Juíza condena Nikolas Ferreira a pagar R$ 200 mil por dano moral coletivo
Apontaram que a manifestação do deputado configura transfobia, discurso de ódio e incitação à violência contra a população LGBT

A juíza Priscila Faria da Silva, da 12ª Vara Cível de Brasília, condenou o deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG) a pagar indenização de R$ 200 mil por dano moral coletivo por causa de fala feita em 8 março de 2023 no plenário da Câmara dos Deputados.
Na ocasião, em discurso alusivo ao Dia Internacional das Mulheres, o congressista vestiu uma peruca loira, disse que “se sentia mulher” e falou, entre outras coisas, que “as mulheres estão perdendo seu espaço para homens que se sentem mulheres”.
A partir da fala, as organizações Aliança Nacional LGBTI+ e Associação Brasileira de Famílias Homotransafetivas (Abrafh) ajuizaram ação civil pública contra o deputado.
As autoras pediram indenização de R$ 5 milhões e tutela provisória antecipada determinando a exclusão de publicações relacionadas à fala. Apontaram que a manifestação do deputado configura transfobia, discurso de ódio e incitação à violência contra a população LGBT.
Nikolas se defendeu argumentando que a fala questionada estaria amparada pela imunidade parlamentar e pela liberdade de expressão. Alegou que se expressou daquela forma para “chamar a atenção para algo que, sob a sua ótica, é extremamente sério”. E negou ter proferido discurso de ódio.
Já o Ministério Público se manifestou pela procedência dos pedidos iniciais, traçando paralelo entre o uso de peruca para ridicularizar pessoas transgênero com a prática de black face (quando pessoas brancas pintam a pele de cor escura para representar pessoas pretas de forma exagerada e ofensiva). No entanto, o parquet considerou “exorbitante” o valor exigido pelas autoras e sugeriu a redução para R$ 200 mil.
Liberdade não é absoluta
Em sua decisão, a juíza ponderou que os direitos de livre manifestação do pensamento e de expressão são fundamentais, mas não absolutos. Lembrou que tal raciocínio encontra base no julgamento do Habeas Corpus 82.424 pelo Supremo Tribunal Federal e no artigo 187 do Código Civil (Lei 10.406/2002).
“Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”, diz o dispositivo.
“É possível restringir a liberdade de expressão quando o discurso é utilizado para praticar ou incitar conduta criminosa, com o único objetivo de ofender, ou mesmo para difundir o ódio contra grupos vulneráveis. Nessas circunstâncias, é dever do Poder Judiciário, uma vez provocado, realizar a ponderação de valores no caso concreto, para avaliar se o discurso foi abusivo na forma e/ou no conteúdo, e se deve prevalecer a liberdade de expressão ou a proteção aos direitos dos que alegam terem sido vítimas da ofensa”, escreveu a juíza.
Ela ressaltou, também, que um discurso de ódio pode ou não conter adjetivos pejorativos ou ordens explícitas de violência, existindo a possibilidade de ser “velado, subliminar ou sutil”.
“A ausência de termos explicitamente ofensivos não desnatura o cunho discriminatório do discurso, evidenciado desde a utilização de uma peruca para escarnecer a transição de gênero por que passam os indivíduos transsexuais até a propagação da ideia de que a existência de mulheres trans põe em risco direitos como a segurança e a liberdade de mulheres cisgênero”, explicou.
“A conclusão a que se chega é a de que os dizeres proferidos pelo réu no púlpito da tribuna da Câmara dos Deputados na data de 8 de março de 2023 desbordam dos limites do direito à livre manifestação do pensamento e constituem verdadeiro discurso de ódio, na medida em que descredibilizam a identidade de gênero assumida pela população transsexual e insuflam a sociedade a fazer o mesmo.”
Créditos: Conjur