Supersalários do Judiciário disparam quase 50% em um ano

Segundo o levantamento, mais de 43% da remuneração líquida média dos magistrados é composta por auxílios e benefícios

Por Da Redação

Supersalários do Judiciário disparam quase 50% em um ano Créditos: Marcello Casal Jr/Agência Brasil

O valor gasto com salários que ultrapassam o teto constitucional no Judiciário brasileiro disparou nos últimos anos, alimentando uma desigualdade estrutural dentro do serviço público. Um estudo inédito do Movimento Pessoas à Frente, realizado em parceria com o jurista e economista Bruno Carazza, revelou que os chamados supersalários no Poder Judiciário cresceram 49,3% entre 2023 e 2024, passando de R$ 7 bilhões para R$ 10,5 bilhões. O salto ocorreu em um período no qual a inflação acumulada foi de apenas 4,83%, segundo o IPCA.

A pesquisa teve como base dados oficiais do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e chamou atenção para a escalada dos penduricalhos, benefícios, indenizações e auxílios pagos de forma adicional ao salário, permitindo que a remuneração final ultrapasse o teto legal do funcionalismo, atualmente fixado em R$ 46.366,19, equivalente ao salário de um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF).

Segundo o levantamento, mais de 43% da remuneração líquida média dos magistrados é composta por auxílios e benefícios, uma parcela que deve ultrapassar 50% em breve, em boa parte isenta de tributação. Esses valores, embora legais, são viabilizados por brechas na legislação e regras internas que classificam como indenizatórias parcelas que, na prática, têm caráter remuneratório.

Crescimento salarial acima do teto

O rendimento líquido médio dos juízes brasileiros saltou de R$ 45.050,50 em 2023 para R$ 54.941,80 em 2024, um aumento de quase 22%. Em fevereiro de 2025, a média chegou a R$ 66.431,76. A valorização salarial ocorre de forma pulverizada, com grande parte das remunerações turbinadas por adicionais como gratificações por acúmulo de funções, indenizações por férias não usufruídas e outros benefícios que escapam da fiscalização direta e do controle orçamentário efetivo.

A pesquisa alerta que esse fenômeno atinge apenas 0,06% dos servidores públicos, os que têm direito aos penduricalhos, criando uma disparidade significativa dentro do próprio serviço público. A distorção não é nova, mas tem se agravado a cada ano, com resistência institucional a mudanças profundas que limitem esse tipo de privilégio.

Jessika Moreira, diretora-executiva do Movimento Pessoas à Frente, avalia que os supersalários são “um problema estrutural que se arrasta desde a Constituição de 1988”. Diversas propostas legislativas foram apresentadas ao longo das últimas décadas para conter o fenômeno, mas todas fracassaram ou foram esvaziadas no processo legislativo.

Reforma administrativa

Para enfrentar o problema, o Movimento apresentou um manifesto com nove propostas para limitar os supersalários, no contexto da reforma administrativa em discussão no Congresso Nacional. Entre os principais pontos estão:

- Reclassificação de verbas para distinguir corretamente entre indenizatórias e remuneratórias;

- Limitação de benefícios indenizatórios a critérios como caráter transitório e criação por lei;

- Tributação adequada pelo Imposto de Renda sobre verbas de natureza remuneratória;

- Fim da vinculação automática de subsídios entre carreiras do Judiciário;

- Proibição de retroativos sem limite temporal e necessidade de lei para criação de adicionais;

- Classificação de pagamentos acima do teto como improbidade administrativa, caso não haja respaldo legal.

O movimento também propõe o fim de benefícios considerados anacrônicos, como férias de 60 dias (geralmente convertidas em dinheiro), licença-prêmio, aposentadoria compulsória como punição disciplinar e gratificações por acúmulo de função, elementos que, segundo a organização, reforçam a desigualdade e minam a eficiência do serviço público.

No início de junho, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou que o combate aos supersalários deveria ser o primeiro passo da reforma administrativa, como forma de demonstrar ao país o compromisso com o equilíbrio fiscal e a justiça na remuneração do funcionalismo.

No Paraná

Um exemplo concreto do avanço dos penduricalhos está no Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR). Um levantamento do Jornal Plural revelou que desembargadores paranaenses receberam, em média, R$ 148 mil em “vantagens eventuais” nos dois primeiros meses de 2025. Esses valores são pagos além do salário-base, que é de R$ 39,7 mil, e correspondem a indenizações por férias não gozadas, gratificações por acúmulo de função, adicionais por tempo de serviço, entre outras rubricas.

Esses adicionais permitiram que um magistrado do TJ-PR recebesse R$ 330 mil líquidos entre janeiro e fevereiro, uma média de R$ 165 mil por mês, mais de três vezes o teto constitucional. O caso mais modesto foi o de uma desembargadora que recebeu R$ 80 mil no mesmo período, ainda assim quase o dobro do limite previsto na Constituição. Um desembargador afastado por decisão do CNJ, por má conduta, também teve direito a R$ 260 mil em penduricalhos nesse intervalo.

O gasto total com vantagens eventuais no TJ-PR em apenas dois meses, considerando os 126 desembargadores ativos, somou R$ 37 milhões, sendo R$ 16 milhões em janeiro e R$ 21 milhões em fevereiro. Todos os pagamentos foram feitos com base em normas internas e interpretações que permitem esses acréscimos, embora gerem questionamentos jurídicos e éticos.

A repercussão local levou a OAB-PR (Ordem dos Advogados do Brasil, seccional Paraná) a emitir nota pública em que defende o respeito ao teto constitucional. Segundo o texto aprovado pelo Conselho Pleno da entidade, é necessário “preservar a moralidade administrativa e a isonomia entre os agentes públicos”.

Apesar de amparados por dispositivos legais ou regulamentações internas, os supersalários evidenciam desequilíbrios no sistema de remuneração pública e são frequentemente citados como obstáculo à equidade fiscal e à credibilidade institucional. No caso do Judiciário, os mecanismos que viabilizam os penduricalhos permanecem protegidos por normas corporativas e pela ausência de um controle efetivo sobre a aplicação do teto remuneratório.

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