Ponto 14

'O alimento pode mudar uma nação', diz chef de cozinha eleita a melhor da América Latina

Por Giuliano Saito


Curitibana Manoella Buffara toca o 'Manu', restaurante com cinco mesas e que atende 20 pessoas por dia, mas também projetos sociais que levam comida e informação a centenas de pessoas. A chef e as filhas Helena e Maria: mãe é contra 'menu infantil' Divulgação A mulher eleita na última semana como a melhor chef de cozinha da América Latina pela academia “50 Best” é de Curitiba. Manoella Buffara Ramos, a Manu Buffara, já trabalhou nos Estados Unidos, na Europa, nos próximos meses vai passar uma temporada nas Ilhas Maldivas, mas faz questão de contar - principalmente por meio dos pratos que cria - de onde veio, qual a sua terra. Ela nasceu em Curitiba, mas 15 dias depois mudou para Maringá, no norte do Paraná. Parte da família é de Paranaguá, no litoral do estado. O trabalho da chef, conta ela, traz um pouco de todas essas terras (e mares). Há onze anos, ela inaugurou o restaurante “Manu”, em Curitiba. O espaço atende somente com reserva, de quarta a sábado, por algumas horas. Atende no máximo vinte pessoas e tem apenas cinco mesas. Funciona no sistema de menu degustação. Chefe rodou o Paraná por oito meses conhecendo produtores de cada região Divulgação/Rubens Kato Quem recebeu o prêmio de melhor da América Latina, afirma a chef, foi a Manoella, não o “Manu” (apesar de que o restaurante também está na lista dos 50 melhores). Para que o restaurante virasse realidade, Manoella rodou o Paraná ao longo de oito meses, conhecendo cada região do estado, em busca de produtos e produtores. “Hoje a gente tem uma rede de mais de 60 produtos e produtores que trabalham com a gente, desde hortas urbanas, fornecedor de cerveja, de água. A gente desenvolveu muita gente aqui”, conta. Desde a criação do prêmio em 2013, outras duas brasileiras já venceram na categoria melhor chef da América Latina: Helena Rizzo e Roberta Sudbrack. Com o prêmio, um palco e microfone Aos 39 anos, a chef já recebeu uma série de prêmios. Cada um deles, afirma, tem dado palcos e microfones capazes de levar a voz dela a mais lugares. “Eu sempre acredito que tudo o que a gente recebe (recebemos) da sociedade a gente deve retornar de volta. Então, acho que a minha voz não é somente para o Manu Restaurante. A minha voz vai ser usada dentro da sociedade das pessoas que não têm oportunidade como a gente de ter uma alimentação mais saudável”. A chef conta que há anos está envolvida em projetos sociais. Em março de 2020 ela criou o “Mulheres do Bem”, um time de chefs de cozinha que uma vez por semana prepara, em um restaurante do município, 400 refeições para pessoas em situação de rua. Em meio à pandemia, o grupo de mulheres se juntou para ampliar o trabalho e levar alimento a diversas comunidades de Curitiba e região. Há três anos o “Alimenta Curitiba” se mobiliza para doar cestas básicas a quem precisa. Há três anos o projeto Alimenta Curitiba leva cestas básicas a comunidades carentes da Grande Curitiba Divulgação Porém, ao longo das ações, ficou evidente a necessidade de fazer mais do que botar comida no prato das pessoas. “A gente precisa dar perspectiva de vida, informação e educação”, afirma. Então, em dezembro de 2020 foi criado o Instituto Manu Buffara. A organização também atua com projetos de educação alimentar infantil - voltados a escolas públicas e privadas, ações de desenvolvimento do turismo, do empreendedorismo feminino, e ainda uma escola de cozinha para mulheres. “É conseguir mostrar para as pessoas o quanto a alimentação é importante, o quanto você dá valor ao ambiente onde você vive, a sua terra, o quanto o alimento pode mudar uma nação, e é o nosso corpo e nossa saúde”, diz. Instituto foi criado para, além de levar comida, levar informação às comunidades Divulgação Abaixo o ‘menu infantil’ Uma das lutas da chef é levar informação sobre a alimentação das crianças. “Meu filho nunca come ‘verdinho’. Não come porque você nunca teve, nunca deixou ou não dá essa oportunidade para ele”, afirma. Manoella brinca que algumas pessoas se surpreendem quando veem as filhas dela, Helena e Maria, comendo tomate de manhã. “O tomate pode ser servido tanto de manhã, no almoço, ou no jantar. Não necessariamente você precisa comer pão de manhã”, afirma. A chef diz ser totalmente contra o chamado “menu infantil” em restaurantes e reforça a importância de se dedicar a apresentar os alimentos às crianças. “Os pais têm que tomar o tempo para poder ler o cardápio para a criança, para ela poder entender o que tem dentro do restaurante, porque nós mesmos acabamos restringindo os nossos filhos e as crianças do que comer”, afirma. Manoella diz que talvez não consiga levar essa reflexão a todas as pessoas do mundo, mas aposta em “plantar uma sementinha” em cada um dos chefs, ou em outros parceiros que possam levar a mudança adiante. VEJA MAIS: Chef já participou do quadro do Meio Dia Paraná "Cozinhando com Dulcinéia Novaes" Cozinhando com Dulcinéia Novaes completa 1 ano O mundo das crianças de hoje Manoella fala que o prêmio que recebeu de melhor chef da América Latina também é para todas as mulheres e para as futuras gerações. Pensando nesse futuro, olhando para as filhas dela – de 7 e 6 anos –, a chef cita a importância de cuidar da saúde do planeta. Ela afirma não ser vegetariana, nem vegana, mas sua trajetória a levou a criar cardápios feitos principalmente de vegetais. Há alguns anos, o Manu deixou de servir carne bovina. A decisão foi tomada também pensando na sustentabilidade. “Eu acho que a gente se preocupa muito com a gente, mas o planeta também pede ajuda”. Trabalho da chefe reflete suas influências do campo e do litoral Divulgação/Henrique Schmeil Tocar todos os projetos que mantém - no Paraná, em Nova York, ou nas Ilhas Maldivas -, e conciliar essa rotina com o trabalho de mãe, dona de casa, esposa tem um preço. “Realmente é muito trabalho, é muito difícil nas minhas viagens eu ficar longe das minhas filhas, não é fácil você abrir mão, você viajar, você sair pelo mundo cozinhando, abrindo mão de estar numa festinha, na escola e todas essas coisas”. Mas, a chef diz que o mais importante é abrir caminhos. “Eu acho que uma andorinha não faz verão, a gente precisa de várias outras andorinhas para poder acabar crescendo”, diz. “Meu restaurante se chama Manu e eu acredito que a cozinha é feita de pessoas, histórias e vivências. O que a gente serve lá é a história da minha vida, das experiências, dos lugares que eu visitei. Então, é através dele que eu vou contar a minha história”, finaliza a chef. Contar histórias por meio da comida Divulgação Os vídeos mais assistidos do g1 PR Mais notícias do estado em g1 Paraná.