Obra em rodovia no Maranhão beneficia propriedades da família do Governador
A estrada, anunciada como estratégica para reduzir distâncias até o Porto do Itaqui, corta uma região onde os Brandão expandiram suas atividades agrícolas
Por Da Redação

A maior obra rodoviária em andamento no Maranhão, a pavimentação da MA-372, tornou-se alvo de questionamentos por beneficiar diretamente propriedades do governador Carlos Brandão (PSB) e de sua família. O projeto, orçado em R$ 280 milhões e financiado com recursos de um empréstimo junto ao Banco do Brasil, liga os municípios de São Domingos do Azeitão e Mirador e está em execução desde 2024. A estrada, anunciada como estratégica para reduzir distâncias até o Porto do Itaqui, corta uma região onde os Brandão expandiram suas atividades agrícolas nos últimos anos. As informações foram reveladas em primeira mão pelo Estadão.
Veterinário de formação e deputado federal por dois mandatos, Carlos Brandão foi eleito vice de Flávio Dino em 2014 e assumiu o governo em 2022. Atualmente, é considerado um dos principais aliados do presidente Luiz Inácio Lula da Silva no Nordeste.
O valor investido na obra equivale a 75% de todo o orçamento disponível para investimentos do Estado em 2025. A estrada de 86 quilômetros, antes de terra batida, está sendo asfaltada por trechos, com previsão de entrega parcial ainda este ano. Além de aproximar o Matopiba, fronteira agrícola que integra Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, do porto em São Luís, a rodovia melhora o acesso a lavouras de soja e arroz da família do governador.
A coincidência entre a ampliação das terras do grupo e o avanço da obra tem gerado debate. Entre 2020 e 2023, os Brandão triplicaram a área de produção em Mirador, passando de cerca de 2 mil para mais de 7,5 mil hectares, conforme registros de cartório e do Cadastro Ambiental Rural (CAR). Nesse período, também contrataram ao menos R$ 58 milhões em financiamentos agrícolas, principalmente junto ao Banco do Nordeste. Os recursos serviram para correção de solo, custeio da soja, compra de maquinário e abertura de glebas.
A movimentação coincidiu ainda com a autorização para construir uma pista de pouso privada, obtida em abril de 2023 junto à Agência Nacional de Aviação Civil (Anac). Poucos meses depois, em novembro do mesmo ano, foi lançada a licitação da MA-372. Imagens de satélite analisadas por técnicos mostram que, entre 2020 e 2024, a região recebeu investimentos em silos, galpões e áreas de plantio.
No traçado da nova rodovia, a proximidade com as fazendas é evidente: a estrada passa ao lado das terras da família e toca seus limites por aproximadamente dois quilômetros. Uma placa instalada no local indica a distância de sete quilômetros até a sede da fazenda dos Brandão. Questionado, o governador confirmou que é beneficiado, mas reforçou o impacto coletivo da obra. “Ela não passa, apenas, por propriedade da família Brandão. Além de diminuir a distância do Matopiba, passa por outras propriedades igualmente produtoras”, disse por meio da assessoria.
Em ato público em Mirador, na cerimônia de início das obras, Brandão afirmou: “Todos os municípios produtores de grãos vão economizar cerca de 130 quilômetros para chegar ao Porto do Itaqui, isso vai alavancar o desenvolvimento da região como um todo”.
O governo estadual também divulgou nota rebatendo críticas. “O governo do Estado repudia que uma obra de tamanha importância para a economia do estado e das regiões Norte e Nordeste esteja sendo oferecida de forma deturpada e com conotação política, com o intuito de ludibriar a opinião pública sobre esta e outras melhorias significativas por quais o Maranhão passa, fruto de um trabalho sério, comprometido e de grandes resultados, que é a marca da gestão Carlos Brandão.”
Estrutura familiar e expansão
A operação das fazendas está concentrada na Colinas Agropecuária Indústria e Comércio Ltda. (Coagri), administrada por Marcus Brandão, irmão do governador. O negócio é controlado por três holdings familiares: Olea (do governador), MBBrandão (de Marcus) e JHBB (de José Henrique). Somadas, elas administram aproximadamente 22 mil hectares, incluindo propriedades em Colinas, cidade natal dos Brandão.
Entre os sócios também está Daniel Itapary Brandão, filho de José Henrique, nomeado em 2023 como conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE-MA). A escolha na época, foi alvo de questionamentos judiciais, mas confirmada.
José Henrique, responsável por falar em nome da Coagri, negou que a estrada tenha sido pensada para favorecer os negócios. “A nossa história é uma história de sucesso, de muito trabalho, de muito esforço. Eu estava olhando agora recentemente essa situação pela qual está passando o País, empresas pedindo recuperação judicial. A gente está sobrevivendo há 44 anos com o mesmo CNPJ. Não temos um problema de ordem bancária, não temos um problema de ordem judiciária”, afirmou.
O traçado
A pavimentação da MA-372 também envolve interesses de aliados políticos recentes. Um dos trechos, com 31,1 quilômetros, foi contratado por R$ 77,8 milhões junto à TAC Construções, de Roberto Ferreira. Ele é irmão de Nicodemos Ferreira, ex-prefeito de São Domingos do Azeitão e atual aliado de Brandão.
O novo traçado da estrada começa em um entroncamento da BR-230, a Transamazônica, cerca de 10 quilômetros antes do centro urbano de São Domingos, afastando-se do comércio local, mas se aproximando das propriedades dos Ferreira. Nicodemos possui, segundo registros agrários, ao menos 15 mil hectares na região, enquanto seu irmão Roberto mantém outros 870 hectares.
A mudança foi criticada por empresários e pelo prefeito da cidade, Lourival Junior (PP), conhecido como Júnior do Posto. Em vídeo compartilhado nas redes, ele declarou: “O projeto, tal como está sendo executado, vai beneficiar apenas um produtor, deixando nossa cidade isolada”.
Em reunião na região, diante de empresários e vereadores, Brandão prometeu “buscar uma solução”, mas o traçado não foi alterado. O prefeito, que também é dono de posto de combustíveis, não quis comentar o caso.
