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CRM afirma que médicos devem priorizar particulares

Prática gera debate sobre acesso e desigualdade no atendimento médico

Por Gabriel Porta Martins

CRM afirma que médicos devem priorizar particulares Créditos: Pixabay

O Conselho Regional de Medicina do Paraná (CRM-PR) emitiu um parecer defendendo a legitimidade da separação de datas para o atendimento de pacientes particulares e aqueles vinculados a planos de saúde. De acordo com o documento, “não se caracteriza como discriminatória a organização da agenda médica com horários, períodos ou dias específicos para atender pacientes de diferentes vínculos, como particulares, diversos convênios ou atendimentos pro bono”. O parecerista Carlos Felipe Tapia Carreño reforçou que a existência de estabelecimentos separados para esses grupos também não deve ser vista como prática discriminatória.
O assunto gera controvérsia, já que pacientes de convênios enfrentam tempos de espera mais longos em comparação com aqueles que pagam por atendimento particular. No Rio de Janeiro, uma lei estadual proíbe esse tipo de tratamento diferenciado desde 2020. O parecer do CRM-PR, por sua vez, se alinha a um documento semelhante do Conselho Regional de Medicina de São Paulo (17367/1999).
Para os usuários de planos de saúde, a decisão não impacta os prazos definidos pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Segundo as normas da ANS, os beneficiários têm direito a atendimento na rede conveniada dentro de prazos específicos: sete dias úteis para consultas básicas (como pediatria, clínica médica, cirurgia geral, ginecologia e obstetrícia) e 14 dias úteis para outras especialidades. No entanto, em 2020, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que o reembolso de consultas particulares só é permitido em situações excepcionais, como a falta de atendimento de urgência e emergência ou a indisponibilidade de profissionais indicados pelo plano.

Casos
Um caso que ganhou destaque no final de 2024 ilustra a questão: um paciente com uma alergia cutânea repentina tentou agendar uma consulta com um dermatologista e descobriu que, pelo plano de saúde, a espera poderia levar meses, enquanto o atendimento particular estava disponível em poucos dias. Esse cenário não se restringe à dermatologia, mas também afeta outras especialidades, como ginecologia e reumatologia, tornando cada vez mais difícil para os pacientes agendarem consultas com médicos de confiança por meio de planos de saúde.
A advogada Roseli Luft compartilhou sua experiência com o repórter da Gazeta, Alexandre Barea, que foi às ruas para ouvir a opinião da população sobre o tema. Ela relatou que, no ano passado, precisou desembolsar R$ 1.000 para pagar duas consultas particulares, já que, pelo seu plano da Unimed, só conseguiria ser atendida em fevereiro deste ano. "Isso aconteceu porque sofri um acidente e precisava de atendimento imediato em julho", explicou. Luft refletiu sobre a necessidade de fazer uma análise detalhada dos custos e benefícios dos planos de saúde e se vale a pena continuar pagando por um plano. "Estou pensando seriamente em guardar o valor da mensalidade mensalmente para poder ter acesso a atendimentos particulares, já que os planos de saúde estão cada vez mais complicados", afirmou.
Emerson Pereira, empresário, destacou que, apesar dos altos custos e dos reajustes anuais, ainda acredita que vale a pena manter o plano, especialmente por questões de emergência. "Eu tenho plano de saúde para mim e para minha família, e pagamos caro por isso. Todo ano o valor é corrigido, e mesmo assim, quando precisamos marcar uma consulta, a disponibilidade é só daqui a 3, 4, 5 ou até 6 meses. Por isso, é preciso se planejar com bastante antecedência", relatou.
Questionado se ainda vale a pena pagar por um plano de saúde, Emerson foi enfático: "Eu acredito que sim. Ainda vale, principalmente pelo pronto-socorro". Ele citou um caso recente envolvendo seu sogro, que não tem plano de saúde e precisou ser atendido no Hospital Universitário (HU). "Ele já tem uma idade avançada e ficou praticamente jogado num canto, esperando quase a noite inteira. Foi ali que percebi como é importante ter um plano de saúde, pelo menos em situações de emergência", explicou.
O empresário também comentou sobre a lotação do HU, destacando a sensação de abandono que muitos pacientes enfrentam. "Quando você passa pelos corredores do HU, vê que está cheio de gente. Não sei se são apenas pessoas da região, mas a impressão que dá é que o local está sobrecarregado. Não temos os dados exatos, mas é o que aparenta", concluiu Emerson, reforçando a importância de um plano de saúde para garantir um atendimento mais ágil e digno em momentos críticos.

Lei
No Paraná, o Projeto de Lei 195/2016, que tramitou na Assembleia Legislativa, buscava proibir a priorização de pacientes particulares na marcação de consultas ou exames por parte de profissionais e estabelecimentos credenciados a planos de saúde. A proposta visava coibir a diferenciação entre pacientes cobertos por planos de saúde e aqueles que pagam por procedimentos com recursos próprios. Apesar de aprovado em terceiro turno, o projeto foi arquivado em 2019 e não se tornou lei. Em 2021, um novo projeto sobre o tema, de autoria dos deputados Claudio Romanelli e Alexandre Curi (Proposição 437/2021), foi apresentado e ainda está em tramitação.
No Rio de Janeiro, a diferenciação de atendimento entre pacientes particulares e aqueles com planos de saúde foi proibida pela Lei 8.720/2020. A legislação determina que os atendimentos devem priorizar casos de emergência, idosos acima de 60 anos, gestantes, lactantes e crianças de até cinco anos. O CRM-PR, por sua vez, manifestou-se contra o Projeto de Lei 437/2021. Em agosto do ano passado, o conselho emitiu uma nota repudiando a proposta, argumentando que ela restringe de forma inaceitável a autonomia do médico em gerenciar sua própria agenda. “A proposta, que tramita na Comissão de Constituição e Justiça da Assembleia Legislativa do Paraná (ALEP), é claramente inconstitucional, pois viola a liberdade dos profissionais de organizar seu trabalho, impactando negativamente a relação médico-paciente e a qualidade do atendimento à saúde”, afirmou o CRM-PR.
A Gazeta entrou em contato com a assessoria da Ordem dos Advogados do Brasil, subseção de Cascavel (OAB), com o objetivo de entrevistar um representante da Comissão de Direito Médico da entidade. A intenção é trazer uma perspectiva técnica e jurídica qualificada sobre o tema em discussão.

Prazo máximo 
De acordo com a Agência Nacional de Saúde (ANS), os beneficiários dos planos de saúde devem ser atendidos em prazo máximo estabelecido em lei, após cumprimento do prazo de carência. Veja a seguir os prazos estabelecidos, de acordo com o tipo de atendimento:
Consulta básica – pediatria, clínica médica, cirurgia geral, ginecologia e obstetrícia: em até 7 (sete) dias úteis;
Consulta nas demais especialidades médicas: em até 14 (catorze) dias úteis;
Consulta/sessão com fonoaudiólogo, nutricionista, psicólogo: em até 10 (dez) dias úteis;
Consulta/sessão com terapeuta ocupacional: em até 10 (dez) dias úteis;
Consulta/sessão com fisioterapeuta: em até 10 (dez) dias úteis;
Serviços de diagnóstico por laboratório de análises clínicas em regime ambulatorial: em até 3 (três) dias úteis;
Demais serviços de diagnóstico e terapia em regime ambulatorial: em até 10 (dez) dias úteis;
Procedimentos de alta complexidade – PAC: em até 21 (vinte e um) dias úteis;
Atendimento em regime de hospital-dia: em até 10 (dez) dias úteis;
Atendimento em regime de internação eletiva: em até 21 (vinte e um) dias úteis;
Urgência e emergência: imediato.