Museu do Holocausto critica decisão do Brasil de deixar pacto global contra o antissemitismo
Criada em 1998, a IHRA é uma organização multilateral composta por 35 países membros e voltada à preservação da memória do Holocausto
Por Da Redação

A decisão do governo brasileiro de deixar a Aliança Internacional para a Memória do Holocausto (IHRA, na sigla em inglês) provocou reações imediatas e preocupações de instituições dedicadas à preservação da memória histórica do genocídio nazista. Entre elas, o Museu do Holocausto de Curitiba se manifestou oficialmente, lamentando e repudiando a medida, que classificou como um "grave retrocesso" no compromisso do Brasil com os direitos humanos, a educação e o combate ao antissemitismo.
Criada em 1998, a IHRA é uma organização multilateral composta por 35 países-membros e voltada à preservação da memória do Holocausto e ao enfrentamento de ideologias neonazistas, negacionistas e antissemitas. O Brasil integrava o grupo como membro observador desde 2021, após ter sua adesão aprovada por unanimidade durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro. Com isso, o país assumiu compromissos formais de estimular a educação sobre o Holocausto, revisar legislações relativas ao antissemitismo e promover iniciativas de memória histórica.
Para o Museu do Holocausto de Curitiba, a adesão representava um pacto civilizatório e democrático, independente de governos ou ideologias, inserindo o Brasil em um esforço global de educação e enfrentamento ao ódio. "A IHRA é muito mais do que sua definição de antissemitismo. Reduzi-la a isso é ignorar quase 30 anos de trabalho em educação, memória e combate ao ódio", destaca a nota divulgada pela instituição.
A saída do Brasil foi oficializada nesta semana pelo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Segundo diplomatas ouvidos, a decisão teria sido motivada por questionamentos quanto ao processo de adesão, considerado inadequado e apressado durante a gestão anterior. Outra motivação, ainda que não oficialmente admitida, pode estar relacionada às críticas sobre a definição de antissemitismo adotada pela IHRA, considerada por parte da comunidade acadêmica e de organizações de direitos humanos como controversa por supostamente confundir críticas ao governo de Israel com manifestações antissemitas.
A medida foi anunciada em paralelo à decisão do Brasil de aderir formalmente à ação apresentada pela África do Sul contra Israel na Corte Internacional de Justiça (CIJ), em Haia, que acusa o governo israelense de genocídio contra a população palestina na Faixa de Gaza.
A sobreposição das duas decisões foi interpretada como simbólica e agravou o tom da reação por parte de autoridades israelenses. Em nota publicada nas redes sociais, o Ministério das Relações Exteriores de Israel classificou a atitude brasileira como uma "profunda falha moral". “Em uma época em que Israel luta por sua própria existência, voltar-se contra o Estado judeu e abandonar o consenso global contra o antissemitismo é imprudente e vergonhoso”, afirmou o comunicado.
Já o Itamaraty, em nota oficial, justificou a adesão à ação da África do Sul com base na "plausibilidade de que os direitos dos palestinos de proteção contra atos de genocídio estejam sendo irreversivelmente prejudicados". O Ministério das Relações Exteriores também afirmou que "não há mais espaço para ambiguidade moral nem omissão política" diante da violência em Gaza e na Cisjordânia. A nota conclui dizendo que a impunidade compromete o sistema multilateral e a legalidade internacional.
Apesar do discurso oficial em defesa do multilateralismo, a saída da IHRA foi vista por críticos como um paradoxo e uma ruptura com a tradição diplomática brasileira de diálogo universal, construída desde o período do Barão do Rio Branco. Para o Museu do Holocausto de Curitiba, o desligamento representa o abandono de um espaço estratégico de articulação internacional em torno da educação e da memória. “A infeliz saída do Brasil da IHRA envergonha e abala seu prestígio diplomático”, afirmou a instituição.
A nota também destaca que o compromisso com a memória do Holocausto é um gesto de respeito não apenas às vítimas do nazismo, mas à própria história do Brasil, que enviou combatentes da Força Expedicionária Brasileira (FEB) à Europa na luta contra o regime nazifascista. O museu ainda relembra que a Shoá não vitimou apenas os judeus: também foram perseguidos e exterminados povos roma e sinti, afro-alemães, pessoas com deficiências, LGBTQIA+, testemunhas de Jeová e opositores políticos.
A saída do Brasil da IHRA não implica o fim de políticas públicas de preservação da memória do Holocausto dentro do território nacional, mas representa, segundo especialistas e entidades ligadas ao tema, um enfraquecimento simbólico e diplomático importante.
