A tática adotada pelas aéreas para enfraquecer os direitos dos passageiros
STF discute qual lei deve prevalecer em casos de atrasos e cancelamentos aéreos: CDC ou Código de Aeronáutica
Por Gazeta do Paraná

O Supremo Tribunal Federal (STF) iniciou a análise de um julgamento que pode redefinir os direitos de milhões de passageiros no Brasil. No Tema 1417 de repercussão geral (ARE 1.560.244), a Corte vai decidir se, em situações de atrasos, cancelamentos, overbooking e falhas no transporte aéreo, deve prevalecer o Código de Defesa do Consumidor (CDC) ou o Código Brasileiro de Aeronáutica (CBA).
A diferença entre os dois marcos legais é profunda. Criado em 1990, o CDC nasceu para proteger o lado mais vulnerável da relação de consumo. Ele garante ao passageiro direitos básicos como informação clara, assistência material (alimentação, hospedagem e transporte), reacomodação, reembolso e até indenização por danos morais em casos de transtornos significativos.
Já o CBA, de 1986, tem natureza essencialmente regulatória. Elaborado antes mesmo da Constituição Federal de 1988, foi concebido para disciplinar a aviação civil, definir competências e impor limites de indenização, incluindo uma série de excludentes de responsabilidade, como más condições climáticas, greves e até pandemias. Ou seja, o CBA não oferece respostas eficazes aos problemas que mais afetam os passageiros brasileiros — atrasos, cancelamentos e superlotação de voos.
As companhias aéreas, que defendem a aplicação do CBA, alegam que enfrentam um volume excessivo de processos judiciais no país. Porém, dados de um levantamento da plataforma Resolvvi, com base em registros oficiais, mostram que menos de 5% dos passageiros que sofrem prejuízos recorrem à Justiça para pedir indenização. A leitura, segundo especialistas, é de que o problema não é o suposto “excesso de processos”, mas o excesso de desrespeito aos direitos dos consumidores.
Caso o STF opte por privilegiar o Código de Aeronáutica em detrimento do CDC, especialistas alertam para uma “volta ao passado”. “O Brasil de hoje não é o de 1986. Voar deixou de ser um luxo para se tornar um serviço essencial. Aplicar uma lei ultrapassada pode significar retrocesso na proteção dos passageiros”, avaliam juristas próximos ao debate.
O julgamento, com impacto em todo o setor aéreo, deve ter repercussão direta no futuro das relações entre companhias aéreas e consumidores. Até lá, passageiros e empresas acompanham atentos o desfecho de um dos embates jurídicos mais relevantes da aviação civil brasileira.
