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“Meu chefe não é o governador”: áudios vazados apontam Guto como autoridade máxima e avalista para autorizar “coisa errada” na Sanepar

Conversas citam Ricardo Arruda e João Carlos Ortega em pedidos de “ajuda” política e revelam articulações para viabilizar contratos de informática e mídia com prefeituras, fora da hierarquia formal do Estado

“Meu chefe não é o governador”: áudios vazados apontam Guto como autoridade máxima e avalista para autorizar “coisa errada” na Sanepar Créditos: Divulgação

Áudios vazados pelo Diário de Maringá revelam os bastidores de poder no governo do Paraná e na Companhia de Saneamento do Paraná (Sanepar). Nas gravações, um interlocutor - a princípio identificado como Jaime Antônio de Camargo Ferreira, assessor de Guto Silva - afirma de forma explícita que Guto Silva seria, na prática, a principal autoridade a ser obedecida, acima inclusive do governador, e o responsável por autorizar encaminhamentos sensíveis - inclusive aqueles descritos no próprio áudio como “coisa errada”.

Em um dos trechos mais contundentes, o falante afirma: “Meu chefe não é nem o governador, meu chefe é o Guto”. A declaração surge no contexto de pedidos políticos, indicações e liberações que, segundo o próprio interlocutor, só avançariam mediante autorização direta do secretário.

Os áudios revelam a existência de uma hierarquia paralela, desconectada da cadeia formal de comando do Estado e da própria Sanepar. Em tom exaltado, o interlocutor  relata uma situação em que cobra um subordinado e questiona quem seria, de fato, o chefe dele. Na resposta, lista apenas três nomes: ele próprio, Rafael - possivelmente Rafael Malaguido, personagem já citado em reportagem publicada pela Gazeta sobre esquema de propina para pagamento de dívida de campanha de Ratinho - e Guto Silva.

A fala não apenas relativiza a autoridade institucional como também esvazia cargos formais. Em outro trecho, o interlocutor afirma: “Nem o Cláudio Stabile é teu chefe”, numa referência direta a Cláudio Stabile, presidente da Sanepar. A frase sugere que, apesar de ocupar o cargo máximo da estatal, Stabile não integraria o núcleo real de decisões descrito nos áudios.

Em seguida, o nome de Cláudio Stabile volta a ser citado em tom ainda mais revelador: “O Cláudio e a Priscila, ainda vão levar uma invertida”. A expressão, comum no jargão político interno, indica a expectativa de enquadramento, correção ou desautorização, reforçando a percepção de que a presidência da companhia estaria politicamente fragilizada.

O interlocutor afirma ter ido “falar com a Priscila por causa do Bedeu”, mencionando que este “já tinha assinado junto” e “errou”. A fala indica a existência de um problema administrativo já consumado, envolvendo assinatura de documentos, que precisaria ser corrigido ou contido. O “Bedeu” citado pode ser Wellington Bedeu, ex-gestor da companhia multado pelo Tribunal de Contas do Paraná por contratos irregulares em regionais da Sanepar.

Priscila aparece, portanto, como alguém com capacidade técnica ou jurídica para interferir em atos administrativos relevantes. Uma das hipóteses em apuração é que se trate de Priscila Marchini Brunetta, ex-diretora administrativa e jurídica da Sanepar, com passagem pelo Comitê de Elegibilidade e pelo Comitê ESG da companhia. O perfil funcional é compatível com o papel descrito no áudio, mas a identidade não pode ser afirmada com segurança, já que o sobrenome não é mencionado nas gravações e há outras Priscilas atuando no entorno institucional da estatal.

 

Pedidos de “ajuda”

O conteúdo mais sensível das gravações envolve pedidos para intermediação de negócios com prefeituras. Segundo o áudio, João Carlos Ortega, chefe da Casa Civil do Paraná, teria procurado o interlocutor em busca de “ajuda” para “coisa errada”.

O homem ainda menciona Ricardo Arruda e descreve o objeto do interesse: sistemas de informática e soluções de mídia. Ele afirma que poderia “indicar municípios” e abrir caminho para contratos com prefeituras, desde que houvesse autorização política superior. “A única coisa que você precisa é combinar com o Guto. Se o Guto me autorizar, eu ligo”, diz no áudio.

A narrativa indica que o critério decisivo para viabilizar os contratos não seria técnico nem administrativo, mas político, condicionado à anuência do secretário. O trecho reforça suspeitas sobre a utilização de estruturas do Estado para facilitar negócios privados fora dos canais regulares de contratação.

No mesmo contexto, o interlocutor ao mencionar a figura de um “missionário” que teria pedido ajuda em uma situação considerada delicada, sob forte pressão política, revela se tratar de Arruda. O áudio cita ainda o deputado descrito como “louco atrás disso”, indicando urgência e insistência na demanda.

 

Proteções e bastidores

Os áudios também mencionam servidores e gerentes da Sanepar que estariam protegidos politicamente mesmo após envolvimento em irregularidades, circulando livremente pela companhia sem sofrer consequências administrativas aparentes. A referência dialoga diretamente com o histórico revelado pela Operação Ductos, deflagrada em 2018 para apurar um esquema de corrupção envolvendo contratos da estatal, que resultou em prisões, afastamentos e responsabilizações de gestores ligados a obras e serviços executados nas regionais da empresa. Apesar disso, parte das estruturas administrativas permaneceu operando, o que, à época, já havia levantado questionamentos sobre a efetividade das medidas internas de controle e responsabilização.

É nesse contexto que surge, nos áudios, o nome de Jeanne Cristine Schmidt, gerente da Unidade de Serviços de Projetos e Obras Sudoeste da Sanepar. Segundo o relato, Jeanne teria procurado o interlocutor para tratar de uma situação específica, em meio a um ambiente descrito como marcado por erros administrativos já consumados, assinaturas problemáticas e a necessidade de intervenção política para “resolver” impasses internos. Embora as gravações não detalhem o conteúdo do pedido nem atribuam ilegalidades diretas à gerente, a citação reforça a percepção de continuidade institucional: mesmo após operações policiais e sanções aplicadas por órgãos de controle, decisões sensíveis ainda seriam tratadas fora dos canais formais, sob a lógica de proteção e articulação política que marcou o período investigado pela Operação Ductos.

 

Operação Ductos

A Operação Ductos revelou um esquema de corrupção estruturado dentro da Companhia de Saneamento do Paraná (Sanepar), envolvendo contratos de obras e serviços firmados ao longo de vários anos, sobretudo no período entre 2014 e 2018. A investigação apurou o pagamento sistemático de propina a servidores e ex-servidores da estatal em troca de favorecimento a empresas contratadas para execução de redes de esgoto, adutoras e obras de infraestrutura.

As apurações apontaram que o esquema funcionava por meio de medições fraudulentas, aditivos contratuais irregulares e liberação indevida de pagamentos, com valores ilícitos sendo repassados de forma recorrente. Ao longo de 2018 e 2019, a operação resultou em prisões preventivas, afastamentos de servidores e no aprofundamento das investigações pelo Ministério Público e pela Polícia Civil.

Em 2019 e 2020, relatórios do Tribunal de Contas do Estado do Paraná (TCE-PR) passaram a detalhar prejuízos aos cofres públicos decorrentes de contratos irregulares firmados em regionais da Sanepar, com aplicação de multas e responsabilização de ex-gestores.

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