Com holofotes no STF, Congresso abre caminho para ficha suja e anistia

Congresso aprovou projeto que altera as regras da Lei da Ficha Limpa, reduzindo prazos de inelegibilidade e tenta acelerar a votação da anistia

Por Da Redação

Com holofotes no STF, Congresso abre caminho para ficha suja e anistia Créditos: Jefferson Rudy/Agência Senado

Enquanto o Supremo Tribunal Federal (STF) concentra as atenções nacionais no julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro e de seus aliados por suposta tentativa de golpe de Estado, o Congresso Nacional tem aproveitado o momento para avançar em pautas polêmicas e de grande impacto político. Nos últimos dias, duas iniciativas ganharam força: a aprovação do projeto que altera as regras da Lei da Ficha Limpa, reduzindo prazos de inelegibilidade, e a movimentação para acelerar a votação da anistia aos envolvidos nos atos de 8 de janeiro de 2023.

Em uma votação marcada por intensos debates, o Senado aprovou por 50 votos a 24 o Projeto de Lei Complementar (PLP) 192/2023, relatado pelo senador Weverton (PDT-MA). que modifica a contagem do prazo de inelegibilidade previsto na Lei da Ficha Limpa, fixando em oito anos o período máximo, independentemente da situação. Atualmente, esse prazo pode ultrapassar 15 anos, já que a contagem começa apenas após o término do mandato.

Com a nova redação, o prazo passará a contar a partir da condenação por órgão colegiado, da decisão que decreta a perda do mandato, da eleição em que houve abuso de poder ou da renúncia do político ao cargo. A medida, se sancionada, pode beneficiar inclusive políticos já condenados, permitindo seu retorno mais rápido às urnas. O projeto também estabelece que o limite máximo, em casos de múltiplas condenações, seja de 12 anos.

A proposta foi apresentada pela deputada Dani Cunha (União-RJ), filha do ex-deputado Eduardo Cunha, e dividiu opiniões. Para os defensores, como o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), a mudança garante maior segurança jurídica e evita o que chamam de “inelegibilidade eterna”. Já críticos como os senadores Marcelo Castro (MDB-PI) e Eduardo Girão (Novo-CE) afirmam que a alteração enfraquece a Lei da Ficha Limpa, aprovada em 2010 com forte apoio popular. “Com esta lei, ninguém ficará mais por duas eleições fora do pleito por crime eleitoral, o que considero uma anomalia”, alertou Castro.

O avanço da anistia

Paralelamente, cresce a pressão no Congresso para pautar a anistia aos condenados e investigados pelos atos antidemocráticos de 8 de janeiro. O tema, até então evitado pela cúpula da Câmara, voltou com força nesta semana, impulsionado por líderes do Centrão e pelo governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), que defendeu publicamente a medida. Tarcísio chegou a afirmar que, se eleito presidente em 2026, seu primeiro ato seria conceder anistia a Bolsonaro.

O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), que antes resistia, passou a admitir conversas com líderes partidários sobre o assunto. Deputados como Sóstenes Cavalcante (PL-RJ) afirmam que já existe maioria para aprovar a proposta. O desenho do projeto, porém, ainda divide opiniões: setores mais alinhados ao bolsonarismo defendem uma anistia ampla, que inclua o próprio ex-presidente, enquanto outros, como o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, falam em um texto alternativo que diferencie financiadores e organizadores dos participantes de menor envolvimento.

Contestação no STF

A movimentação política em paralelo ao julgamento do STF é vista com preocupação por ministros da Corte. Para o presidente do Supremo, Luís Roberto Barroso, “anistiar antes de julgamento é uma impossibilidade”.

Já o ministro Alexandre de Moraes alertou que a história mostra que “a impunidade, a omissão e a covardia não são opções para a pacificação”. A avaliação majoritária entre magistrados é de que uma anistia ampla, especialmente em benefício de Bolsonaro, teria alta probabilidade de ser considerada inconstitucional.

A coincidência entre o início do julgamento de Bolsonaro no STF e o avanço das duas pautas no Legislativo chamou atenção de parlamentares da oposição. O líder do PT na Câmara, Lindbergh Farias, afirmou que o movimento é um desrespeito às instituições. “No dia em que acontece o julgamento da trama golpista, é como se dissessem: não vai valer nada, o Parlamento vai anular”, criticou.

Analistas políticos apontam que, ao colocar em discussão propostas que mexem em marcos sensíveis da política nacional justamente quando o foco da sociedade está voltado ao Supremo, o Congresso reduz o escrutínio público sobre as votações. A estratégia, segundo críticos, seria uma forma de blindar parlamentares de maiores pressões externas e acelerar matérias que, em condições normais, enfrentariam resistência mais forte.

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