Ao pedir “cautela” na investigação da fraude do INSS, Lula é acusado de interferência na PF
Presidente afirmou que determinou “cautela” à PF e à CGU para evitar punições precipitadas contra sindicatos e associações que receberam repasses mediante descontos indevidos
Por Da Redação

Uma declaração do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sobre a condução da investigação da chamada “Fraude do INSS” gerou forte reação no Congresso Nacional e acendeu um novo debate sobre possível crime de responsabilidade. Parlamentares da oposição afirmam que o presidente teria interferido indevidamente no trabalho da Polícia Federal (PF) e da Controladoria-Geral da União (CGU), ao declarar que pediu “muita cautela” na apuração de entidades sindicais suspeitas de envolvimento no esquema que lesou milhões de aposentados e pensionistas.
A declaração foi dada na semana passada, durante entrevista coletiva no Palácio do Planalto, pouco antes de Lula embarcar para compromissos internacionais na Europa. Na ocasião, o presidente afirmou que determinou “cautela” à PF e à CGU para evitar punições precipitadas contra sindicatos e associações que receberam repasses mediante descontos indevidos aplicados diretamente na folha de pagamento do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).
“Não queremos punir nenhuma entidade de forma precipitada, por isso a cautela, que eu disse à CGU, que eu disse à Polícia Federal: muita cautela para a gente não levar uma pessoa a ser crucificada e depois a gente não pedir desculpa”, afirmou Lula. O presidente reforçou que o governo dará tempo para que as entidades apresentem provas da legalidade das autorizações de desconto. “Se ela não cometeu nenhum erro, não tem que pagar o preço. Mas as outras terão que pagar o preço”, concluiu.
Reação da oposição
As falas do presidente não passaram despercebidas. Para líderes da oposição, o conteúdo pode configurar ingerência sobre órgãos de investigação e, por isso, ser enquadrado como crime de responsabilidade, conduta passível de abertura de processo de impeachment, conforme previsto na Constituição.
Deputados federais e senadores já articulam a apresentação de requerimentos pedindo explicações ao governo, além de uma possível denúncia formal ao Supremo Tribunal Federal (STF) e à Procuradoria-Geral da República (PGR). Entre os argumentos, está a percepção de que o presidente tentou “proteger” determinadas entidades ligadas à sua base de apoio político, especialmente sindicatos historicamente próximos ao Partido dos Trabalhadores.
A suspeita se liga ao fato de algumas das entidades beneficiadas no esquema possuírem vínculos diretos com pessoas próximas a Lula. Entre elas, está o Sindicato dos Aposentados e Idosos da Força Sindical, cujo vice-presidente é Frei Chico, irmão do presidente. Outra organização citada é a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), que teria movimentado cerca de R$ 3,6 bilhões. A entidade tem ligação com o deputado Carlos Veras (PT-PE), também irmão de um de seus dirigentes. Já o Sindinapi, que teria recebido R$ 259 milhões, é controlado por Milton Cavalo, figura ligada ao PDT e ao Ministério da Previdência.
A justificativa do governo
Apesar da pressão, o governo afirma que não houve tentativa de interferência. Segundo o governo, a intenção foi apenas garantir o direito à ampla defesa e à presunção da inocência. Foi reiterado que qualquer entidade que não provar a autorização legal para os descontos será responsabilizada e que os culpados serão punidos de acordo com o devido processo legal.
“O que nós estamos dando é um tempo das pessoas provarem se estão certas ou erradas. As investigações continuam, e essas pessoas serão punidas”, garantiu o presidente. Ele também destacou que “não é o presidente da República que manda prender, é a Justiça que manda prender”.
A Controladoria-Geral da União, a Polícia Federal, a Advocacia-Geral da União (AGU) e o Ministério Público Federal (MPF) compõem o grupo responsável por conduzir as investigações e o processo de ressarcimento aos prejudicados. O governo espera concluir a devolução dos valores até o final de 2025. Segundo dados preliminares, entre março de 2020 e abril de 2025, foram descontados cerca de R$ 5,9 bilhões de mais de 9 milhões de beneficiários do INSS — muitos dos quais não teriam autorizado tais descontos.
Análise jurídica e próximos passos
Especialistas em direito público e constitucional ouvidos pela imprensa divergem sobre a gravidade da fala de Lula. Alguns avaliam que a simples recomendação de cautela, ainda que politicamente questionável, não configura por si só um crime de responsabilidade.
Outros apontam que, ao sugerir prudência no tratamento de entidades que podem ter cometido ilícitos, o presidente corre o risco de caracterizar abuso de poder, sobretudo se houver comprovação de que isso retardou ou direcionou o andamento das investigações.
Na Câmara dos Deputados, integrantes da oposição já começaram a redigir uma representação formal. Segundo fontes, o documento deve ser protocolado nos próximos dias e incluirá também um pedido de informações ao ministro da Justiça e ao diretor-geral da PF, buscando esclarecer se houve orientação do Planalto para mudanças no ritmo das apurações.
A fraude
A investigação, deflagrada por meio de uma operação conjunta entre PF e CGU, revelou um esquema fraudulento envolvendo descontos indevidos aplicados diretamente nos benefícios de aposentados e pensionistas do INSS. A cobrança era feita sob o pretexto de mensalidades associativas em nome de sindicatos e entidades, muitas vezes sem autorização dos titulares.
Diante da repercussão, o governo suspendeu novos repasses e iniciou um pente-fino nas autorizações. Além disso, discute a possibilidade de proibir, de forma definitiva, a prática de desconto direto em folha por essas entidades. A CGU informou que o número de denúncias aumentou expressivamente entre 2017 e 2019, mas que o volume de entidades suspeitas cresceu principalmente a partir de 2019.
