MPPR e MPF emitem recomendação de segurança para crianças e adolescentes indígenas em Guaíra
Após segunda morte brutal de indígena decapitado nos últimos 6 meses, órgãos pedem policiamento reforçado e medidas emergenciais de proteção à comunidade Avá Guarani

Eliane Alexandrino/Cascavel
O MPPR (Ministério Público do Paraná) e o MPF (Ministério Público Federal) determinaram, na última sexta-feira (15), uma recomendação administrativa dirigida às forças de segurança pública, nos âmbitos nacional, estadual e local do município de Guaíra.
O objetivo é garantir medidas emergenciais de proteção para crianças e adolescentes indígenas na cidade, já que, em apenas seis meses, dois jovens foram mortos e decapitados em áreas indígenas da cidade. O caso mais recente foi no mês passado, quando Everton Lopes Rodrigues, 21 anos, foi encontrado decapitado, ao lado de uma carta com ameaças explícitas à população indígena. Ele era filho do cacique da Aldeia Yvyju Avary, Bernardo Rodrigues Diegro.
Segundo o MPPR, o fato causou medo e pânico entre as famílias do povo Avá Guarani, afetando diretamente a rotina das crianças e adolescentes que frequentam a escola. A recomendação foi endereçada ao Comando da Força Nacional de Segurança Pública, à Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), ao 19º Batalhão de Polícia Militar, ao Batalhão de Polícia de Fronteira, à Polícia Federal, e à Polícia Rodoviária Federal.
O documento foi assinado pela 2ª Promotoria de Justiça de Guaíra, o Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Proteção aos Direitos Humanos do MPPR, o Núcleo de Promoção e Defesa dos Direitos Indígenas (Nupin) e a Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão Adjunta, do MPF.
Entre as medidas recomendadas estão: reforço imediato do policiamento nos horários e trajetos do transporte escolar das crianças e adolescentes indígenas em todo o município de Guaíra; elaboração de um plano de segurança específico para a proteção dos estudantes nos pontos de embarque e desembarque, com a presença de lideranças indígenas; e articulação com órgãos de inteligência para prevenir novas ações criminosas contra as comunidades Avá Guarani.
O MPPR também investiga atos de racismo e discriminação contra os indígenas, tanto em redes sociais quanto de forma física. Foi concedido prazo de 20 dias para que as instituições destinatárias informem aos Ministérios Públicos as providências iniciais adotadas. O não cumprimento poderá implicar na adoção de medidas administrativas e judiciais cabíveis.
Prefeito diz que Guaíra está sendo “rotulada” como violenta
A Gazeta do Paraná conversou com o prefeito, Gileade Gabriel Osti (PSD), sobre a situação de segurança e as áreas ocupadas por indígenas no município. Osti afirma que a questão da segurança está dentro da normalidade, mas a preocupação aumentou após a segunda morte de jovem indígena decapitado.
Segundo ele, essa onda de violência vem dando “fama” negativa à cidade, afastando visitantes e turistas. “Guaíra tinha 55 mil habitantes no passado, hoje caiu para 33 mil. Desde a delimitação de terras em 2009, o município vem perdendo habitantes. Tenho tentado trabalhar para o progresso e desenvolvimento da cidade, mas está difícil. Com mais esse conflito não vamos chegar a lugar nenhum, não conseguimos divulgar coisas boas da cidade, só tem saído notícia negativa na mídia”, relata Osti.
De acordo com o prefeito, foram realizadas audiências públicas virtuais sobre a nova área que será adquirida pela Funai, com recursos da Itaipu Binacional. “Esperamos que seja uma área que não prejudique o desenvolvimento da cidade. Agora estamos na fase de acordo, ou seja, estamos de mãos atadas. Que fique claro que não somos contrários à presença dos indígenas, mas que a área seja escolhida de maneira que fique bom para eles e para nossos produtores rurais. Das dez áreas indígenas em Guaíra hoje, nove são áreas invadidas. Queremos uma solução, que essa questão seja resolvida, com propostas sustentáveis”, afirmou.
Osti lembrou ainda que a cidade perdeu muito com o desaparecimento das Sete Quedas, após a inundação para formação do lago da Usina Hidrelétrica de Itaipu e precisa mudar esse passado.
“Guaíra já perdeu muito no passado com as Sete Quedas. Depois houve a promessa da criação da Usina de Ilha Grande, mas não entregaram. Temos um plano diretor para auxiliar no crescimento e desenvolvimento. Temos duas rodovias federais que passam pelo município [entroncamento da BR-163 e BR-272]. Já falei com o governador do Estado, com o presidente da Alep, mas o problema é federal”, criticou.
Segundo informações, o Incra está avaliando propriedades produtivas no município, mas ainda não há definição. “Não tem nada fechado ainda. Soube que a Itaipu fez o depósito e o STF está mediando a compra junto ao Incra. Se já encontraram a área, não fomos avisados. Gostaria que fosse delimitada entre Guaíra e Terra Roxa, e não próxima à área urbana. Que sejam respeitados os direitos indígenas e também dos nossos cidadãos. Queremos uma Guaíra mais desenvolvida”, finalizou.
Osti também negou que haja conflito com agricultores e povos indígenas na cidade. “Não há conflito com produtores rurais. O agronegócio corresponde a 60% do PIB da nossa cidade. As terras invadidas pelos indígenas estão delimitadas, mas não homologadas, ou seja, não foram demarcadas. A única área de reserva no município é da Itaipu. Quem sofre são os produtores rurais que não conseguem produzir”, lamentou.
Violência entre indígenas?
Este não foi o primeiro crime brutal ocorrido este ano em Guaíra. Em janeiro, um ataque a tiros contra a Aldeia Yvy Okaju deixou quatro pessoas feridas, e um jovem de 25 anos ficou paraplégico. Em março, outro jovem foi encontrado morto e decapitado, com a cabeça pendurada em uma estaca numa lavoura.
A Força Nacional faz a segurança dos povos indígenas em Guaíra desde o fim de 2023.
O Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania se manifestou sobre a morte de Everton Rodrigues e afirmou que todas as autoridades federais e locais devem garantir a proteção das lideranças e comunidades indígenas ameaçadas. O Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas acompanha a aldeia de Guaíra e mais 18 lideranças no Paraná, além das investigações. As polícias Civil e Federal investigam o caso. A PF informou que não irá se manifestar até a conclusão dos trabalhos.
Os conflitos por demarcação de terras em Guaíra e Terra Roxa são históricos. As comunidades indígenas reivindicam, desde o alagamento para a formação do lago de Itaipu, a demarcação de novas áreas. Muitas das terras hoje ocupadas não foram regularizadas oficialmente.
O Incra iniciou em junho a avaliação de terras para serem adquiridas pela Itaipu Binacional. Ao todo, serão 31 comunidades distribuídas entre Guaíra, Terra Roxa, São Miguel do Iguaçu, Missal, Itaipulândia, Santa Helena e Foz do Iguaçu.
A Itaipu destinou R$ 240 milhões para financiar a compra das terras. Agora, aguarda acordo de conciliação no STF para efetivar a aquisição de 3 mil hectares em caráter emergencial.
Faep afirma que áreas não são indígenas
A Faep (Federação da Agricultura do Estado do Paraná) se manifestou contrária à Ação Cível Originária ajuizada pela PGR contra Itaipu, Funai, Incra e União.
A federação classificou o ato como arbitrário, alegando ausência de discussão com produtores rurais e entidades do setor agropecuário. A entidade também alertou para possíveis prejuízos a agricultores e pecuaristas do Oeste do Paraná, além do risco de prática de preços abaixo do mercado.
“Somos totalmente contrários à medida, por se tratar de uma decisão em que não houve discussão, porque as áreas não são indígenas e haverá prejuízos para os produtores rurais. Vamos continuar lutando em todas as esferas para barrar esse acordo, a fim de garantir os direitos dos nossos produtores de continuar no local, produzindo alimentos, como ocorre há décadas”, afirmou o presidente interino da Faep, Ágide Eduardo Meneguette.
Foto: Divulgação
