Governo criará taxa sobre emendas Pix e reterá 1% de cada repasse
Nova regra prevê retenção de parte do valor enviado a municípios, e beneficiados que não prestarem contas podem ficar sem repasses
Por Da Redação

O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) decidiu instituir uma cobrança sobre as chamadas emendas Pix, mecanismo pelo qual deputados e senadores destinam verbas diretamente a municípios e estados. A medida prevê a retenção de 1% do valor total repassado para cada emenda, funcionando como uma espécie de pedágio. Essa taxa será descontada no momento da liberação dos recursos. Segundo o Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, a cobrança está prevista na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2025 e será formalizada por meio de uma portaria.
O valor arrecadado com essa retenção, de acordo com o governo, será destinado à manutenção e ao aprimoramento da plataforma Transferegov.br, sistema criado para centralizar, monitorar e dar transparência aos repasses federais. Estima-se que, em 2025, as emendas Pix movimentam R$ 7,3 bilhões, o que pode gerar, com a taxa de 1%, uma arrecadação de cerca de R$ 73 milhões apenas neste ano.
As emendas Pix, como ficaram conhecidas, foram criadas pelo Congresso em 2019 com o objetivo de tornar os repasses parlamentares mais rápidos e menos burocráticos. Ao contrário das emendas tradicionais, elas não exigem convênios ou parecer técnico para sua liberação, funcionando de forma direta e com menos amarras legais. Isso gerou preocupações em órgãos de controle e motivou o Supremo Tribunal Federal (STF) a impor novas regras de transparência. Agora, os municípios beneficiados devem apresentar planos de trabalho detalhando a aplicação dos recursos e, posteriormente, prestar contas sobre os gastos realizados.
Apesar da determinação do STF, muitos entes federativos seguem descumprindo as exigências. Um levantamento do Ministério da Gestão enviado à Corte mostra que, em 2024, cerca de 60% dos documentos entregues pelas prefeituras não informavam com clareza em que recursos seriam aplicados. Além disso, entre os anos de 2020 e 2024, um total de 860 prefeituras e o governo do Pará sequer apresentaram qualquer plano de trabalho. Por conta disso, esses entes foram proibidos de receber novas emendas até que regularizem sua situação. O Estado do Espírito Santo também teve seu plano reprovado e ficou impedido de receber recursos.
Mesmo com as novas exigências e o aumento da fiscalização, a emenda Pix segue sendo o instrumento preferido por muitos parlamentares. A modalidade continua como a mais utilizada para destinação de verbas federais, ainda que sua adesão tenha diminuído desde que o STF passou a exigir mais rigor e transparência.
Quando foi criada, um dos principais argumentos para justificar as emendas Pix era o de fugir das taxas cobradas pela Caixa Econômica Federal na administração de emendas tradicionais. Essas taxas eram usadas para custear a fiscalização das obras e ações vinculadas aos repasses parlamentares. Com o novo modelo, os parlamentares ganharam agilidade, mas em contrapartida, a falta de planejamento e controle se tornou um problema recorrente. Casos de desvio de finalidade, má utilização dos recursos e ausência de fiscalização se tornaram frequentes.
Investigações da Controladoria-Geral da União (CGU) e do próprio Ministério da Gestão revelaram irregularidades como pagamento de shows em cidades que estavam em situação de calamidade pública, obras com valores acima dos praticados no mercado e até uso de recursos para pagamento de salários de funcionários públicos, o que é expressamente proibido. Também foram identificados repasses para organizações não governamentais (ONGs) sem a devida capacidade técnica ou estrutural para executar os projetos.
A novidade agora é que, mesmo com a promessa de evitar cobranças administrativas, a própria União está propondo uma taxa. Segundo o governo, o valor retido servirá exclusivamente para garantir a continuidade e o aperfeiçoamento das ferramentas de controle e transparência, especialmente o Transferegov.br, que centraliza todas as etapas do processo: desde a comunicação sobre o recurso, passando pela apresentação do plano de aplicação, até a prestação de contas.
A LDO de 2025 autoriza a cobrança de até 4,5% sobre o valor das emendas Pix. No entanto, esse percentual não é obrigatório. Cabe ao governo decidir quanto cobrará dentro desse limite. Por ora, a portaria em elaboração prevê o percentual mínimo: 1%. Segundo o Ministério da Gestão, esses recursos só poderão ser utilizados para melhorar os sistemas digitais, painéis de controle e demais ferramentas ligadas à execução das emendas.
“A retenção, nos moldes do artigo da LDO, pode ser usada para cobrir custos operacionais, manutenção e desenvolvimento de sistemas estruturantes relacionados às transferências”, afirmou o ministério. “Trata-se de uma previsão legal que busca garantir a sustentabilidade das soluções tecnológicas que tornam possível a transparência, o controle e o aprimoramento do processo de execução dessas emendas.”
O governo federal também afirma que os valores arrecadados trarão benefícios à sociedade como um todo, já que aumentarão a transparência e permitirão que o cidadão tenha acesso facilitado às informações sobre o uso do dinheiro público. “Essa melhoria do processo beneficia também o cidadão, que poderá exercer o controle social de tudo que é operacionalizado dentro da plataforma Transferegov.br”, diz a nota da pasta.
Ainda que o governo defenda a medida como uma forma de garantir controle e transparência, o gesto representa uma mudança de postura em relação ao argumento original das emendas Pix: a ausência de taxas e de burocracia. Agora, com a nova cobrança, o modelo começa a se aproximar, em partes, do que existia antes, mas ainda sem os mecanismos tradicionais de fiscalização de obras e projetos vinculados às emendas parlamentares.
