Bolsonaro nega tentativa de golpe e diz que reuniões com militares foram “informais” e “dentro da Constituição”
Durante o interrogatório pelo ministro Alexandre de Moraes, Bolsonaro rebateu pontos da denúncia da PGR, que o acusa de liderar trama para manter no poder
Por Da Redação

O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) negou, em depoimento ao Supremo Tribunal Federal (STF) nesta terça-feira (10), qualquer participação em tentativa de golpe de Estado ou ruptura institucional após as eleições de 2022. Réu em ação penal que apura uma suposta organização criminosa com atuação golpista, Bolsonaro afirmou que nunca incentivou atos antidemocráticos e que suas reuniões com militares após a derrota nas urnas foram informais e baseadas na Constituição.
Durante o interrogatório conduzido pelo ministro Alexandre de Moraes, Bolsonaro rebateu pontos da denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR), que o acusa de liderar uma trama para se manter no poder. A PGR o aponta como parte de um “núcleo crucial” da organização que atuou contra a ordem democrática.
"Não procede a acusação, Excelência", declarou Bolsonaro logo no início. Ele afirmou que as reuniões com os comandantes militares trataram de GLO (Garantia da Lei e da Ordem) e ocorreram “dentro da Constituição”. “Jamais houve qualquer proposta de ruptura”, disse. Segundo ele, buscou-se apenas discutir se havia “alguma hipótese de um dispositivo constitucional” aplicável diante da derrota. “Isso foi descartado na segunda reunião.”
Ele também negou qualquer mobilização para instaurar estado de sítio ou que tenha recebido ameaças de prisão por integrantes das Forças Armadas. “Em hipótese alguma [o então comandante da Marinha, almirante Garnier, colocou tropas à minha disposição]. Se nós fôssemos prosseguir com um estado de sítio, as medidas seriam outras. Missão ilegal não é cumprida. Em nenhum momento alguém me ameaçou de prisão.”
Sobre o ex-ministro da Defesa Paulo Sérgio Nogueira, Bolsonaro negou ter exigido um relatório crítico às urnas eletrônicas. “Jamais pressionei seja o ministro que for. Não houve pressão para fazer isso ou aquilo. O relatório dele contou com meu acordo.”
A declaração contrasta com o depoimento dado na véspera por Mauro Cid, ex-ajudante de ordens, que afirmou que Bolsonaro pediu um documento “duro” contra o sistema eleitoral. Bolsonaro voltou a criticar as urnas, afirmando que o modelo atual “carece de aperfeiçoamento” e é “inauditável”. “Se eu exagerei na retórica, devo ter exagerado. Mas o objetivo sempre foi mais uma camada de proteção para as eleições.”
Quando questionado por Moraes sobre os fundamentos para as alegações de fraude, respondeu que a desconfiança nas urnas não era exclusiva dele. “A desconfiança das urnas não é algo privativo meu”, disse, citando discursos antigos em defesa do voto impresso. “Batalhei muito por isso na Câmara.”
Ele também pediu desculpas ao ministro Moraes por uma declaração anterior em que afirmava que membros do TSE estariam recebendo dinheiro para manipular as eleições. “Não tem indício nenhum, senhor ministro. Era uma reunião para não ser gravada. Um desabafo, uma retórica. Me desculpe, não tinha qualquer intenção de acusar de desvio de conduta.”
Bolsonaro negou ter articulado ações para impedir o comparecimento de eleitores de Lula às urnas e disse não ter conhecimento de qualquer operação da Polícia Rodoviária Federal com esse objetivo. “Fiquei sabendo depois que nenhum eleitor deixou de votar.”
Sobre a chamada “minuta do golpe”, encontrada na casa do ex-ministro da Justiça, Anderson Torres, Bolsonaro disse rejeitar o termo. “Refuto qualquer possibilidade de falar de minuta de golpe, ou minuta que não esteja dentro da Constituição brasileira.”
Ele também negou qualquer plano para não reconhecer o resultado das eleições. “Tivemos que entubar o resultado das eleições”, afirmou. Sobre não passar a faixa presidencial a Lula, disse: “Eu não ia me submeter à maior vaia da história do Brasil.”
"Da minha parte, nunca se falou em golpe. Golpe é abominável. O golpe até seria fácil começar. O afterday é imprevisível e danoso para todo mundo. O Brasil não poderia passar por uma experiência dessa. Não foi sequer cogitada essa hipótese de golpe no meu governo", afirmou.
O ex-presidente comentou ainda o isolamento político após a derrota. “Conversei com militares, de forma isolada, para trocar informações sobre a conjuntura. Quando você perde uma eleição, é um vazio que o senhor não imagina.”
Ele ainda que tratou de temas como os protestos de caminhoneiros e a presença de apoiadores em frente a quartéis. “Tratamos de GLO e possibilidades dentro da Constituição, jamais saindo das quatro linhas”, ressaltou.
Sobre o episódio com o hacker Walter Delgatti, levado por Carla Zambelli para uma conversa com Bolsonaro, ele declarou: “Ela levou o hacker, não senti confiança nele, como de praxe encaminhei para a comissão de transparência eleitoral e nunca mais tive contato.”
Quanto à visita do ex-deputado Daniel Silveira e do senador Marcos do Val, confirmou que os recebeu, mas negou plano de espionagem. “Ouvi e despachei e, de repente, recebi um zap que respondi embaixo ‘coisa de maluco’ e nunca mais conversei.”
Segundo Moraes, o interrogatório representa momento de autodefesa, no qual o réu “apresenta sua versão dos fatos”. O ministro indeferiu pedido da defesa de Bolsonaro para exibir vídeos durante o depoimento, alegando que esse tipo de prova deve ser anexado previamente aos autos.
Antes da audiência, Bolsonaro afirmou que pretendia apresentar “11 ou 12 vídeos curtinhos” de discursos feitos durante o mandato, os quais comprovariam, segundo ele, que nunca houve tentativa de golpe. Disse ainda que poderia “falar por horas”, se tivesse liberdade.
Em tom descontraído, Bolsonaro chegou a brincar com Moraes, convidando-o para ser seu vice em 2026. “Posso fazer uma brincadeira?”, perguntou. Moraes respondeu: “O senhor quem sabe. Eu perguntaria aos seus advogados.” Bolsonaro, então, disse: “Gostaria de convidá-lo para ser vice em 26”. Moraes retrucou: “Eu declino novamente”. A troca arrancou risos no plenário.
