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Empresas de mesmo grupo econômico podem deixar de ser responsabilizadas por dívidas trabalhistas

Advogados trabalhistas afirmam que novas regras podem trazer ainda mais dificuldade no recebimento das verbas rescisórias

Por Bruno Rodrigo

Empresas de mesmo grupo econômico podem deixar de ser responsabilizadas por dívidas trabalhistas Créditos: STF

O Supremo Tribunal Federal (STF) está julgando um recurso que pode mudar a forma como empresas de um mesmo grupo econômico são responsabilizadas por dívidas trabalhistas. O caso, que tem repercussão geral reconhecida, discute se uma empresa pode ser incluída na fase de execução de uma ação trabalhista sem ter participado do processo desde o início. A decisão pode impactar mais de 110 mil ações que aguardam definição.

Atualmente, a Justiça do Trabalho permite que empresas de um mesmo grupo econômico sejam incluídas na fase de execução de um processo trabalhista, mesmo que não tenham participado da fase de conhecimento, etapa onde são apresentadas as provas e o julgamento ocorre. Essa possibilidade tem sido utilizada para garantir que trabalhadores recebam os valores devidos quando a empresa originalmente condenada não tem recursos para pagar.

No entanto, a Rodovias das Colinas S.A. contestou essa prática no Recurso Extraordinário (RE) 1387795, alegando que a inclusão de empresas na fase de execução sem que elas tenham tido a oportunidade de se defender viola princípios fundamentais, como o contraditório e a ampla defesa. A empresa argumenta que, muitas vezes, só toma conhecimento da ação quando seus bens já foram bloqueados, o que configuraria uma injustiça processual.

Até o momento, cinco dos 11 ministros votaram a favor da tese da empresa, ou seja, para que empresas do mesmo grupo econômico só possam ser incluídas na execução trabalhista se houver comprovação de "abuso da personalidade jurídica", o que significa que o trabalhador precisaria demonstrar que houve fraude ou tentativa de ocultação de patrimônio para escapar do pagamento da dívida.

Os votos favoráveis à restrição da inclusão na fase de execução vieram dos ministros Cristiano Zanin, Dias Toffoli, Flávio Dino, Nunes Marques e André Mendonça. Eles defendem que a mudança traria mais segurança jurídica para empresas que atualmente podem ser surpreendidas com bloqueios de bens sem terem participado do processo desde o início.

O ministro Edson Fachin foi o único, até o momento, a votar contra essa limitação. Ele argumenta que a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) não exige a participação das empresas do grupo econômico na fase inicial do processo e que a jurisprudência da Justiça do Trabalho já prevê uma análise criteriosa antes da inclusão dessas empresas na execução.

O julgamento foi interrompido após um pedido de vista do ministro Alexandre de Moraes, o que adiou a decisão final. Ainda não há previsão para a retomada da análise.

Impacto

A possível mudança nas regras preocupa advogados trabalhistas, que temem que a nova exigência dificulte ainda mais o recebimento das verbas rescisórias pelos trabalhadores. Segundo Ricardo Carneiro, do escritório LBS Advogadas e Advogados, o Supremo Tribunal Federal está transferindo para o trabalhador o ônus de provar que houve fraude na relação entre as empresas do grupo econômico, algo que, na prática, é de difícil comprovação.

"Mais uma vez, o Supremo joga para o trabalhador uma prova que é de difícil obtenção e vai contra um entendimento do Judiciário que tinha por princípio a proteção do crédito desse trabalhador", critica Carneiro.

Por outro lado, advogados que representam empresas comemoram o avanço do julgamento. Para Daniel Dias, do Machado Meyer Advogados, a nova interpretação traria maior previsibilidade e evitaria que companhias sejam responsabilizadas por dívidas sem terem sido parte do processo desde o início. Ele destacou que a posição de Zanin foi fundamental para essa reviravolta no julgamento, ao enfatizar a importância dos princípios do contraditório e da ampla defesa.

“Ele captou bem a discussão, foi extremamente constitucionalista, ficou preocupado com a questão da proteção dos direitos fundamentais, de ampla defesa devido ao processo legal e contraditório”, disse.

Além da preocupação jurídica, há também um impacto econômico significativo. Caso o STF mantenha a nova interpretação, empresas poderão se sentir mais seguras para investir e expandir suas operações, sem o risco de serem surpreendidas com execuções trabalhistas inesperadas. No entanto, sindicatos e defensores dos trabalhadores argumentam que essa mudança pode dificultar a obtenção de direitos básicos, especialmente em casos onde empresas do grupo econômico se beneficiam indiretamente do trabalho prestado, mas não assumem responsabilidades em eventuais falências ou encerramentos de atividades.

Argumentos das partes envolvidas

O caso tem gerado intenso debate entre advogados trabalhistas, empresários e especialistas em direito. Enquanto os defensores da mudança destacam a necessidade de segurança jurídica e proteção ao direito de defesa, os críticos apontam para o risco de impunidade e precarização das relações trabalhistas.

Para a advogada Rita de Cassia Barbosa, que representa o trabalhador envolvido no caso e a Confederação Nacional dos Trabalhadores nas Indústrias de Alimentação e Afins, a inclusão das empresas do mesmo grupo na execução não é automática e já ocorre mediante análise criteriosa. Segundo ela, esse instrumento é essencial para garantir que os trabalhadores recebam suas verbas rescisórias, muitas vezes essenciais para a subsistência.

Já Daniel Dias, advogado da Rodovias das Colinas, argumenta que a nova tese do STF protege as empresas de serem penalizadas injustamente. Ele defende que a inclusão na fase de execução sem uma análise prévia é uma afronta ao devido processo legal e que a decisão do STF pode trazer mais clareza e segurança para empresários e investidores.