Engajamento desponta como um dos principais desafios para o mundo do trabalho
Criticada pela falta de comprometimento, geração Z aponta a urgência de uma transformação das relações trabalhistas
Por Da Redação

Em um mundo de relações trabalhistas cada vez mais instáveis, a questão do engajamento tornou-se a pauta do dia para a retenção de profissionais qualificados nas organizações, seja em posições que ainda funcionam sob o regime de vínculo empregatício, seja como colaboradores ou prestadores de serviço. Nesse contexto, ainda, a chamada geração Z – que abrange os nascidos entre a segunda metade dos anos 1990 e o início dos anos 2010 – tem provocado mudanças nas relações de trabalho.
Essas mudanças vêm sendo observadas por diferentes pesquisas, como a da empresa de auditoria e consultoria Deloitte, que realiza anualmente o estudo “GenZ e Millennial: Viver e trabalhar com propósito em um mundo em transformação”.
Em sua 13.ª edição, a pesquisa de 2024 contou com quase 23 mil respondentes em 44 países na Europa Ocidental, Europa Oriental, Oriente Médio, África, Ásia-Pacífico, América do Norte e América Latina, entre eles, o Brasil. Os resultados apontam que 86% da geração Z e 89% da millennial (geração nascida entre os anos 1980 e a primeira metade dos anos 1990) buscam um senso de propósito geral no trabalho. Mesmo reconhecendo o propósito como algo subjetivo, a pesquisa oferece pistas do que pode significar: para grande parte dos respondentes, está relacionado a trabalhar para uma organização que visa além do lucro e que procura causar um impacto positivo na sociedade, por exemplo.
Além disso, o balanço entre trabalho e vida pessoal surge como ponto fundamental para esses grupos. Para os millennials, amigos, família e trabalho estão bem à frente de atividades culturais, de lazer, exercícios e voluntariado. Para a geração Z, atividades culturais como ler, tocar ou ouvir música e assistir a espetáculos são classificadas em importância como quase iguais ao trabalho. Sobre a centralidade do trabalho, 46% dos millennials entendem que ele é crucial para a definição de sua identidade. Na geração Z, são 36%.
Em relação à saúde mental, a pesquisa aponta dois pontos: ansiedade e estresse. Dos entrevistados, 40% da geração Z e 35% dos millennials relatam que se sentem estressados o tempo todo ou na maior parte dele. Futuro financeiro de longo prazo (50% da geração Z e 47% dos millennials), saúde e bem-estar de suas famílias (46% da geração Z e 43% dos millennials) e finanças cotidianas (45% da geração Z e 43% dos millennials) são apontados como os principais fatores que contribuem para seus níveis de estresse.
Cerca de um terço dos entrevistados que se sentem regularmente estressados ou ansiosos afirma que seus empregos (36% da geração Z e 33% dos millennials) e desequilíbrio entre vida pessoal e profissional (34% da geração Z e 30% dos millennials) contribuem muito para isso. Como fatores estressantes no trabalho, apontam a falta de reconhecimento, as longas jornadas, a falta de tempo suficiente para realizar as tarefas e a falta de controle sobre como ou onde trabalhar.
Com base também nas suas edições anteriores, a pesquisa conclui que, em um mundo de transformações, a força de trabalho precisa se sentir, e de fato ser, apoiada. “O que está sendo pedido pelas gerações millennial e Z é, na verdade, o que a maioria das pessoas, independentemente da idade, provavelmente deseje: trabalho significativo em organizações com propósito, flexibilidade para equilibrar trabalho e prioridades pessoais, locais acolhedores que promovam melhor saúde mental, oportunidades para continuar aprendendo e crescendo em suas carreiras e remuneração e benefícios competitivos”, sinaliza o relatório. Essas questões estão profundamente ligadas à ideia tanto de engajamento quanto de felicidade no trabalho.
Nova geração, outras prioridades?
Claudia Eccel Alvim é professora da Escola de Administração da UFRGS. Entre suas áreas de pesquisa estão subjetividade, comportamento organizacional e saúde mental e trabalho. Ela explica que, para se entender a questão geracional, primeiro é necessário compreender o conceito de “juventudes”, no plural, bem como reconhecer a existência da diversidade de formas de viver a transição entre a infância e a vida adulta. “Embora a idade seja um marcador social, a vivência juvenil vai além da faixa etária, sendo influenciada por fatores culturais, sociais, econômicos e educacionais, além de gênero e raça”, salienta.
Alvim destaca que a geração Z – para além da questão de ter nascido em um mundo em que a tecnologia tem papel relevante e está presente em diversas instâncias da vida cotidiana – viveu seus momentos formativos durante a pandemia de covid-19. Isso acarretou marcas profundas em sua visão de mundo e intensificou sentimentos de insegurança, valorização da saúde mental e busca por sentido e estabilidade na vida profissional.
“As vivências e expectativas da geração Z em relação ao trabalho tomam formas distintas das anteriores. O discurso sobre ‘descomprometimento’ costuma surgir a partir do olhar das gerações anteriores sobre as mais novas, refletindo diferentes visões, expectativas e valores relacionados ao trabalho. As novas gerações tendem a ser questionadas nesse quesito por desafiar os padrões”
Claudia Eccel Alvim
A pesquisadora reflete que não se trata necessariamente de uma falta de responsabilidade, mas de uma redefinição dos critérios de engajamento, com ênfase na relevância, no bem-estar e no alinhamento ético com o trabalho. Para ela, é relevante entender, desde a perspectiva das juventudes, como as novas gerações se veem no mundo do trabalho e quais são suas prioridades.
Alvim também chama a atenção para dados de pesquisas sociais que mostram que os jovens de hoje enfrentam as maiores taxas de desemprego, independentemente de escolaridade, o que os torna um grupo em situação de vulnerabilidade. “A falta de experiência profissional, a frequente baixa qualificação e a crescente precarização do trabalho estão entre os principais desafios enfrentados por quem tenta ingressar no mercado”, afirma.
Engajamento, questão complexa em um mundo em transformação
A também pesquisadora e professora da Escola de Administração da UFRGS Gabriele Domeneghini Mercali explica que, na abordagem da psicologia positiva de Wilmar Schaufeli, o conceito “engajamento no trabalho” pode ser entendido a partir de dois fatores: os recursos pessoais internos e o ambiente organizacional, em uma perspectiva de satisfação em uma ponta e de burnout na outra.
Mercali coloca o ambiente organizacional como extremamente importante neste contexto, porque é a partir dele que os recursos internos são mobilizados e alimentados. Ou seja, a identificação com o propósito de onde se está e do que se faz está diretamente ligada ao engajamento e à felicidade no trabalho. No entanto, enfatiza a pesquisadora, não podem ser deixadas de lado as questões sociais que permeiam essa relação.
“Grande parte da população brasileira não conseguirá se colocar no trabalho que almeja, com o qual sonha. Mesmo assim, vai ter que sobreviver, vai ter que trabalhar nessa função e nesse local mais do que gostaria, vai ter que passar muito tempo no trânsito, atravessar a cidade no transporte público. Então, torna-se muito mais difícil conseguir essa identificação”
Gabriele Domeneghini Mercali
A pesquisadora destaca que, com a progressiva automatização e digitalização do trabalho, os melhores postos acabam disponíveis para trabalhadores com qualificações cada vez mais específicas, o que relega grande parte da população a empregos periféricos. Ela também destaca que a inserção da inteligência artificial torna o futuro do mundo do trabalho ainda mais difícil de ser prognosticado.
Os impactos da reforma trabalhista de 2017, a flexibilização das relações e a crescente precarização também interferem na possibilidade de prever com mais acerto o que ocorrerá no futuro próximo. “Ao mesmo tempo, temos a consolidação de condições como o trabalho temporário e o trabalho intermitente. São mudanças muito intensas em um curto período e que causam muita angústia. Precisamos entender aonde isso vai nos levar”, conclui.
Uma medida da satisfação
Apesar de subjetivos, a satisfação e o engajamento no trabalho podem ser mensurados e melhorados por meio de pesquisas de clima organizacional. Elas são instrumentos para identificar como o ambiente organizacional é percebido. “O clima pode ser descrito como as impressões gerais ou percepções dos empregados em relação ao seu ambiente de trabalho. A satisfação dos respondentes reflete a singularidade das percepções de pessoas que compartilham de uma realidade organizacional”, explica Claudia Alvim.
Essas pesquisas geralmente incluem diversas dimensões, como condições de trabalho, práticas de gestão, atuação das lideranças, confiança, comunicação interna, autonomia, clareza da estratégia e dos objetivos organizacionais, reconhecimento e valorização, oportunidades de desenvolvimento e de crescimento, remuneração, benefícios, relacionamento interpessoal, cooperação e identificação com a organização. Seus resultados oferecem dados para identificar os fatores que geram insatisfação entre os trabalhadores e dão subsídios para a proposição de melhorias.
Claudia salienta que, para que cumpram efetivamente seu objetivo, é fundamental que os resultados sejam apresentados e discutidos com a gestão e com os trabalhadores, garantindo o anonimato das respostas e a confidencialidade dos participantes.
“A partir dessa devolutiva, é importante envolver as equipes na definição das prioridades de ação, com o apoio e o comprometimento efetivo da alta liderança. Sem esse engajamento, as pesquisas de clima correm o risco de se converterem em meros rituais formais e serem desacreditadas pelos trabalhadores”
Claudia Alvim
Com o objetivo de ouvir os servidores em relação a aspectos fundamentais para o bem-estar, o engajamento e a satisfação no trabalho, a UFRGS realizou em 2023 sua primeira pesquisa de clima e engajamento organizacional.
O instrumento usado na pesquisa foi construído coletivamente pelo Grupo de Trabalho Gestão por Competências, formado por formado por servidores que atuam em setores da Pró-reitoria de Gestão de Pessoas (Progesp), do Campus Litoral Norte, da Escola de Administração, da Escola de Engenharia e do Centro de Processamento de Dados. Ele foi validado pelas divisões de Ingresso, Mobilidade e Acompanhamento e de Promoção à Saúde da Progesp, pelo Grupo de Trabalho de Clima Organizacional do Câmpus Litoral Norte, pelo Núcleo AMPARE – Assédio Moral, pelas comissões Permanente de Pessoal Docente e de Ética e pela Ouvidoria da Universidade.
O diagnóstico dos resultados foi apresentado para a Reitoria no início deste ano. Além disso, desde março estão sendo enviadas comunicações aos servidores com achados da pesquisa. Os relatórios dinâmicos por carreira e por Unidade também podem ser acessados no Portal do Servidor. Nessa primeira edição, foram consultados docentes e técnicos. Para as próximas, a Progesp planeja incluir bolsistas administrativos e trabalhadores terceirizados.
Clima organizacional na UFRGS: potencialidades e pontos fracos
Conforme a coordenadora do Grupo de Trabalho Gestão por Competências, Cristiane Basso, alguns dos aspectos positivos evidenciados pela pesquisa foram a autonomia (ou seja, fazer gestão de seu trabalho de acordo com as responsabilidades), o bom relacionamento interpessoal com colegas e chefias, especialmente na percepção dos técnicos, e o reconhecimento e a valorização do trabalho realizado por colegas e pelas chefias.
“Valorizar o que temos de positivo e identificar o que precisa ser melhorado é sinal de maturidade e avanço institucional. Há aspectos positivos no contexto de trabalho que são potencialidades a celebrar, mas há também áreas críticas, pontos de atenção e melhorias que precisam ser enfrentadas para se promoverem contextos de trabalho mais saudáveis, justos e engajadores na Universidade”
Cristiane Basso
Quanto aos pontos de atenção, a análise dos resultados revela a necessidade de uma maior valorização e reconhecimento do trabalho pela Universidade e sociedade. Além disso, demonstra uma demanda por mais ações de integração e espaços de convivência, de melhorias da comunicação institucional e intersetorial, da necessidade de políticas e ações institucionais sobre diversidade, equidade e inclusão.
Os resultados também apontam diferenças no contexto de trabalho dos docentes, com menores percepções sobre as relações com os colegas de trabalho, a organização dos processos de trabalho e o compartilhamento de informações necessárias para a realização das atividades. “Esses são pontos de atenção para pensarmos em ações de acordo com as necessidades de cada carreira”, afirma Cristiane.
Em relação ao engajamento no trabalho, a pesquisa indica que os servidores no geral apresentaram baixos níveis de engajamento, com exceção para as e os docentes em início da carreira, na faixa etária dos 29 aos 39 anos. Já os docentes com mais de 40 anos de idade e os técnicos apresentaram baixos níveis de engajamento no trabalho.
“Na análise dos comentários, surgiram temas novos ou percepções diferentes. Entre eles, a ineficácia ou inexistência de ações para enfrentar o assédio, o excesso de burocracia, os problemas de infraestrutura, o déficit de pessoal e a sobrecarga de trabalho, os impactos e desafios do teletrabalho e a percepção de desigualdades no tratamento entre as carreiras”
Cristiane Basso
Com longa trajetória como servidor técnico na UFRGS, o pró-reitor de Gestão de Pessoas, Arthur Gustavo dos Santos Bloise, reconhece que alguns gargalos que dependem de instâncias maiores também influenciam o engajamento, como a defasagem salarial e a necessidade de recursos para a melhoria da infraestrutura, por exemplo.
Ele entende que, mesmo quando se considera a estabilidade proporcionada pelo serviço público, a busca por salários melhores exerce algum impacto, fazendo com que muitos servidores busquem outros concursos com benefícios mais vantajosos. No entanto, reflete que os profissionais que acabam se recolocando em novas instituições nem sempre encontram um clima organizacional satisfatório. Nesse sentido, defende que, para que sejam mantidos qualificados os servidores, analisar e melhorar a realidade de trabalho é essencial.
“Considerar diagnósticos é um canal de escuta importante. Somos mais de 5 mil servidores, mais bolsistas e terceirizados que compõem a força de trabalho na Universidade. Esta é a primeira vez que temos esses dados. A inovação da pesquisa está justamente em realizarmos ações a partir da percepção concreta das e dos servidores, mas também há o desafio de as Unidades pensarem em ações locais”
Arthur Bloise
Arthur considera o desenvolvimento de gestores um dos caminhos para uma cultura mais satisfatória no ambiente de trabalho da Universidade. “O gestor tem um impacto muito grande nas equipes e nos ambientes laborais. Nesse sentido, o Programa de Desenvolvimento de Gestores (PDG) é nosso aliado para subsidiar e pensar em ações mais específicas, repercutindo no bem-estar e na felicidade do ambiente todo de trabalho”, afirma.
Créditos: Jornal da UFRGS