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Justiça Comum é a única competente para julgar casos de superendividamento, decide STJ

Tribunal definiu que ações de repactuação de dívidas previstas na Lei nº 14.181/2021 não podem tramitar nos Juizados Especiais por exigirem estrutura complexa e análise técnica detalhada

Justiça Comum é a única competente para julgar casos de superendividamento, decide STJ Créditos: Arquivo

 

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) consolidou, em decisão de 2023, que somente a Justiça Comum é competente para julgar os processos de repactuação de dívidas previstos na Lei nº 14.181/2021, conhecida como Lei do Superendividamento. A medida afeta milhões de brasileiros e busca garantir a efetividade de um mecanismo essencial de reintegração financeira e proteção ao consumidor.

O superendividamento é um problema que atinge mais de 80% das famílias endividadas no país, segundo dados do Banco Central de 2023. Diante desse cenário, a Lei nº 14.181/2021 alterou o Código de Defesa do Consumidor (CDC) e instituiu um procedimento especial de repactuação de dívidas, previsto nos artigos 104-A e 104-B, com o objetivo de preservar o mínimo existencial e restabelecer a dignidade do consumidor.

A dúvida sobre qual instância deveria julgar esses casos foi esclarecida no Conflito de Competência nº 193.066/DF, julgado pela 2ª Seção do STJ, que definiu, de forma unânime, que o rito deve tramitar exclusivamente na Justiça Comum Estadual e Distrital — mesmo quando houver participação de entes federais, como a Caixa Econômica Federal.

Rito especial e estrutura complexa

O procedimento de repactuação de dívidas possui duas fases — conciliatória e pós-conciliatória — e pode envolver dezenas de credores. Essa complexidade, conforme o Enunciado nº 8 do Fonaje (Fórum Nacional dos Juizados Especiais), é incompatível com a simplicidade e celeridade exigidas pelo Juizado Especial Cível (JEC).

Além disso, o processo exige análise técnica detalhada de contratos, prazos e valores, o que inviabiliza o julgamento rápido típico dos Juizados. O plano de pagamento, que pode chegar a cinco anos, busca garantir que o consumidor mantenha o essencial para sobreviver enquanto quita suas dívidas.

Natureza de insolvência e exclusão legal

O §2º do artigo 3º da Lei nº 9.099/1995, que regula os Juizados, exclui causas de natureza falimentar, fiscal e de interesse da Fazenda Pública. Por analogia, o rito do superendividamento também deve ser afastado dessas instâncias, já que lida com o conjunto de obrigações financeiras do consumidor, semelhante à insolvência civil.

O ministro Luiz Fux, em análises anteriores, ressaltou que a exclusão deve abranger todas as causas com natureza análoga às vedadas por lei — reforçando que a competência deve permanecer na Justiça Comum.

Efeitos sociais e jurídicos

A decisão do STJ representa um avanço para a efetividade da Lei do Superendividamento, sancionada em 1º de julho de 2021, que permite que pessoas endividadas negociem com credores sob mediação judicial. Para funcionar adequadamente, esse processo precisa ocorrer na Vara Cível, que dispõe de estrutura e poder de cognição ampliado para lidar com casos complexos.

Segundo a advogada Patrícia Vieira, especialista em Direito do Consumidor, “a tramitação no Juizado Especial comprometeria a finalidade da lei, pois não há tempo nem estrutura para negociações amplas com todos os credores”.

Proteção e dignidade do consumidor

Ao confirmar a competência da Justiça Comum, o STJ reforça o compromisso do Judiciário com a educação financeira, o consumo responsável e a função social do crédito. A decisão garante tempo e condições adequadas para que o consumidor renegocie suas dívidas sem comprometer sua sobrevivência.

Mais do que um problema econômico, o superendividamento é um desafio social e jurídico que exige estrutura, especialização e sensibilidade. A decisão da Corte assegura que o sistema de Justiça esteja preparado para oferecer não apenas solução legal, mas também reconstrução de dignidade e equilíbrio financeiro a milhões de brasileiros.

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