Ponto 14

Sistema prisional: em cenário de violações, Judicário e Executivo lançam programa Pena Justa

O lançamento do Pena Justa ocorre em um momento crítico.  Observatório Nacional dos Direitos Humanos revela que o Brasil possui população carcerária superior a 850 mil pessoas, a terceira maior do mundo

Por Gazeta do Paraná

Sistema prisional: em cenário de violações, Judicário e Executivo lançam programa Pena Justa Créditos: Reprodução relatório da Defensoria Pública

Na última quarta-feira (12), o Supremo Tribunal Federal (STF) foi palco do lançamento do programa Pena Justa, uma iniciativa conjunta do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP). O programa visa combater as violações sistemáticas de direitos humanos no sistema prisional brasileiro, estabelecendo mais de 300 metas a serem cumpridas até 2027.

Com a presença de diversas autoridades, incluindo o presidente do STF e do CNJ, ministro Luís Roberto Barroso, foram firmados acordos de cooperação e apresentado um selo comemorativo dos Correios em alusão ao projeto. O objetivo é transformar a realidade carcerária do país, promovendo melhorias na infraestrutura dos presídios, garantindo acesso a serviços de saúde, educação e segurança, e incentivando a ressocialização e capacitação profissional dos detentos.

Durante a cerimônia, Barroso ressaltou que o programa representa uma “virada de chave” no enfrentamento da superlotação e da violência nas penitenciárias, destacando que a falta de ação do Estado fortalece as organizações criminosas. “O que estamos fazendo é um exercício de empatia, não com ingenuidade nem desapreço às vítimas, mas apenas para dar condições mínimas de dignidade para que os presos não saiam de lá pior do que entraram. Essas pessoas não perderam sua dignidade, apenas sua liberdade”, declarou o ministro.

Os acordos de cooperação firmados estabelecem diretrizes para a impleme tação do programa, incluindo a criação de uma linha de crédito para projetos de cultura, qualificação e reinserção social, além de incentivos ao empreendedorismo entre mulheres detentas e suas famílias.

 

Emprega 347

Uma das iniciativas mais inovadoras dentro do programa Pena Justa é o projeto Emprega 347, que cria cotas de emprego para egressos do sistema prisional nas obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). A proposta visa garantir oportunidades de trabalho digno e remunerado para mais de 600 mil ex-detentos, incluindo atuação em projetos de reflorestamento e compensação ambiental.

Para incentivar a participação, o programa prevê a entrega anual de um prêmio para os presos e ex-detentos que mais se destacarem no trabalho. Segundo especialistas, essa é uma medida essencial para reduzir a reincidência criminal, oferecendo uma alternativa concreta à marginalização social.

 

Diagnóstico

O lançamento do Pena Justa ocorre em um momento crítico para o sistema prisional brasileiro. Dados do Observatório Nacional dos Direitos Humanos (ObservaDH) revelam que o Brasil possui uma população carcerária superior a 850 mil pessoas, sendo a terceira maior do mundo. Desde o ano 2000, esse número quase quadruplicou, e o déficit de vagas ultrapassa 200 mil. Entre 2023 e 2024, um terço das unidades prisionais foi classificado como apresentando condições ruins ou péssimas.

Os números também são alarmantes no que diz respeito à violência no sistema carcerário. Somente em 2023, foram registradas 3.091 mortes dentro das prisões brasileiras, sendo 703 homicídios. A taxa de mortes violentas intencionais (MVI) nas prisões é quatro vezes maior do que na população em geral, enquanto os casos de suicídio entre presos são três vezes mais frequentes.

A necessidade de mudanças estruturais se reflete em casos recentes, como a morte de Valério Savedra na Penitenciária Estadual Thiago Borges de Carvalho, em Cascavel, em novembro do ano passado. O caso está sendo acompanhado pela Comissão de Execução Penal da OAB local, que já manifestou preocupação com a superlotação e as falhas de segurança na unidade.

Em entrevista à Gazeta do Paraná na ocasião, a advogada Suelane Gundim reforçou que o episódio é sintomático de um problema maior: a falta de condições adequadas nas penitenciárias brasileiras. "Nosso papel é garantir que os direitos humanos sejam respeitados e que falhas no sistema sejam corrigidas para evitar novos episódios de violência", afirmou.

O detento foi morto após ser agredido por outros presos, supostamente em reação à chegada de um documento que informava sua acusação por estupro. Os relatos indicam que a leitura do documento dentro da cela foi o estopim para as agressões. A origem desse documento ainda está sendo investigada, assim como eventuais falhas na sua entrega.

Sobre o caso o advogado Marcelo Navarro destacou que a falha na comunicação sobre o crime imputado a Savedra pode ter exposto o detento à violência, reforçando a necessidade de protocolos mais rígidos para garantir a integridade dos internos. “Independentemente da origem da falha, a responsabilidade recai sobre o Estado, que deve indenizar a família e prevenir situações de risco”, disse.

A Comissão de Execução Penal da OAB não descarta levar o caso a instâncias superiores, como a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), caso as investigações apontem negligência grave.

 

Perspectivas para o futuro

O programa Pena Justa tem um grande desafio pela frente. As medidas propostas buscam enfrentar a superlotação, aprimorar a infraestrutura dos presídios, otimizar os protocolos de saída após o cumprimento das penas e assegurar a reintegração dos detentos à sociedade.

Com o apoio de diversos órgãos, como a Controladoria-Geral da União (CGU), o Banco Nacional do Desenvolvimento (BNDES) e o Ministério do Empreendedorismo, a esperança é que as mudanças não fiquem apenas no papel. O STF homologou o plano com ressalvas no fim de 2024, mas o sucesso da iniciativa dependerá da execução eficiente e do comprometimento do poder público.

 

Créditos: Redação