Servidor público pode ter jornada de trabalho reduzida para cuidar de filho autista
O relator concluiu que, se houver compatibilidade entre o efetivo exercício da função de confiança e a jornada reduzida, a função de confiança e o recebimento da correspondente gratificação poderão ser mantidas
Por Gazeta do Paraná

Ainda que não exista lei local específica, é possível a redução da jornada de trabalho de servidor efetivo que tenha filho diagnosticado com Transtorno do Espectro Autista (TEA), para a promoção de cuidados necessários, sem a redução dos vencimentos do cargo efetivo, com base na legislação aplicável aos servidores públicos federais, conforme estabelecido no Tema nº 1.097 da Repercussão Geral (RE) nº 1237867 do Supremo Tribunal Federal (STF).
Por meio dessa tese, o STF fixou o entendimento de que aos servidores públicos estaduais e municipais são aplicáveis, para todos os efeitos, as disposições do artigo 98, parágrafos 2° e 3°, da Lei 8.112/90.
Nesse caso, se não houver legislação específica, o pagamento de gratificação por função sem redução somente pode ocorrer se houver compatibilidade entre o exercício da função de confiança pelo servidor e o regime de jornada reduzida para acompanhamento de pessoa com deficiência, conforme avaliação do gestor. Isso porque a função gratificada representa o pagamento de vantagem em decorrência de acréscimo às funções inerentes ao cargo efetivo já exercido pelo servidor,
Essa é a orientação do Tribunal de Contas do Estado do Paraná (TCE-PR), em resposta à Consulta formulada pela Câmara Municipal de Ivaiporã (Região Central), por meio da qual questionou sobre a possibilidade de redução de jornada de trabalho para servidor efetivo promover melhores cuidados ao filho diagnosticado com TEA, sem a redução de salário e gratificação por função.
Instrução do processo
Em seu parecer, a assessoria jurídica da Câmara Municipal de Ivaiporã afirmou que a possibilidade questionada encontra amparo legal no entendimento do STF expresso no Tema nº 1.097, de repercussão geral, que reconheceu o direito ao horário especial e à manutenção dos vencimentos; e, por analogia, nas disposições do parágrafo 1º do artigo 63 da Lei Estadual nº 18.419/15 (Estatuto da Pessoa com Deficiência no Estado do Paraná).
A assessoria jurídica do consulente também ressaltou que as funções gratificadas são destinadas às atribuições de direção, chefia e assessoramento, motivo pelo qual estão vinculadas ao regime especial de dedicação integral. Além disso, destacou que a redução da jornada de trabalho pode impactar a capacidade do servidor cumprir as responsabilidades adicionais que justificam a concessão da função gratificada.
A Coordenadoria de Gestão Municipal (CGM) do TCE-PR entendeu que a ausência de legislação local não impede a concessão da redução de jornada de trabalho para servidores públicos municipais, pais ou cuidadores legais de pessoas com deficiência, sem a necessidade de compensação de horário e sem redução de vencimentos, com fundamento no princípio da igualdade substancial, previsto na Constituição Federal, bem como na Convenção Internacional sobre o Direito das Pessoas com Deficiência.
O Ministério Público de Contas do Paraná (MPC-PR) posicionou-se no sentido de ser plenamente possível a redução da jornada de trabalho de servidor com a finalidade de prover cuidados especiais ao filho diagnosticado com TEA, sem a diminuição do vencimento do cargo efetivo.
O órgão ministerial destacou haver amparo legal no Tema nº 1.097 do STF, no artigo 63 da Lei Estadual nº 18.419/15, no artigo 110, inciso II, "a", da Lei Estadual nº 21.964/24, e em decisão proferida em caso idêntico envolvendo servidor do TCE-PR.
Quanto ao recebimento de gratificação pelo exercício da função de chefia, o MPC-PR concluiu que, apesar da falta de legislação específica em âmbito municipal, cabe ao gestor avaliar, no exercício da capacidade de autoadministração, se existe compatibilidade para manutenção do pagamento de gratificação ao servidor em regime de jornada reduzida.
Decisão
Em seu voto, o relator do processo, conselheiro Ivens Linhares, atual presidente do TCE-PR, concordou com o posicionamento da CGM e do MPC-PR. Ele lembrou que a possibilidade de redução de jornada de trabalho de servidor público para cuidados com filho diagnosticado com TEA, sem redução de salário, ainda que inexista legislação municipal dispondo sobre o tema, encontra amparo no Tema nº 1.097 do STF.
Assim, Linhares concluiu que se os servidores públicos federais, pais ou cuidadores legais de pessoas com deficiência têm o direito a horário especial, sem a necessidade de compensação de horário e sem redução de vencimentos, os servidores públicos estaduais e municipais em situações análogas também devem ter a mesma prerrogativa.
O conselheiro lembrou que a Lei nº 8.112/90 determina que será concedido horário especial ao servidor portador de deficiência, quando comprovada a necessidade por junta médica oficial, independentemente de compensação de horário; e que tais disposições são extensivas ao servidor que tenha cônjuge, filho ou dependente com deficiência.
Portanto, com base no Tema nº 1.097 da repercussão geral do STF, o relator concluiu que, comprovada a necessidade, o servidor público municipal que tenha filho ou dependente com deficiência também tem direito à redução de sua carga horária, independentemente de compensação de horário e sem redução de vencimentos, com amparo nas previsões do artigo 98, parágrafos 2º e 3º, da Lei nº 8.112/90, em caso de ausência de regulamentação desse direito na esfera local.
Linhares afirmou que, em âmbito estadual, o Estatuto da Pessoa com Deficiência do Estado do Paraná garante a redução da jornada de trabalho do servidor público civil ou militar que seja pai ou mãe de pessoa com deficiência congênita ou adquirida, sem prejuízo da remuneração. Ele citou decisões do TJ-PR que se fundamentaram no Tema nº 1.097 da repercussão geral do STF.
O conselheiro ressaltou que o Código Estadual da Pessoa com TEA, além de estabelecer que a pessoa com TEA é pessoa com deficiência para todos os efeitos legais, prevê a aplicação, no que couber, das disposições do Estatuto da Pessoa com Deficiência do Estado do Paraná, prevendo expressamente a aplicação da redução da jornada de trabalho do servidor público civil ou militar disciplinada no Estatuto da Pessoa com Deficiência.
Desse modo, o relator explicou que também é possível que, ante a já mencionada ausência de legislação local regulando o tema, as diretrizes da legislação estadual sejam analogicamente aplicadas, a fim de possibilitar a fruição do direito à jornada de trabalho reduzida, sem prejuízo de remuneração, ao servidor municipal.
Quanto à possibilidade de manutenção da gratificação de função, ausente legislação municipal pertinente, Linhares mencionou ser necessário destacar, de início, que na Lei nº 8.112/1990, em que pese exista a previsão de que o ocupante de cargo em comissão ou função de confiança submete-se a regime de integral dedicação ao serviço, podendo ser convocado sempre que houver interesse da administração, inexiste vedação expressa ao recebimento da gratificação de função em razão da concessão de jornada especial.
O conselheiro salientou que, no âmbito do Estado do Paraná, a Lei nº 18.419/15, que prevê a redução da carga horária semanal do cargo ao servidor pai ou mãe, filho ou filha, cônjuge, companheiro ou companheira, tutor ou tutora, curador ou curadora ou que detenha a guarda judicial da pessoa com deficiência congênita ou adquirida, de qualquer idade, sem prejuízo de remuneração, nos termos enunciados, foi regulamentada pelo Decreto Estadual nº 3.003/15.
O relator frisou que esse decreto prevê, em seu artigo 3º, que se aplica a redução da carga horária prevista no artigo 63 da Lei nº 18.419/15 aos militares estaduais; aos funcionários ocupantes de cargo público com vínculo efetivo, inclusive àqueles que exercem função gratificada ou cargo comissionado; e aos funcionários ocupantes de cargo público com vínculo comissionado, sem prejuízo da remuneração.
Mas Linhares destacou que caberá ao gestor avaliar, no exercício da capacidade de autoadministração, se existe compatibilidade para manutenção do pagamento de gratificação ao servidor em regime de jornada reduzida.
O conselheiro enfatizou que a função gratificada representa o pagamento de vantagem em decorrência de acréscimo às funções inerentes ao cargo efetivo já exercido pelo servidor, de modo que também se justifica a necessidade de previsão das atribuições das funções gratificadas em lei, assim como ocorre com os cargos de provimento em comissão, com o fim último de verificar o atendimento à excepcionalidade de seu pagamento para os servidores que, efetivamente, exercem atividades que extrapolam as atribuições de seu cargo efetivo.
Assim, o relator concluiu que, se houver compatibilidade entre o efetivo exercício da função de confiança e a jornada reduzida, a função de confiança e o recebimento da correspondente gratificação poderão ser mantidas; e, caso contrário, não é cabível o pagamento da gratificação.
Os conselheiros aprovaram o voto do relator por unanimidade, na Sessão de Plenário Virtual nº 4/25 do Tribunal Pleno do TCE-PR, concluída em 13 de março. O Acórdão nº 478/25 - Tribunal Pleno, no qual está expressa a decisão, foi disponibilizado em 25 de março, na edição nº 3.410 do Diário Eletrônico do TCE-PR. O trânsito em julgado da decisão ocorreu em 3 de abril.
Ascom/TCE-PR