Casos de violência reacendem debate sobre modelo das escolas cívico-militares no Paraná
ADI no STF contesta leis que sustentam o modelo cívico-militar no Paraná
Por Da Redação

Uma série de episódios violentos registrados recentemente em escolas cívico-militares do Paraná reacendeu o debate sobre os impactos do modelo de gestão compartilhada entre civis e militares adotado pelo governo estadual desde 2020. Casos de agressões físicas, denúncias de tortura e relatos de assédio envolveram estudantes e funcionários da rede, levando educadores, especialistas e entidades de classe a questionar a eficácia da proposta, adotada hoje em mais de 300 colégios estaduais.
Na última semana, uma funcionária de uma escola cívico-militar em Londrina teve o braço fraturado ao tentar conter uma briga entre estudantes. Em Cascavel, vídeos de uma violenta agressão entre alunos circularam nas redes sociais e causaram revolta entre pais e responsáveis. Em Curitiba, dois irmãos foram agredidos dentro da escola sem que houvesse intervenção de monitores, e, na cidade da Lapa, três estudantes denunciaram supostas torturas físicas cometidas por militares que atuam no ambiente escolar.
Os episódios ganharam repercussão estadual e expuseram fissuras no modelo que, segundo o governo, visa proporcionar mais segurança e disciplina no ambiente escolar. Para os críticos, no entanto, o aumento das ocorrências aponta para a falência de uma política que privilegia o controle militar em detrimento de investimentos em educação, estrutura pedagógica e acolhimento socioemocional.
O programa de escolas cívico-militares foi implementado no Paraná em 2020, no governo de Ratinho Junior (PSD), e segue em expansão. A proposta prevê uma gestão compartilhada entre a direção escolar, responsável pela parte pedagógica, e militares da reserva, que assumem funções administrativas e disciplinares. Os monitores militares atuam na organização da rotina dos alunos, como entrada e saída, formação em fila, uso do uniforme, postura em sala de aula, entre outras obrigações.
A adesão ao modelo é feita por meio de consulta à comunidade escolar. No entanto, em diversas ocasiões, o processo foi alvo de denúncias de falta de transparência, sobretudo pela ausência de diálogo com professores e conselhos escolares. Atualmente, são mais de 300 escolas cívico-militares espalhadas por todo o estado, atendendo cerca de 160 mil alunos, segundo dados da Secretaria de Estado da Educação (Seed).
A atuação dos militares dentro das escolas tem gerado controvérsias. Além da abordagem punitiva, há uma crescente insatisfação com a diferença salarial entre os profissionais civis da educação e os monitores militares. Os militares da reserva que atuam nas escolas recebem uma gratificação de R$ 5.500 por mês, além da aposentadoria já garantida. O valor supera o piso salarial dos professores com jornada de 40 horas semanais (R$ 4.920,56) e é quase três vezes maior do que o salário inicial de agentes educacionais (R$ 1.955,04).
Para a APP-Sindicato, principal entidade que representa os trabalhadores da rede estadual, o modelo cívico-militar representa um desvio de finalidade da escola pública e uma ameaça à formação crítica e democrática dos estudantes. “O que está em curso é a tentativa de transformar a escola em um espaço de vigilância e repressão, em vez de um lugar de acolhimento e construção de cidadania”, afirma a entidade em nota.
Especialistas em educação também apontam problemas. A professora Merielle Camilo, doutora em Filosofia da Educação pela UFPR, afirma que a militarização compromete o desenvolvimento da autonomia dos alunos. Em sua tese de doutorado, ela defende que o modelo pode normalizar condutas autoritárias e reduzir o papel da escola como espaço de diversidade e diálogo.
Além disso, relatos de abusos por parte dos monitores têm se acumulado. Em fevereiro deste ano, uma aluna de Curitiba denunciou um monitor por assédio durante uma visita escolar ao zoológico da capital. Em Almirante Tamandaré, outro caso gerou indignação: um homem invadiu a escola e agrediu alunos e funcionários, mas os monitores não estavam presentes no momento da invasão.
Ação no supremo pede fim do modelo
Uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), ajuizada pelo Partido dos Trabalhadores (PT), pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) e pelo Partido Comunista do Brasil (PCdoB), pede a declaração de inconstitucionalidade da Lei 20.338/2020, que criou o Programa Colégios Cívico-Militares do Paraná, e do art. 1º, inciso VI, da Lei 18.590/2015, que proíbe a realização de eleições para escolha da direção nas escolas cívico-militares.
Em manifestação no processo, a Advocacia-Geral da União (AGU) considerou que o programa de escolas Cívico-Militares de Ratinho Jr. é inconstitucional. O parecer da AGU argumenta que os estados não podem instituir um modelo educacional que não esteja previsto na Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Além disso, o órgão ressalta que a Constituição Federal não prevê que militares possam exercer funções de ensino ou de apoio escolar.
A posição da AGU reforça o caráter inconstitucional do projeto, que vem sendo adotado por governadores(as) alinhados(as) à extrema-direita para agradar a base reacionária. O relator do caso no STF é o ministro Gilmar Mendes.
Caso o STF julgue inconstitucional, o parecer pode ter efeito em outros estados, como São Paulo, onde o modelo do Paraná também foi implantado. Em 2024, a Advocacia-Geral da União (AGU) enviou ao Supremo Tribunal Federal (STF) um parecer defendendo a inconstitucionalidade das escolas paulistas militarizadas. O modelo é alvo de ações protocoladas no STF pelo PT e PSOL, após a aprovação do projeto de Tarcísio de Freitas e Renato Feder.
Governo mantém defesa
Apesar das denúncias e críticas, o governo do Paraná segue defendendo a proposta. Em notas oficiais e declarações públicas, a Secretaria da Educação argumenta que as escolas cívico-militares têm apresentado melhores índices de desempenho, redução da evasão escolar e melhoria no ambiente disciplinar. A gestão estadual afirma ainda que os casos pontuais de violência estão sendo apurados e que os monitores não exercem atividades pedagógicas.
“A presença dos militares é um apoio à equipe gestora e contribui para a organização da escola. Todas as denúncias são tratadas com rigor e transparência”, diz a Seed.
Enquanto o debate se intensifica, educadores, pais e alunos seguem divididos entre os que veem no modelo uma solução para os desafios da educação pública e aqueles que enxergam nele um retrocesso perigoso para a liberdade, a diversidade e a construção de uma escola democrática.
