UNILA leva formação docente a aldeias Guarani na Tríplice Fronteira

Baseada na Pedagogia da Alternância, Licenciatura Intercultural Indígena no Território Yvy Mbyte propõe uma formação conectada às vivências comunitárias e ao contexto indígena regional

Por Bruno Rodrigo

UNILA leva formação docente a aldeias Guarani na Tríplice Fronteira Créditos: Unila

A formação universitária pode acontecer de muitas formas — e em muitos lugares. No curso de Licenciatura Intercultural Indígena no Território Yvy Mbyte, ela acontece também dentro das comunidades indígenas, em diálogo com os saberes locais e com as vivências cotidianas dos estudantes. Ofertada pela UNILA e vinculada ao Parfor Equidade, a Licenciatura tem promovido, nos meses de março e abril, visitas pedagógicas às aldeias onde vivem os estudantes do curso. Mais do que orientações acadêmicas, os encontros são momentos de escuta, de troca e de fortalecimento da identidade indígena na formação de educadores que atuam em seus próprios territórios.

Ao todo, são 30 estudantes Guarani distribuídos por dez tekoha (aldeias) situadas em diferentes pontos da Tríplice Fronteira. No Brasil, vivem nos municípios paranaenses de Terra Roxa, Guaíra, Santa Helena e Diamante D’Oeste. Na Argentina, habitam os tekoha Kuña Piru, Mbororé e Chapa’i, na província de Misiones. Já no Paraguai, estão nos tekoha Puesto Kuê, Ramanzo Toro e Akaraimy, no departamento de Alto Paraná, e no tekoha Yapo, em Canindeyú.

As visitas fazem parte do chamado Tempo Comunidade, uma das bases da Pedagogia da Alternância, que estrutura o curso em um diálogo constante entre universidade e comunidade. A proposta está prevista no Projeto Pedagógico do Curso, que reconhece esse modelo como fundamental para processos educativos em contextos específicos, como os indígenas. Nesse formato, o conhecimento acadêmico (Tempo Universidade) se articula com os saberes vividos e compartilhados nas comunidades (Tempo Comunidade, no curso chamado de Tempo Tekoha), promovendo uma formação integral, enraizada no território.

A professora Delmira de Almeida Peres, indígena Avá-Guarani nascida no município de Medianeira, acompanhou de perto o processo. Pedagoga na Escola Estadual Indígena Arandu Renda, localizada no município de Itaipulândia, Delmira é uma das seis professoras formadoras selecionadas no processo conduzido pela Pró-Reitoria de Graduação para atuar no curso de Licenciatura Intercultural. Os professores formadores do curso são bolsistas da CAPES. Ela destaca que a experiência de escuta, convivência e orientação nos territórios é parte vital da formação. “A aprendizagem precisa considerar os aspectos individuais de cada localidade, suas formas de organização social e familiar, o convívio cultural em cada território e a centralidade da oralidade, que é a resistência da identidade”.

Para Delmira, há um diferencial evidente quando a formação acontece no território. “Os educadores se sentem mais à vontade, mais seguros de si. A vontade de aprender é visível. Como indígenas, temos a habilidade de ensinar nossas tradições por meio da oralidade, da relação com a natureza e da forte identidade com o território. Essa educação é do corpo, da mente e da alma — sempre conectada à comunidade”, disse.

Durante o Tempo Tekoha, os estudantes desenvolvem investigações sobre suas próprias realidades: mapeiam a população, a alfabetização nas escolas, as línguas faladas, os mitos, as organizações políticas, a cosmologia e os espaços sagrados, como a casa de reza. Já no Tempo Universidade, apresentam e discutem esses elementos com os colegas e docentes, promovendo uma troca entre saberes tradicionais e acadêmicos.

Como professora, Delmira defende que é preciso preservar, em primeiro lugar, a língua materna dos estudantes, trabalhar sobre os territórios assegurados e também os que estão em processo de retomada. “A territorialidade é fundamental para a sobrevivência física, cultural e espiritual do nosso povo”, afirma. Segundo ela, o curso também se compromete com o fortalecimento da identidade coletiva, o diálogo com os movimentos sociais e a valorização dos conhecimentos tradicionais para uma vida sustentável.