PF indicia Bolsonaro e Eduardo em inquérito sobre sanções dos EUA

Análise do celular de Jair Bolsonaro trouxe vários elementos para investigação e elaboração do inquérito

Por Da Redação

PF indicia Bolsonaro e Eduardo em inquérito sobre sanções dos EUA Créditos: Antonio Augusto/STF

A Polícia Federal (PF) indiciou na última quarta-feira (20) o ex-presidente Jair Bolsonaro e o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) pelos crimes de coação no curso do processo e tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito. O relatório final do inquérito foi encaminhado ao ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), que determinou prazo de 48 horas para que a defesa do ex-presidente prestasse esclarecimentos sobre novos elementos descobertos, incluindo a existência de um documento de pedido de asilo político à Argentina.

Segundo a investigação, Eduardo Bolsonaro atuou diretamente junto ao governo do então presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, em favor de sanções contra o Brasil e contra ministros do Supremo. O parlamentar, que em março pediu licença de 122 dias do mandato, mudou-se para os EUA alegando perseguição política. Para os investigadores, sua atuação foi articulada com respaldo do pai. Jair Bolsonaro, segundo a PF, enviou recursos via Pix para custear a estadia do filho no exterior. Além disso, os autos revelam uma transferência de R$ 2 milhões à ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro, realizada em 10 de fevereiro de 2024, um dia antes de o ex-presidente prestar depoimento no inquérito.

Conversas e pressões

A análise do celular de Bolsonaro trouxe novos elementos. Em diálogos interceptados com o pastor Silas Malafaia, o ex-presidente vinculou a aprovação da anistia aos condenados pelos atos de 8 de janeiro à retirada das tarifas impostas pelos Estados Unidos. “Resolveu a anistia, resolveu tudo. Não resolveu, já era”, afirmou em áudio enviado ao religioso. A PF considera a fala como prova de tentativa de condicionar decisões políticas internas a pressões externas.

Malafaia também teve conversas diretas com Eduardo Bolsonaro. Em mensagens, repreendeu o parlamentar pela forma como conduziu as negociações com aliados de Trump após a imposição do tarifaço de 50% sobre importações brasileiras. O pastor disse a Bolsonaro que havia chamado o filho de “babaca” e ameaçou expor publicamente sua conduta. Em outras mensagens, Malafaia recebeu elogios pela defesa da anistia feita por Flávio Bolsonaro no Congresso, revelando um alinhamento entre líderes religiosos e a família Bolsonaro na pauta.

A Procuradoria-Geral da República (PGR) avaliou os registros como tentativa explícita de manipular decisões políticas por meio de chantagens e articulações externas. Com base nesses indícios, Moraes autorizou busca e apreensão contra Malafaia, que teve o celular confiscado no Aeroporto do Galeão, no Rio de Janeiro. O pastor foi proibido de deixar o país e de manter contato com outros investigados. Em reação, declarou: “Sou um líder religioso, não um bandido. Estão criminalizando a opinião”. Malafaia acusou o ministro de instaurar um “crime de opinião” contra seus posicionamentos.

Discussão com filho

A Polícia Federal divulgou também, mensagens que expõem uma discussão entre Jair Bolsonaro e seu filho, Eduardo Bolsonaro, recheada de xingamentos.

O embate, registrado em documentos de 170 páginas, teve como ponto central o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, visto como possível candidato da direita em 2026.

Eduardo demonstrou irritação com elogios do pai a Tarcísio, chegando a chamá-lo de “ingrato” em tom ofensivo. "VTNC seu ingrato do C...", disse Eduardo na mensagem.

Nas mensagens, o deputado também reclama que suas articulações nos Estados Unidos estariam sendo prejudicadas e ironiza encontros de Tarcísio com representantes americanos, alegando que só ele teria acesso à Casa Branca.

Segundo a PF, Eduardo está nos EUA desde fevereiro, bancado por R$ 2 milhões arrecadados via Pix, o que pode levar à perda de seu mandato por faltas na Câmara.

Documento de asilo

Outro elemento considerado grave pela PF foi a descoberta de um documento de 33 páginas no celular de Bolsonaro, no qual ele cogita pedir asilo político ao presidente da Argentina, Javier Milei. O arquivo não tem assinatura nem data, mas foi atualizado em dezembro de 2023, poucos dias antes da viagem de Bolsonaro a Buenos Aires para a posse de Milei. Para a PF, o texto demonstraria preparo para eventual fuga do Brasil diante do avanço das investigações. “Os elementos informativos encontrados indicam que Bolsonaro tinha em sua posse documento que viabilizaria sua evasão”, concluiu o relatório.

Moraes destacou em despacho o “comprovado risco de fuga” e determinou que a defesa do ex-presidente apresente explicações sobre as circunstâncias do documento. Além disso, o ministro lembrou que Bolsonaro já havia descumprido medidas cautelares ao trocar mensagens com o general Braga Netto, também réu no processo. Segundo a PF, o militar habilitou um novo celular e enviou SMS ao ex-presidente em fevereiro de 2024, mesmo estando proibido de manter qualquer tipo de contato.

A defesa de Jair Bolsonaro afirmou ter sido surpreendida pelo indiciamento e negou descumprimento das medidas cautelares. Em nota, declarou que “os pontos levantados serão devidamente esclarecidos dentro do prazo assinado pelo ministro relator”. O advogado Paulo Cunha Bueno reforçou que não houve tentativa de fuga e que o documento sobre asilo seria apenas um rascunho sem validade jurídica.

Eduardo Bolsonaro, por sua vez, reagiu com críticas à investigação. Em postagens nas redes sociais, classificou as conclusões da PF como “delírio persecutório” e acusou a corporação de tentar gerar desgaste político. Atualmente residindo nos Estados Unidos, disse estar protegido pela Primeira Emenda da Constituição norte-americana. “Se o meu ‘crime’ for lutar contra a ditadura brasileira, declaro-me culpado de antemão”, afirmou.

No Congresso, o indiciamento repercutiu de imediato. Partidos de oposição ao governo Bolsonaro, como PT e PSOL, protocolaram representações pedindo a cassação de Eduardo na Comissão de Ética da Câmara. O presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB), encaminhou os pedidos, mas ainda não há previsão de análise. Parlamentares aliados classificaram o caso como perseguição política e prometeram mobilização em defesa da família Bolsonaro.

Contexto mais amplo

As acusações se somam ao processo que tramita no STF contra Bolsonaro e aliados pelo suposto envolvimento em tentativa de golpe de Estado e abolição violenta do Estado Democrático de Direito, relacionados aos ataques de 8 de janeiro de 2023. O julgamento do núcleo central da trama está marcado para 2 de setembro. Entre os réus, além do ex-presidente, estão Anderson Torres, Augusto Heleno, Braga Netto, Paulo Sérgio Nogueira, Almir Garnier, Alexandre Ramagem e Mauro Cid.

Segundo a PGR, os áudios, as transferências financeiras e o documento de pedido de asilo reforçam a suspeita de que Bolsonaro buscava alternativas para evitar responsabilização penal, inclusive cogitando sair do país. Para investigadores, a combinação de recursos transferidos, articulações internacionais e contatos com aliados militares compõe um quadro de tentativa organizada de obstrução de investigações e de manutenção de influência política mesmo após deixar o Planalto.

Agora, caberá à PGR decidir se denuncia formalmente Jair Bolsonaro e Eduardo Bolsonaro ao STF. Se isso ocorrer, ambos podem se tornar réus por crimes que vão desde coação processual até tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito. Até lá, seguem sob investigação, monitorados e proibidos de manter contato com outros envolvidos.

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