“Lobo em Pele de Cordeiro”: Mais três vítimas prestaram declaração a Polícia, afirma Nucria
Segundo a polícia o suposto abuso mais recente teria ocorrido há 2 semanas dentro da clínica onde o padre atendia. A GP conversou com a defesa do religioso que pediu que evitem pré-julgamentos

Eliane Alexandrino/Cascavel
O Nucria (Núcleo de Proteção à Criança e ao Adolescente Vítimas de Crimes) de Cascavel divulgou que mais três vítimas que teriam sidos abusadas pelo padre prestaram declarações na tarde de ontem (25). O religioso segue preso na Cadeia Pública de Cascavel desde domingo (24), e segundo o Nucria seria ouvido nos próximos dias.
De acordo com a polícia, as vítimas mais recentes são: Duas delas maiores de idade (33 e 20 anos) e uma menor (16 anos), todas do sexo masculino. “O abuso sexual mais recente até o momento identificado aconteceu por volta de duas semanas atrás, e dentro da clínica, neste caso, a vítima tinha 20 anos”, afirma o Nucria.
A Gazeta do Paraná entrou em contato com a defesa do padre, e segundo o advogado Alessandro Rosseto, o padre vem contribuindo desde o início.
“O padre foi intimado pela Diocese de Cascavel do seu afastamento no dia 14 de agosto, decorrente de suposta investigação por crime sexual inclusive com determinação para deixar a cidade, “internar-se”, em fazenda localizada em outro estado, com justificativa de receber tratamento. O religioso contactou com o subscritor e na sexta [15] houve uma conserva a respeito do fato. Na segunda [18] já munido de procuração na sede do Nucria foi feito o pedido de habilitação, de modo que pudéssemos tomar conhecimento do que estava sendo investigado, com total intenção de colaboração”, afirma.
Ainda de acordo com o advogado do religioso, apenas no dia 21 foram habilitados no inquérito. Se colocou à disposição e se negou a sair da cidade. Para surpresa da defesa, no domingo (24) o padre foi preso temporariamente, além de buscas e apreensões realizadas na casa (da mãe) onde ele estava.
“A defesa se manifesta que irá se pronunciar no processo e acompanha a investigação com o intuito de colaboração total, de modo que busque a verdade real dos fatos, e não o que a autoridade policial disse em entrevista nos meios de comunicação. Todos os aparelhos eletrônicos foram apreendidos e serão periciados. Deste relatório muito da verdade aparecerá, que nada será encontrado ou aponte o religioso como criminoso [doente] como algumas pessoas estão colocando nas redes sociais. Que tenha respeito conforme a Constituição da presunção de inocência de que ninguém é considerado culpado até que exista uma decisão judicial transitada em julgamento ou aquela que não cabe mais recurso algum.”, conta Rosseto.
A defesa reforçou que confia na seriedade da Polícia Civil, Ministério Público e Poder Judiciário e que trata de uma questão sensível a todos.
“Um ser humano até então investido do sacerdócio, que há 12 anos desenvolve com retidão as questões dos menos favorecidos, moradores de rua, dependentes químicos, vulneráveis, mas sempre com a questão do auxílio ao próximo. Que a justiça seja feita, mas com o devido processo legal de acordo com as provas e não mero indícios, o que até aqui existem. O direito de defesa é sagrado, se pede que todos acompanhem as notícias, mas que sejam dadas com cautela, sem pré-julgamento”, acrescentou Rosseto.
A defesa do religioso segue acompanhando as investigações, e disse que tomará todas as providências necessárias para revogar a prisão do padre, que neste momento entende como desnecessária.
Entenda o caso
A Polícia Civil, por meio do Nucria, realizou a prisão temporária do padre de 41 anos no último domingo (24). Ele está sendo investigado por denúncias de suspeita de abuso sexual contra jovens, em Cascavel. A prisão foi deflagrada através da operação “Lobo em Pele de Cordeiro”, no local foram encontrados vários jogos infantis, videogame e uma moto de brinquedo. Também foram apreendidos computadores e um aparelho telefônico.
Ele havia sido afastado de suas funções no dia 14 deste mês pela Diocese de Cascavel. Até o momento, 14 pessoas prestaram declarações, sendo 6 vítimas confirmadas (duas seriam menores de idade). De acordo com a polícia, as denúncias tiveram início ainda em 2009, quando o suspeito era seminarista. A prisão foi decretada após o padre entrar em contato com testemunhas e possíveis vítimas, comportamento que poderia comprometer as investigações e representar risco de intimidação, afirma a polícia.
Ainda segundo as investigações, o padre possuía um “padrão de comportamento predatório” com as vítimas: aproximava-se de jovens e adolescentes em situação de vulnerabilidade. “As vítimas seriam jovens envolvidos em atividades religiosas e adolescentes em situação de vulnerabilidade social, possivelmente atraídos por ofertas de dinheiro, viagens, presentes e convites para pernoitar na residência do padre”, afirma o NUCRIA.
As investigações também identificaram irregularidades na gestão financeira da paróquia em que ele exerceu suas funções até o final de 2024. “Ele também exercia de forma ilegal ‘terapias complementares’ oferecidas em consultório próprio. Foi apurado ainda um histórico preocupante, incluindo tentativa de abuso contra outro seminarista em 2010, em município da região, demonstrando a reincidência no comportamento criminoso”, acrescenta o NUCRIA.
Delegada afirma que liderança religiosa tinha conhecimento dos abusos
A delegada do Nucria, Thais Zanata, relatou à imprensa sobre o início dos supostos abusos e afirmou que a Igreja Católica tinha conhecimento do caso.
“Os fatos iniciaram entre 2009 e 2010, com uma tentativa de estupro de vulnerável, quando ele ainda era seminarista. O primeiro abuso aconteceu com outro seminarista. Apesar de a vítima ser maior de 18 anos na época, esse caso foi levado ao arcebispo da Igreja Católica quando ocorreu. Porém, nada foi feito. O arcebispo fez os seminaristas assinarem um termo para que não fosse levado às autoridades na época. O que causa estranheza é que há relatos de abuso desse arcebispo também. Ele morreu em 2021 e acabou ‘passando pano’ para os abusos cometidos por estes seminaristas, com quem tinha um vínculo bem próximo. Também chegaram informações para nós de que este arcebispo cometia situações de assédio contra seminaristas. O Seminário funcionava dentro da Cúria”, explicou a delegada.
Zanata também disse na entrevista coletiva que relatos de funcionários da Igreja afirmaram que o padre preso no domingo (24) oferecia bebidas alcoólicas e dormia com as vítimas em seu quarto. “Entre 2013 e 2014, há relatos de que esse padre oferecia bebidas alcoólicas para coroinhas, adolescentes e crianças. Ele dava presentes e dinheiro para esses jovens, que até pernoitavam na casa do padre. Há relatos de funcionários da Igreja de que essas crianças e adolescentes dormiam na cama do padre”, acrescenta.
Um dos casos mais recentes, segundo a polícia, foi em 2019, quando o padre teria abusado de um ex-usuário de drogas. “Esse padre fez o acolhimento para ajudar a vítima a se recuperar das drogas. Porém, quando ele solicitou ajuda ao padre, em troca teria que pernoitar na casa e aceitar um remédio. Esse jovem foi dopado e, na terceira noite na casa do padre, ele teria cometido os atos contra o rapaz”, acrescenta Zanata.
A polícia confirmou que as investigações prosseguem para a identificação de possíveis novas vítimas e o esclarecimento completo dos fatos. A Polícia Civil também orienta que outras vítimas ou testemunhas procurem o NUCRIA de Cascavel para prestar depoimento. Denúncias podem ser feitas através do telefone (45) 3326-4909 ou pelo Disque-Denúncia do Paraná, no 181.
O que diz a Arquidiocese?
Dom José Mário Angonese se pronunciou na segunda-feira (25) sobre a prisão do padre e as suspeitas de abusos. Ele afirmou que, se o delito aconteceu, o acusado deverá responder, e comentou que todos os 74 padres da Arquidiocese de Cascavel recebem treinamento e orientações.
“A Igreja reage com muita consternação e sofrimento. O desejo sincero da Igreja é que a verdade venha à tona. Se o padre de fato cometeu delito, ele deve responder. É importante dizer que, quando cheguei em Cascavel, trabalhei com os presbíteros sobre a conduta. Todos os padres foram orientados sobre como deveriam se comportar. Esse tipo de acusação feita a este padre, a Igreja não aceita e não aprova. Há um desejo sincero de que a Justiça seja feita”, declarou.
Angonese também disse, que assim que a igreja recebeu a denúncia o suspeito foi suspenso de suas atividades.
“Assim que uma denúncia chegou à mesa do bispo, nós rapidamente suspendemos o padre e procuramos abrir um processo de investigação. Esse processo já está em andamento, temos um prazo de 90 dias e depois será encaminhado ao Vaticano, que fará o julgamento. Se confirmado, ele deixará de ser padre”, disse.
Dom José Mário também pediu compreensão aos fiéis e à sociedade cascavelense.
“Gostaria de considerar também que nós temos em nossa Arquidiocese 74 padres, homens bons e justos, que estão gastando sua vida pela palavra de Deus. Um deles deu problema, mas não seria justo que todos pagassem pelo erro de um. Se houver algum comportamento equivocado de outro padre, nos denunciem”, finalizou.
Sobre a possibilidade de “internar” o religioso numa fazenda, como foi dito pela defesa, à Gazeta do Paraná procurou a arquidiocese.
“A partir do momento que a pessoa deixa a vida pessoal e passa a se dedicar a igreja, a família desta pessoa é a igreja e esse é padrão. Assim que a arquidiocese recebeu a denúncia, ele foi afastado imediatamente. Ele seria acolhido em outro espaço, levando em consideração o teor da acusação, a igreja não poderia deixá-lo em qualquer local. Neste caso foi ofertado uma fazenda, um espaço retirado, em outro estado, enquanto ocorreria o processo e por conta da gravidade da denúncia e evitar que religioso sofresse algum tipo de agressão, a igreja ofertou o espaço. Mas o sacerdote recusou por ter família em Cascavel”, afirma a assessoria da Arquidiocese.
Foto: Nucria
