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Vanessa da Mata faz da felicidade uma arma quente no show 'Vem doce'

Por Giuliano Saito


Sob direção teatral do encenador Jorge Farjalla, a artista percorre o Brasil com espetáculo em que alterna números delicados e esfuziantes. Vanessa da Mata na estreia carioca do show 'Vem doce', na casa Vivo Rio, em 26 de maio Ricardo Nunes / Divulgação Vivo Rio Resenha de show Título: Vem doce Artista: Vanessa da Mata Local: Vivo Rio (Rio de Janeiro, RJ) Data: 26 de maio de 2023 Cotação: ★ ★ ★ ★ ♪ É sintomático que a última das 30 músicas ouvidas na estreia carioca do show Vem doce, de Vanessa da Mata, tenha sido Gente feliz (2017), parceria da artista com Maurício Pacheco e Russo Passapusso gravada há seis anos com o toque da banda BaianaSystem. Ao aumentar a temperatura do canto no verso “A felicidade é uma arma quente”, ao fazer Comentário a respeito de John (Belchior e José Luiz Penna, 1979) mais em clima folk do que no andamento de xote da gravação com o astro do piseiro João Gomes, a cantora já tinha dado a pista do tom vivaz desse show que percorre o Brasil desde 5 de maio. Com roteiro norteado pelo álbum Vem doce (2023), lançado em 8 de março pela cantora e compositora mato-grossense, o show homônimo chegou à cidade do Rio de Janeiro (RJ) na noite de sábado, 26 de maio, e fez feliz a plateia que lotou a casa Vivo Rio. Vanessa da Mata canta a balada 'Onde ir' na estreia carioca do show 'Vem doce' Ricardo Nunes / Divulgação Vivo Rio Vem doce é show (bem) dirigido por Jorge Farjalla, encenador goiano que tem marcado presença na cena teatral brasileira. O fato de Vanessa da Mata ser conduzida em cena por um diretor de teatro deu ao show um polimento perceptível nos gestos e nos movimentos da cantora pelo palco decorado com cenário frugal, tropical, em sintonia com a estética visual do disco Vem doce e com referências do modernismo de Oswald de Andrade (1890 – 1954). A teatralidade do show é leve, sem tornar o diretor mais importante do que a artista, mesmo nos instantes mais dramáticos, como o momento em que a artista arranca parte do figurino, como se estivesse se libertando de um jugo, após cantar Face e avesso (2023), música em que a compositora descortina a falsa moral social em versos politizados. Antes de a cantora entrar em cena para afiar o discurso do afrobeat Foice (2023), espécie de overture com sons cinematográficos, típicos dos filmes de aventura, preparou o clima, sem afinidade com o que a artista apresentaria na sequência, em cerca de duas horas, ao seguir roteiro essencialmente autoral. Uma das boas surpresas desse roteiro foi Onde ir (2002), canção composta e interpretada no devido tempo de delicadeza, com a cantora sentada em adereço do cenário. Onde ir é música do primeiro belo álbum da artista, Vanessa da Mata (2002), título alien na discografia da artista pela sonoridade suave e mais atemporal. Desse disco de estreia, a cantora também pescou Case-se comigo (2002), parceria com Liminha, também coautor da música que popularizou a cantora, Ai, ai, ai... (2004). Esse megahit surgiu remodelado no segundo ato do show. De início, Vanessa da Mata cantou Ai, ai, ai... deitada, em tom leve, relaxado, quase dengoso. Funcionou tão bem que nem era preciso retomar o habitual estilo extrovertido da interpretação no segundo momento do número. Vanessa da Mata saúda o público na estreia carioca do show 'Vem doce' na casa Vivo Rio Ricardo Nunes / Divulgação Vivo Rio A divisão do show em dois atos, com a cantora voltando à cena com outro figurino, foi boa marca posta por Farjalla na cena de Vem doce. Após entrar na roda da Bahia com o samba Ê senhora, lançado por Maria Bethânia no álbum Encanteria (2009) e até então inédito na voz da autora, Vanessa saiu de cena. Foi quando o público viu interlúdio que gerou imagem memorável do show. Enquanto ouvia-se a récita dos versos de A força que nunca seca (1999) na voz de Chico César, parceiro de Vanessa nessa canção que apresentou a compositora ao Brasil no canto da recorrente Maria Bethânia, a vocalista Ju Miranda atravessou o palco com lata na cabeça ao som das notas da bela melodia, salpicadas pelo piano do tecladista Rodrigo Braga. Inesquecível! A vocalista Ju Miranda atravessa o palco da casa Vivo Rio com lata na cabeça em momento memorável do show 'Vem doce', de Vanessa da Mata Ricardo Nunes / Divulgação Vivo Rio Presença reluzente em cena, Ju Miranda também fez gracioso jogo de cena com Vanessa ao encarnar a personagem perfilada no samba Amiga fofoqueira (2023). A propósito, Vanessa da Mata sempre caiu no samba com desenvoltura, em cadência própria. Tal habilidade foi reiterada em números como o samba-rock Oi (Vanessa da Mata e Marcelo Camelo, 2023), Me liga (Vanessa da Mata e Dom Lucas, 2023) – este com direito aos notórios rodopios da artista pelo palco – e Quando um homem tem uma mangueira no quintal (2009). Vanessa da Mata canta a balada 'Amado' na beira do palco da casa Vivo Rio na estreia carioca do show 'Vem doce' Ricardo Nunes / Divulgação Vivo Rio Em momento de interação com a plateia, Vanessa explicou a divisão dos versos do refrão de Gêmeos (2023) na melodia do reggae, gerando cumplicidade com o público, mantida quando deu voz à tocante balada Amado (Marcelo Jeneci e Vanessa da Mata, 2007) sentada na beira do palco. E por falar em baladas, a segunda parceria da compositora com Ana Carolina, Eu repetiria (2023), cresceu muito no show em relação à gravação do álbum Vem doce (2023). O refrão ecoou forte por todas as dimensões da casa Vivo Rio. Fique aqui, balada composta e gravada pela artista com o rapper L7nnon, também surtiu efeito, com o tecladista Rodrigo Braga se saindo bem ao dar voz ao rap inserido por L7nnon na canção. Já o reggae Fogo (2023) esteve longe de provocar o calor atiçado por hits inevitáveis como Boa sorte / Good luck (Vanessa da Mata e Ben Harper, 2007) e Só você e eu (2019), sucesso do radiante álbum anterior da artista, Quando deixamos nossos beijos na esquina (2019). Vanessa da Mata canta sambas, baladas e reggaes no show 'Vem doce' Ricardo Nunes / Divulgação Vivo Rio Só você e eu iniciou o bis após o show ter sido encerrado com o R&B tropical Vem doce (Vanessa da Mata e Papatinho, 2022), lançado em single em dezembro do ano passado e cantado no show após outra leitura do livro – escrito pela própria Vanessa – que a artista abrira no início do show antes de reviver a já mencionada canção Case-se comigo. O bis também incluiu o antigo samba Não me deixe só (2022), petardo sempre certeiro, e o recente Se Eva soubesse (2023), samba bem menos aliciante, apresentado em maio como faixa-bônus do álbum Vem doce. Fora do trilho autoral, Vanessa celebrou Gal Costa (1945 – 2022) ao entoar o refrão de Força estranha (Caetano Veloso, 1978). Foi bonito e forte, um número fora da curva de show calcado no pulso autoral e singular de cantora e compositora que veio sem manual ao irromper na música brasileira há vinte e poucos anos. Uma artista que transita com originalidade por baladas apaixonadas, sambas buliçosos, reggaes e pelo suingue do norte do Brasil, mote de Pirraça (Kassin e Vanessa da Mata, 2007), número que culminou com citação do carimbó Garota do tacacá (Pinduca, 1977). Sob a firme direção musical do guitarrista Maurício Pacheco, condutor da banda que inclui o percussionista Jurandir Ribeiro e o baixista Magno Souza, Vanessa da Mata fez a felicidade da plateia na estreia carioca do show Vem doce. Vanessa da Mata alinha 30 músicas nos 29 números do roteiro da estreia carioca do show 'Vem doce' Ricardo Nunes / Divulgação Vivo Rio ♪ Eis as 30 músicas dos 29 números do roteiro seguido por Vanessa da Mata em 26 de maio de 2023 na estreia carioca do show Vem doce na casa Vivo Rio, no centro da cidade do Rio de Janeiro (RJ): 1. Foice (Vanessa da Mata, 2023) 2. Face e avesso (Vanessa da Mata, 2023) 3. Segue o som (Vanessa da Mata, 2014) 4. Onde ir (Vanessa da Mata, 2002) 5. Case-se comigo (Liminha e Vanessa da Mata, 2002) 6. Comentário a respeito de John (Belchior e José Luiz Penna, 1979) 7. Gêmeos (Vanessa da Mata, 2023) 8. Menina (Deus te dê juízo) (Vanessa da Mata e Ilan Adar, 2023) 9. Me liga (Vanessa da Mata e Dom Lucas, 2023) 10. Ê senhora (Vanessa da Mata, 2009) 11. A força que nunca seca (Chico César e Vanessa da Mata, 1999) – com a voz de Chico César em off 12. Eu repetiria (Vanessa da Mata e Ana Carolina, 2023) 13. Boa sorte / Good luck (Vanessa da Mata e Ben Harper, 2007) 14. Ainda bem (Liminha e Vanessa da Mata, 2004) 15. Oi (Vanessa da Mata e Marcelo Camelo, 2023) 16. Fogo (Vanessa da Mata, 2023) 17. Fique aqui (Vanessa da Mata e L7nnon, 2023) 18. Ai, ai, ai... (Liminha e Vanessa da Mata, 2004) 19. Pirraça (Vanessa da Mata e Kassin, 2007) / Garota do tacacá (Pinduca, 1977) 20. Força estranha (Caetano Veloso, 1978) 21. Amado (Marcelo Jeneci e Vanessa da Mata, 2007) 22. Amiga fofoqueira (Vanessa da Mata, 2023) 23. Quando um homem tem uma mangueira no quintal (Vanessa da Mata, 2007) 24. Vizinha enjoada (Vanessa da Mata, 2023) 25. Vem doce (Papatinho e Vanessa da Mata, 2022) Bis: 26. Só você e eu (Vanessa da Mata, 2019) 27. Se Eva soubesse (Vanessa da Mata, 2023) 28. Não me deixe só (Vanessa da Mata, 2002) 29. Gente feliz (Maurício Pacheco, Russo Passapusso e Vanessa da Mata, 2017)