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De primeiro polo industrial de Curitiba a 'ponto de passagem': entenda a história do bairro Rebouças

Por Giuliano Saito


Nos idos de 1885, quando ainda se chamava Campo do Schmidlin, região influenciou desenvolvimento da capital. Pesquisadora explica tentativa de preservar história do bairro. Muros da antiga estação ferroviária de Curitiba na Avenida Sete de Setembro, em 2011 Iaskara Florenzano/Arquivo pessoal Quem observa com atenção a arquitetura do bairro Rebouças, em Curitiba, percebe como construções históricas do primeiro polo industrial da capital resistem em meio ao avanço da paisagem contemporânea. Compartilhe no WhatsApp Compartilhe no Telegram As construções centenárias são uma representação silenciosa do que foi a região que, por quase um século, foi responsável pelo desenvolvimento regional. Até ser o que é hoje, o Rebouças viveu um série de transformações: começou como área rural - o Campo do Schmidlin, virou área de expansão regional com a chegada das indústrias e, por fim, foi sendo ocupado por comércios e residências. Esta reportagem também pode ser ouvida. Ela está disponível no episódio do PodParaná, do g1, que contou a história do Rebouças. A professora, arquiteta e urbanista Iaskara Florenzano, de Curitiba, estuda o bairro há uma década. Em maio de 2022, as pesquisas dela ganharam corpo no livro "Um Olhar sobre o patrimônio industrial do Rebouças". Segundo Iaskara, as principais transformações da região começaram em 1885, quando a construção da estrada de ferro impulsionou a industrialização e um forte desenvolvimento econômico. A antiga Estação Ferroviária de Curitiba, localizada na Avenida Sete de Setembro, atualmente dá espaço ao Museu Ferroviário. "Quando chegam os trilhos do trem, vira uma área de muita mobilidade humana e também de comércio. Então, é natural que aquela área atrás da estação começasse a ser ocupada, porque era uma questão logística. A gente tinha estrada, tinha trilho do trem e tinha um rio [...] próximo dali foi colocada a primeira usina elétrica para iluminação do centro da cidade e para aquelas fábricas que começavam a se colocar ali ao redor", explica a professora. Arraste para o antes e depois: Edifício da antiga estação ferroviária, depois de ser revitalizada em 1894, e prédio da estação em 2011 Initial plugin text Pouco tempo após a inauguração da estação, o local passou a se chamar Vila Iguaçu. Iaskara explica que, nessa fase, houve um "boom" de fábricas, moinhos e engenhos que se instalaram no bairro. A pesquisadora lembra que os empreendimentos vieram de Ponta Grossa, nos Campos Gerais, do litoral paranaense e de outras áreas do Paraná. De ponto estratégico à rota de passagem Na época do desenvolvimento industrial, a localização do bairro era considerada estratégica para a produção e escoamento agrícola, afirma Iaskara. Porém, a região do Rebouças é atualmente considerada um ponto de passagem. O Rebouças está rodeado pelos seguintes bairros: Centro, Água Verde, Jardim Botânico, Parolin e Prado Velho. Na organização municipal, o Rebouças integra a Regional Matriz, que abriga cerca de 14 mil habitantes, conforme estimativa de 2020 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Diferentemente de outras regiões centrais da cidade, o bairro não tem tantos prédios grandes - característica que também reflete como o espaço foi se desenvolvendo. Rua Engenheiros Rebouças, uma das principais vias do bairro Iaskara Florenzano/Arquivo pessoal Ruas e avenidas da Curitiba, mesmo fora do Rebouças, carregam até hoje reflexos da importância que o crescimento do bairro teve para o desenvolvimento da cidade. Iaskara explica que a as avenidas Silva Jardim, Getúlio Vargas, Iguaçu, e muitas outras, surgiram com a estruturação social que acontecia gradualmente no Rebouças, a partir de uma espécie de ordenamento realizado pelo poder público. "De certa forma, era a ordem para que as ruas fossem prolongadas. Então, elas chegavam em um ponto, se prolongavam. Você vai ver que a abertura da Marechal Floriano, por exemplo, e todas as ruas paralelas, vão sendo prolongadas para a região Sul. E existe uma hierarquia entre largura, tamanhos. As mais importantes são mais largas, com passeio no meio... Os edifícios que estavam nessas ruas mais largas, provavelmente eram os mais importantes”. Entre arquitetura fabril que resiste no Rebouças, bairro se divide entre residências e pequenos comércios Iaskara Florenzano/Arquivo pessoal Industrialização e desindustrialização A pesquisadora Iaskara Florenzano explica que o processo de industrialização do Rebouças durou até meados de 1943. No período, grandes fábricas surgiram no bairro, como a Cervejaria Atlântica (1912) e a Fiat Lux (1895) - até hoje em funcionamento. Pouco tempo depois, o bairro passou a ser conhecido, efetivamente, como Rebouças. O processo de nomeação se deu entre 1950 e 1960. Moinho Anaconda Arquivo pessoal/Iaskara Florenzano (2011) Conforme detalha Iaskara, a partir de 1970, quando ocorreu a reorganização da malha urbana de Curitiba, o bairro começou uma nova transformação. Essa fase é classificada pela pesquisadora como um período de "esvaziamento" do bairro. Pelas pesquisas da arquiteta, a desindustrialização foi gradativa, levando cerca de 40 anos para terminar. Uma das causas do movimento, ela explica, foi a perda de força das indústrias depois das duas grandes guerras. No Paraná, especificamente, o declínio da cultura da erva mate também influenciou o processo. “Quando isso acontece, é como se o Rebouças recebesse um carimbo: 'Agora você não precisa mais existir'. Então, esse caráter industrial é um caráter que começa a ser abandonado. Essas áreas, que eram ferroviárias, que ocupavam o Rebouças, são completamente desativadas e os ferroviários se deslocam dali. E essa área é esvaziada, criando uma grande mancha de vazios." Leia também: Ranking: Curitiba, Maringá e Fazenda Rio Grande foram cidades do Paraná com maior crescimento populacional em 12 anos, indica IBGE Segurança: Saiba quais são os 10 bairros de Curitiba com mais furtos e roubos em 2022 As indústrias do Rebouças migram para outras regiões, especialmente a Cidade Industrial de Curitiba (CIC), formalizada em 1972. A partir de então, além de perder indústrias, o bairro passa a perder também características visuais, de acordo com a pesquisadora. As paisagens tradicionais do bairro, antes marcadas por um estilo arquitetônico que misturava Art Déco e Modernismo, passaram a ser engolidas por outras construções. Um exemplo considerado emblemático pela professora é o da Matte Leão. A primeira fábrica da companhia ficava no Batel e produzia mais de dois milhões de quilos de erva-mate por ano, com 50 operários, conforme indica a pesquisa de Iaskara. Fundada em 1883, a fábrica chegou ao Rebouças em 1930 e, após mudar de sede e ter o terreno vendido em 2007, foi desativada em 2009. O prédio foi demolido em 2011, sem resistência, para dar lugar a um templo religioso. Arraste para o antes e depois: Instalações da fábrica da Matte Leão, inaugurada em 1930, e construção de templo religioso em 2017 onde era a indústria Initial plugin text Quem vive no bairro há anos consegue exemplificar bem como características históricas do Rebouças vem sendo apagadas. O engenheiro Sérgio Luiz Crema tem um envolvimento de quase 60 anos com o bairro. Desde a infância foi testemunha das transformações do local. Ao g1, o engenheiro relembrou quando via a chegada do trem pela região da Sete de Setembro, passando pela famosa Ponte Preta e parando na antiga estação. Ouça o depoimento dele abaixo: Engenheiro Sérgio Luiz Crema comenta conexão com o bairro Rebouças, em Curitiba A engenheira florestal Diacuy Fialho Crema, esposa de Sérgio, vive no Rebouças há quase 40 anos, tempo suficiente para também conseguir detalhar mudanças históricas na paisagem do bairro, incluindo a marcante demolição da Matte Leão. Ela também cita a remoção dos paralelepípedos, que também eram característicos do bairro. Ouça o depoimento dela abaixo: Diacuy Fialho Crema destaca 'charme' que bairro Rebouças tinha em Curitiba Resistência Na avaliação da pesquisadora Iaskara Florenzano, o Rebouças precisa de políticas afirmativas que garantam a manutenção da história fabril do bairro, importantes para a formação da capital. O tombamento, avalia ela, é uma inciativa necessária. Para ela, as ações em vigor não são suficientes e se resumem a poucos tombamentos e a Unidades de Interesse de Preservação (UIP). Ao g1, o Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (IPPUC) informou que o Rebouças tem quatro patrimônios tombados e ao menos 30 Unidades de Interesse de Preservação (UIP). Estudo de Iaskara indica que apenas quatro dentre as UIPs estavam sinalizadas pelo Poder Público como paisagem fabril. “Então, eu digo que o Rebouças, que tinha tanta atividade, tanta importância, passa por esse período de industrialização e desindustrialização, e fica destinado ao abandono, ao vazio. Abandono de políticas também. É uma área extremamente emblemática, mas nenhuma política deu conta dele até agora. Nenhuma política urbana", avaliou a pesquisadora. Confira, abaixo, os pontos de preservação no Rebouças: Edifício da Estação Ferroviária (1976) - tombado; Ponte Preta (1976) - tombado; Grupo Escolar Xavier da Silva (2012) - tombado; Ministério Público (2012) - tombado; Antiga Fábrica de Phósphoros de Segurança, antiga FIAT LUX - UIP; Antigo Moinho Unidos Brasil-Mate - UIP; Antigas Cervejarias Glória e Atlântica - UIP; Antiga administração Mate Leão Junior - UIP. Veja uma galeria de fotos da paisagem fabril que ainda resiste no Rebouças: Registro fabril do bairro Rebouças, em Curitiba (2012) Diacuy de M. Fialho Crema/Arquivo pessoal Registro fabril do bairro Rebouças, em Curitiba (2012) Diacuy de M. Fialho Crema/Arquivo pessoal Vista do bairro Rebouças, em Curitiba, em local onde estava fábrica da Matte Leão (2012) Diacuy de M. Fialho Crema/Arquivo pessoal Fábrica de fósforos Fiat Lux – Swedish Match do Brasil Arquivo pessoal/Iaskara Florenzano (2011) Registros do bairro Rebouças, em Curitiba (2012) Diacuy de M. Fialho Crema/Arquivo pessoal Moinho Paranaense, atualmente Moinho Rebouças, sede da Fundação Cultural de Curitiba Arquivo pessoal/Iaskara Florenzano (2011) Moinhos Unidos Brasil Mate S/A Arquivo pessoal/Iaskara Florenzano (2011) Ruínas do Moinho Graciosa Arquivo pessoal/Iaskara Florenzano (2011) 5º Batalhão de Suprimentos do Exército Brasileiro Arquivo pessoal/Iaskara Florenzano (2011) Colocação de trilhos e calçamento na atual Avenida Sete de Setembro e Praça Eufrásio Correia Reprodução/Iaskara Florenzano/Acervo Casa da Memória Vista do edifício da primeira usina termelétrica, 1901. Reprodução/Iaskara Florenzano/Acervo Casa da Memória Vídeos mais acessados do g1 PR: Veja mais notícias do estado em g1 Paraná.