.
Na história, a borboleta se crê rainha do jardim, única no universo. Narciso de asas frágeis, acredita que a beleza basta. Até conhecer o pássaro, que viajou por terras, rios, cachoeiras que ela sequer sonhou. E então descobre a verdade cruel: quem pensa que sabe tudo não sabe nada. É Sócrates, disfarçado em fábula para crianças. E também um recado aos adultos que envelhecem acreditando no próprio pedestal.
Antes de chegar à Cascavel, o projeto percorreu treze cidades pequenas, todas com menos de 20 mil habitantes. Em cada uma, livros foram distribuídos às bibliotecas. Professores ganharam exemplares autografados. E oficinas de contação de histórias, ministradas por Virginia Tostanowski ensinaram a transformar a literatura em teatro de vozes. Era o livro cumprindo sua missão: não apenas existir, mas ser multiplicado nas bocas que o narram.
Cascavel, com seus trezentos mil habitantes, não fazia parte do roteiro. Era grande demais para o edital. Mas era inevitável. Cidade onde Maia vive e viveu maior parte de sua vida, Cascavel receberá o lançamento como um acerto de contas com a origem. Não para vender — porque não pode, porque não deve —, mas para apresentar. A tiragem de 1.500 exemplares foi paga com dinheiro público e pertence ao povo. A cada escola, a cada CMEI, a cada biblioteca municipal caberá um pedaço dessa borboleta e desse pássaro.
Maia insiste: não é mercadoria. Não haverá bilheteria, nem prateleira de livraria. O livro é presente. É gratuito. É fruto de um financiamento coletivo pela lei. “Doar, sim. Vender, jamais.” E talvez nisso resida sua maior força: A Borboleta e o Pássaro chega ao mundo sem preço, mas com valor.
Agora, depois de quinze anos de espera, o livro enfim nasce. Não como objeto individual, mas como gesto coletivo. Cada exemplar será voz na boca de um professor, olhos atentos de uma criança, tempo suspenso numa biblioteca. E talvez essa seja a moral escondida: alguns voos levam tempo, mas quando se tornam possíveis, não pertencem apenas a quem os sonhou. Pertencem a todos que se deixam tocar.
Flic 2025
De 2 a 4 de outubro, Cascavel mergulha em três dias de celebração literária com a Flic 2025 – Festival Literário de Cascavel. Gratuito e aberto a todos os públicos, o evento ocupa a Biblioteca Pública Municipal Sandálio dos Santos com uma programação que vai de mesas-redondas, palestras e oficinas a lançamentos de livros, espetáculos teatrais, saraus e apresentações musicais.
A abertura acontece em 2 de outubro, às 19h30, com pocket show de Fernanda Takai, vocalista do Pato Fu e vencedora do Prêmio Jabuti, seguida de bate-papo sobre sua trajetória literária e sessão de autógrafos. Ao longo dos três dias, editoras, livreiros e sebos estarão presentes, ampliando o acesso a obras clássicas, contemporâneas e independentes.
Destaque ainda para os dezenove escritores cascavelenses selecionados por edital municipal, que lançarão suas obras durante o festival, e para o Sarau Literário, em 4 de outubro, às 15h, palco aberto para poesia, música e performances. Com apoio da Itaipu Binacional e da Unioeste, a FLIC reafirma sua vocação: reunir leitores, escritores e comunidade em torno da literatura.
Serviço
Lançamento de “A Borboleta e o Pássaro” – Maia Piva (Bacharel em Artes Cênicas, pela Unespar/FAP e Mestre em Letras - Dramaturgia, pela Unioeste)
03/10/2025
15h às 17h
FLIC – Biblioteca Pública Municipal Sandálio dos Santos
Programação completa: @bibliotecapublicacvel | @culturacascavel
