Inovadora e muito aguardada, Nova Ferroeste demora sair do papel
O projeto, que prevê mais de 1,5 mil quilômetros de trilhos cruzando regiões produtivas do Sul do país, enfrenta uma série de entraves
Por Da Redação

A Nova Ferroeste, ferrovia planejada para ligar Maracaju (MS) ao Porto de Paranaguá (PR), passando por cidades estratégicas como Cascavel e Guarapuava, segue sem sair do papel, apesar do esforço político do Governo do Paraná e do apoio declarado do Governo Federal. O projeto, que prevê mais de 1,5 mil quilômetros de trilhos cruzando regiões produtivas do Sul do país, enfrenta uma série de entraves, entre eles a indefinição sobre o futuro da Malha Sul, os processos de licenciamento ambiental e conflitos fundiários com comunidades indígenas.
Além disso, a polêmica aprovação da privatização da atual Ferroeste, ocorrida em agosto de 2024, levantou críticas de produtores e entidades do setor produtivo quanto à falta de diálogo e às incertezas sobre a continuidade e ampliação dos serviços ferroviários.
Um dos principais impasses que emperram a execução da Nova Ferroeste é a situação da Malha Sul, malha ferroviária administrada atualmente pela Rumo Logística. A empresa pleiteia a renovação da concessão por mais 30 anos, mas com a intenção de manter apenas trechos lucrativos sob sua operação e devolver os demais ao poder público.
Para o governador Carlos Massa Ratinho Júnior (PSD), esse debate é central para o andamento da Nova Ferroeste. “Estamos numa construção com o Ministério dos Transportes sobre a Malha Sul. Está sendo rediscutido se haverá a renovação da concessão atual ou uma nova licitação. Assim que o ministério resolver essa questão jurídica, teremos um avanço”, declarou o governador em evento no Palácio do Planalto.
A Malha Sul é estratégica por interligar diversas regiões do Paraná e outros estados ao Porto de Paranaguá. Com a indefinição sobre quem será o operador da malha e como será feita sua integração com a Nova Ferroeste, o projeto de expansão ferroviária permanece em suspenso.
Outro gargalo importante é o licenciamento ambiental. Por se tratar de um empreendimento com milhares de quilômetros de extensão, atravessando áreas de preservação e comunidades rurais, a Nova Ferroeste exige uma série de estudos e autorizações de órgãos ambientais federais e estaduais.
O processo é considerado complexo e demorado. O governo estadual tem concentrado esforços para acelerar essa etapa, mas encontra resistência em alguns trechos da ferrovia projetada, especialmente na região entre Cascavel e Dourados (MS), onde há sobreposição de áreas de interesse indígena.
A situação se agrava com o recente processo de aquisição de terras para comunidades indígenas no Oeste do Paraná. Técnicos do Incra iniciaram neste ano a avaliação de áreas compradas pela Itaipu Binacional com o objetivo de assentar grupos que há décadas ocupam propriedades rurais em Guaíra e Terra Roxa. O acordo, homologado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), prevê a destinação de R$ 240 milhões para a aquisição de terras e busca pôr fim aos conflitos entre indígenas e agricultores da região.
O trajeto, que abrangerá 1.567 quilômetros de trilhos, atravessará 18 comunidades indígenas, incluindo a Pakurity em Dourados, demandando cuidados especiais de viabilidade. Diante disso, representantes do governo paranaense e especialistas da Funai foram neste ano ao Mato Grosso do Sul para avaliar os impactos na aldeia em um raio de até 5 quilômetros do traçado proposto para a malha ferroviária.
“Boa parte do processo de licenciamento está concluída, tanto nas anuências do Incra, do Iphan, como também na parte de fauna e flora que foram objeto de sete audiências públicas”, informou Luiz Henrique Fagundes, coordenador do Plano Ferroviário do Paraná. Ele acrescentou que uma empresa foi contratada para conduzir novos estudos sociais
Além da avaliação na comunidade de Mato Grosso do Sul, o grupo analisa também os impactos nas terras indígenas de Boa Vista, em Nova Laranjeiras, e Guasú Guavirá, em Guaíra, além do acampamento Tupã Nhe Kretã, em Morretes, todos no Estado do Paraná.
Segundo o governo do Paraná, entre 2022 e 2023, foram avaliadas 10 aldeias da Terra Indígena Rio das Cobras, área que já convive com o trem em operação entre as cidades de Guarapuava e Cascavel. A análise em Rio das Cobras, com seus 3 mil habitantes, envolveu meses de atividades em campo para entrevistas e oficinas, levando os moradores a ponderarem sobre o empreendimento.
A Sociedade Rural do Oeste do Paraná, alerta o governo e a Itaipu sobre o risco de sobreposição de terras que pode trazer problemas para os indígenas e também para o andamento do projeto.
Privatização acelerada
Em meio aos impasses, a Assembleia Legislativa do Paraná aprovou, em agosto de 2024, a proposta do governo estadual para privatizar a Ferroeste, atual operadora de 248 quilômetros de trilhos entre Cascavel e Guarapuava. O projeto passou com ampla maioria (41 votos a favor e 7 contrários), mas não sem críticas.
Entidades como o Sistema FAEP e a Fiep criticaram a tramitação em regime de urgência e a falta de debates públicos sobre a venda da estatal. As organizações defenderam maior diálogo com o setor produtivo e comunidades impactadas pela ferrovia, além de garantias de que os serviços seriam ampliados e mantidos com qualidade após a desestatização.
“É fundamental que as definições estejam alinhadas”, afirmou a Fiep em nota oficial. A FAEP, por sua vez, demonstrou preocupação com os efeitos imediatos da privatização e afirmou que seguirá monitorando os desdobramentos do processo.
O líder do governo na Alep, deputado Hussein Bakri (PSD), argumentou na época que a privatização era necessária para estancar prejuízos acumulados pela empresa. “O prejuízo é de quase R$ 200 milhões. O estado quer estancar isso”, disse. A oposição, no entanto, contestou os dados apresentados. Segundo o deputado Arilson Chiorato (PT) na época, o próprio presidente da Ferroeste afirmou que a empresa não apresenta déficits desde 2018.
