Ponto 14

C.Vale é suspensa e não poderá enviar soja à China pelos próximos dois meses

A notificação foi recebida pelo Ministério da Agricultura do Brasil, que classificou o episódio como uma situação pontual

Por Bruno Rodrigo

C.Vale é suspensa e não poderá enviar soja à China pelos próximos dois meses Créditos: Foto: AEN

Na última semana a China suspendeu temporariamente, por dois meses, as importações de soja em grãos de cinco unidades de empresas brasileiras, incluindo a C.Vale Cooperativa Agroindustrial. A medida foi tomada após a Administração-Geral de Aduanas da China (GACC) detectar não conformidades em cargas provenientes do Brasil. Entre as irregularidades identificadas estavam grãos com revestimento de pesticidas e a presença de pragas quarentenárias. A decisão afeta também unidades de outras importantes empresas: ADM do Brasil, Cargill S.A., Terra Roxa Comércio de Cereais e Olam Brasil. No entanto, o caso da C.Vale ganha destaque pela relevância da cooperativa na região oeste do Paraná.

A notificação foi recebida pelo Ministério da Agricultura do Brasil, que classificou o episódio como uma situação pontual. Segundo o órgão, as exportações brasileiras para a China, maior mercado do agronegócio nacional, não serão significativamente afetadas. Em 2024, o Brasil exportou 73 milhões de toneladas de soja para o país asiático, volume que representa quase 70% das 98,81 milhões de toneladas exportadas no total. Em relação à suspensão, o ministério destacou que as medidas se limitam a cinco unidades específicas em um universo de mais de 1.700 estabelecimentos brasileiros habilitados para exportar soja para a China.

Segundo o secretário de Comércio e Relações Internacionais do Ministério da Agricultura, Luis Rua, a perspectiva é que as exportações dessas unidades sejam retomadas em dois meses. Esse período, de acordo com ele, é suficiente para que as empresas elaborem planos de ação, ajustem processos e enviem documentação comprobatória para a autorização dos chineses. Rua afirmou ainda que a situação é “natural” no contexto do comércio internacional e que demonstra a eficácia dos sistemas de controle sanitário de ambos os países.

“Quando ocorre algum carregamento com não conformidade, sempre se coloca uma lupa maior. É normal que aconteça, especialmente com o grande volume de exportações. Tanto o Brasil quanto a China vão reforçar os controles para evitar novos problemas”, explicou o secretário.

Para Vlamir Brandalizze, analista da Brandalizze Consulting, a medida adotada pela China tem também um caráter estratégico. Ele acredita que o país asiático deseja enviar um “recado” aos exportadores brasileiros.

“A China sabe que provavelmente terá alguma disputa comercial com os Estados Unidos. Mesmo que diminua a importação de soja americana, deixa claro que não vai aceitar mercadoria brasileira que não atenda aos padrões sanitários”, avaliou.

Apesar disso, Brandalizze considera que o impacto no mercado de soja será nulo, principalmente porque os meses de janeiro e fevereiro apresentam baixo volume de exportações brasileiras devido à safra ainda em colheita. O analista reforçou que o episódio deve servir como alerta para o setor, incentivando melhorias nos processos de monitoramento e certificação.

A C.Vale é uma das maiores cooperativas agroindustriais do Brasil, com expressiva participação no mercado de soja. A suspensão temporária de suas exportações para a China afeta não apenas a cooperativa, mas também a rede de produtores associados, em sua maioria pequenos e médios agricultores. Esses produtores dependem diretamente da comercialização internacional para garantir a rentabilidade de suas safras.

A medida também levanta preocupações em relação à competitividade brasileira no mercado global. A China é responsável por mais de 60% da soja embarcada no mundo, sendo o Brasil seu principal fornecedor. Qualquer interrupção, mesmo que localizada, pode influenciar o posicionamento do país no comércio internacional.

Em nota, o Ministério da Agricultura destacou que a fiscalização será intensificada para evitar novas ocorrências. As empresas afetadas estão elaborando planos de ação que serão submetidos à Secretaria de Defesa Agropecuária, responsável pela avaliação técnica. Em seguida, os documentos serão encaminhados às autoridades chinesas, com apoio dos adidos agrícolas em Pequim.

A suspensão das importações ocorre em um momento de atenção para o setor agropecuário brasileiro, especialmente devido às relações comerciais globais. A posse de Donald Trump nos Estados Unidos, por exemplo, pode resultar em novas dinâmicas entre Washington e Pequim, influenciando indiretamente o Brasil.

O episódio mostra a necessidade de reforçar os controles fitossanitários em todas as etapas da cadeia produtiva, desde o plantio até a exportação. Segundo especialistas, é crucial que o Brasil mantenha sua reputação como fornecedor confiável, principalmente em um mercado tão competitivo quanto o chinês.

Por outro lado, o setor produtivo brasileiro demonstra resiliência diante de desafios como esse. A capacidade de resposta rápida das empresas afetadas e o comprometimento com os ajustes necessários são indícios de que o Brasil continuará a atender às demandas do mercado internacional. Além disso, a adoção de medidas preventivas e o fortalecimento da fiscalização podem evitar problemas futuros.

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A China desempenha um papel central nas exportações de soja do Brasil, respondendo por cerca de 70% do total enviado ao exterior. Esse cenário, no entanto, pode ser influenciado por mudanças pontuais, com a recente suspensão temporária dessas unidades. Apesar disso, analistas do Itaú BBA e BTG Pactual acreditam que o impacto dessas medidas será limitado e de curta duração.

O Itaú BBA ressaltou que qualquer alteração significativa no fluxo comercial com a China teria repercussões importantes para o Brasil. A China tem utilizado sua presença dominante no mercado global para negociar condições comerciais mais favoráveis. "O cenário atual pode não ser o ideal para uma proibição generalizada de importações do Brasil, e qualquer medida pode ser abordada com cautela em meio a incertezas relacionadas a potenciais sanções no relacionamento comercial entre EUA e China", apontou o banco.

Essa estratégia de barganha também foi mencionada pelo BTG Pactual, que destacou que a proibição parece temporária. Segundo os analistas, seria improvável que a China reduzisse substancialmente as importações de soja brasileira a longo prazo sem comprometer o abastecimento de farelo de soja no mercado interno. O banco também sugeriu que a medida pode ser parte de uma estratégia geopolítica mais ampla para apaziguar os EUA em meio a tensões comerciais renovadas.

Outro ponto levantado pelo BTG foi o impacto das chuvas fortes nas primeiras semanas da colheita no Brasil. Esses eventos climáticos atrasaram o progresso da safra e podem ter afetado a qualidade da soja, contribuindo para problemas de contaminação. Contudo, os analistas observaram que a soja recentemente desembarcada nos portos chineses provavelmente é de exportações realizadas no ano passado, antes do início da nova safra.

"Essa situação é altamente dinâmica e pode impactar empresas do agronegócio, como produtores de grãos e companhias listadas em bolsa. No entanto, consideraríamos qualquer queda acentuada no mercado como uma oportunidade de compra", afirmaram analistas do BTG.

O Bradesco BBI lembrou que restrições similares ocorreram em 2004, quando a China suspendeu temporariamente 23 exportadores brasileiros após detectar sementes tratadas com fungicidas em remessas. Na ocasião, a proibição durou dois meses, mas foi seguida por uma recuperação rápida nas exportações.

Agora, o Ministério da Agricultura confirmou que as restrições atuais se aplicam apenas a unidades específicas das empresas envolvidas. Essa abordagem limitada reforça a percepção de que o impacto geral para o setor deve ser contido.