4 juízos de admissibilidade de recursos no STF e STJ: importância do domínio da técnica recursal
O primeiro juízo de admissibilidade ocorre na presidência do tribunal recorrido, também conhecido como juízo ou tribunal a quo

Michelle Najara A. Silva, procuradora do estado de São Paulo
Há 13 anos atuando no acompanhamento de recursos envolvendo o estado de São Paulo no Supremo Tribunal Federal e no Superior Tribunal de Justiça, foram analisados aproximadamente 21 mil recursos no âmbito das cortes superiores. Tal vivência prática, aliada ao conhecimento aprofundado da complexidade que envolve a análise dos requisitos processuais para admissão do recurso especial e do recurso extraordinário, permite afirmar, com segurança, que o processamento desses recursos atualmente se sujeita a quatro distintos juízos de admissibilidade.
O primeiro juízo de admissibilidade ocorre na presidência do tribunal recorrido, também conhecido como juízo ou tribunal a quo. Nessa fase, o presidente ou o vice-presidente do tribunal de origem analisa os requisitos extrínsecos e intrínsecos do recurso, verificando apenas a sua regularidade formal, sem qualquer apreciação de mérito. Trata-se de um controle de admissibilidade que resulta em decisão monocrática, comumente chamada de despacho de (in)admissibilidade recursal.
Se o recurso cumpre todos os requisitos exigidos, a Presidência do tribunal “admite” o recurso e o remete ao Tribunal Superior (STF ou STJ). Esse é o chamado juízo positivo de admissibilidade ou conhecimento. Caso contrário, se houver falhas formais, o presidente ou vice-presidente poderá negar seguimento ou inadmitir o recurso, impedindo sua remessa à instância superior [1].
Importa destacar que esse exame feito pelo tribunal de origem não vincula o tribunal superior, a quem compete realizar novo juízo de admissibilidade (REsp 2.176.700/RJ; AREsp 2.533.832/SP).
Juízo negativo de admissibilidade
Imagine, agora, que o presidente ou o vice-presidente do tribunal de origem conclua que o recurso não preenche todos os requisitos formais, ou que a matéria atrai a incidência de algum óbice processual consolidado na jurisprudência, como a Súmula 7/STJ, a Súmula 83/STJ ou a Súmula 280/STF. Nesse cenário, o tribunal profere um juízo negativo de admissibilidade, “trancando” o processamento do recurso especial ou extraordinário.
Diante dessa negativa, cabe ao recorrente interpor o agravo em recurso especial (AREsp) ou o agravo em recurso extraordinário (ARE). Trata-se de um recurso de natureza eminentemente técnica, que não discute o mérito da causa, mas funciona como instrumento de transporte, possibilitando que o ingresso no recurso principal no STJ ou no STF.
Tanto o recurso especial (REsp) quanto o recurso extraordinário (RE), quando admitidos pelo tribunal de origem, assim como o agravo em recurso especial (AREsp) e o agravo em recurso extraordinário (ARE), ao aportarem no STF ou no STJ, passam por um segundo juízo de admissibilidade, desta vez realizado pela Presidência da respectiva corte.
Triagem para admissibilidade
No STJ, essa triagem é realizada pela Narer (Assessoria de Admissibilidade, Recursos Repetitivos e Relevância), órgão técnico interno responsável pela análise preliminar. No STF, a competência é da Assessoria de Análise de Recursos (ARE), que desempenha função semelhante.
Nessa etapa, a presidência examina os recursos sob duas perspectivas principais:
Impugnação adequada dos fundamentos da decisão agravada: Avalia-se se o recorrente impugnou, de forma específica e completa, todos os fundamentos da decisão que inadmitiu o recurso na origem. Aqui, aplica-se, por exemplo, a Súmula 182 do STJ e 287 do STF.
Exame das súmulas de admissibilidade: São verificados diversos aspectos, como a incidência das Súmulas 5 e 7 do STJ, e das Súmulas 282 e 284 do STF. Também se exige a indicação expressa do permissivo constitucional que autoriza o recurso especial, a correta identificação do dispositivo legal supostamente violado e a demonstração precisa da divergência jurisprudencial invocada.
Os números revelam a relevância dessa filtragem: apenas em 2024, mais de 133 mil recursos deixaram de ser distribuídos aos gabinetes dos ministros em razão da inadmissão feita pela Presidência do STJ, a partir da análise técnica da Narer.
Chance de agravo interno
Caso a Presidência da corte superior não conheça do recurso, caberá a interposição de agravo interno, que será distribuído a um ministro relator. Nessa etapa, tem-se o terceiro juízo de admissibilidade recursal, em que o relator reexamina os fundamentos que levaram à negativa de seguimento.
E não é só. Se o ministro relator, ao apreciar o recurso, entender que não estão preenchidos os requisitos de admissibilidade, poderá igualmente negar-lhe seguimento por decisão monocrática. Nessa hipótese, caberá ao recorrente interpor novo agravo interno (artigo 1.021 do CPC), agora dirigido ao órgão colegiado (Turma ou Plenário, conforme o caso). Trata-se, portanto, do quarto o juízo de admissibilidade recursal, que representa a última oportunidade do recorrente para superar os óbices formais e assegurar o efetivo processamento do recurso.
Os óbices processuais aos recursos dirigidos aos tribunais superiores são numerosos e complexos. O percurso de um recurso até ser admitido — e aqui se fala apenas em admissibilidade, não em julgamento de mérito — é longo e repleto de obstáculos. Por essa razão, o advogado deve estar atento desde o protocolo da petição inicial ou da contestação para prevenir futuras dificuldades recursais.
Estratégia desde a origem
A estratégia de atuação perante o STF e o STJ precisa ser traçada desde a origem, nas instâncias ordinárias, pois somente assim é possível construir uma base processual sólida capaz de resistir ao rigor técnico do controle de admissibilidade exercido pelas Cortes Superiores.
Ademais, o domínio da técnica recursal específica do STF e do STJ — distinta daquela aplicável aos recursos das instâncias inferiores — revela-se imprescindível aos advogados que almejam êxito no processamento de recursos nos tribunais superiores.
[1] A decisão que examina o RE ou o REsp pode conter mais de um capítulo e, a depender dos fundamentos adotados, pode ser necessária a interposição simultânea de mais de um recurso contra o despacho proferido pelo Presidente ou Vice-Presidente do tribunal de origem. Se a Presidência do tribunal de segunda instância conclui que não foram atendidos os requisitos formais do recurso, profere um juízo negativo de admissibilidade, “trancando” o processamento do RE ou do REsp. Nessa hipótese, caberá ao advogado interpor o agravo em recurso extraordinário ou em recurso especial, previsto no art. 1.042 do CPC.
Por outro lado, se a decisão da Presidência afirma que o acórdão recorrido se apoia em tese firmada em repercussão geral (art. 1.030, I, “a”, CPC) ou em recurso repetitivo (art. 1.030, I, “b”, CPC), o meio adequado é a interposição de agravo interno, conforme o art. 1.021 do CPC, dirigido ao respectivo órgão colegiado, buscando a revisão desse enquadramento.
Artigo publicado no Conjur
