Anistia e isenção do IR podem ser votadas juntas para reduzir desgaste no Congresso
Líderes do centrão articularam atrelar a votação da dosimetria à aprovação da isenção do IR, medida com forte apelo popular
Por Da Redação

A votação de duas propostas centrais da agenda política em Brasília, a anistia, também chamada de dosimetria, e a ampliação da faixa de isenção do Imposto de Renda (IR) para quem ganha até R$ 5 mil mensais, foi adiada para a próxima semana. A decisão partiu do Centrão, que tenta equilibrar os custos políticos de aprovar medidas de impacto muito distinto junto à sociedade.
Nos bastidores, a avaliação é clara: colocar em pauta a anistia isoladamente, logo após manifestações contrárias registradas no último fim de semana, significaria abrir a semana legislativa com um tema altamente impopular. Para evitar esse desgaste, líderes do bloco articularam atrelar a votação da dosimetria à aprovação da isenção do IR, medida com forte apelo popular. A estratégia busca vender a narrativa de que, ao mesmo tempo em que o Congresso concede um benefício de grande alcance social, também se avança em uma proposta de interesse de parlamentares.
O senador Renan Calheiros (MDB-AL), relator do projeto no Senado, reagiu à manobra em entrevista ao Portal ICL Notícias. “A pauta que realmente interessa à sociedade está sendo deixada de lado, enquanto se priorizam agendas para atender minorias e grupos”, afirmou. Ele ressaltou a necessidade de aprovar a isenção ainda em 2025, por conta do princípio da anualidade tributária. “Para vigorar em 2026, precisamos votar a isenção até R$ 5 mil ainda este ano”, completou.
Disputa política e institucional
A ampliação da faixa de isenção já avançou na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado, em proposta relatada pelo próprio Renan Calheiros. O texto prevê alíquota zero para rendimentos de até R$ 5 mil, beneficiando mais de 12 milhões de contribuintes, além de descontos regressivos até R$ 7 mil. Também cria uma tributação adicional sobre rendas mais altas: até 10% para ganhos anuais entre R$ 600 mil e R$ 1,2 milhão, e 10% fixos acima desse valor.
A proposta, no entanto, também é palco de uma disputa entre Renan e o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), adversários políticos em Alagoas. Enquanto Renan assumiu a relatoria no Senado para acelerar o processo, Lira é relator de um projeto semelhante na Câmara, aprovado em comissão especial em julho, mas que ainda não foi levado ao plenário. O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), anunciou que a votação ocorrerá na próxima quarta-feira (1º/10).
Renan tem criticado tanto o governo quanto Lira pela condução do debate. “Os métodos do Arthur Lira não me surpreendem. O que me surpreende é o governo participar desse processo de chantagem. A isenção do Imposto de Renda até 5 mil reais foi transformada em instrumento de chantagem contra o próprio governo”, disse.
Resistência à taxação
O Centrão também se mostra resistente à forma de compensação da medida. O governo Lula defende financiar a isenção por meio da taxação dos super-ricos, mas deputados avaliam que a proposta pode ampliar o desgaste político, em meio à repercussão negativa de outras matérias, como a PEC da blindagem.
O senador Sóstenes Cavalcante (PL-RJ) declarou ao ICL que seu partido defende o adiamento da votação. Segundo ele, há preocupação de que o texto atual não contemple todas as situações, inclusive as relacionadas ao ex-presidente Jair Bolsonaro.
Por outro lado, setores da base governista e parlamentares de diferentes partidos alertam que atrelar a isenção a negociações paralelas pode minar a credibilidade do Congresso. O deputado Rubens Pereira Jr (PT-MA), presidente da comissão especial da isenção do IR na Câmara, foi enfático: “Se o Congresso mexer, blindando os super-ricos, vai estar de costas para o povo. Essa proposta é a maior novidade de justiça tributária que tivemos em período democrático. É justamente essa cobrança mínima do super-rico, que ainda paga menos do que um trabalhador normal”.
Pressão social
A ampliação da faixa de isenção do IR foi uma das principais promessas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante a campanha de 2022. O governo a considera peça-chave para melhorar o poder de consumo das famílias de classe média e baixa e impulsionar a economia. Segundo Renan, o novo modelo pode gerar “substancial injeção de recursos na economia” e corrigir distorções que permitem a indivíduos de alta renda pagar proporcionalmente menos imposto do que trabalhadores comuns.
Apesar da relevância social e econômica, a proposta passou a ser usada como moeda de troca no embate político. O adiamento, embora evite desgaste imediato, deixa o Planalto em situação delicada: precisa entregar uma promessa de campanha sem se submeter totalmente às pressões do Centrão.
A próxima semana promete ser um teste de forças. Enquanto o governo busca aprovar um dos pilares de sua agenda social, o bloco majoritário da Câmara tenta impor suas condições.
