Ponto 14

Solução de Mendes e a crise no Oeste do Paraná: fim dos conflitos ou aprofundamento das tensões?

Na proposta de Mendes, elaborada a partir dos debates no Supremo Tribunal Federal, a ideia seria a de realocar comunidades indígenas para áreas “equivalentes” às suas terras tradicionais, em casos de “absoluta impossibilidade da demarcação"

Por Gazeta do Paraná

Solução de Mendes e a crise no Oeste do Paraná: fim dos conflitos ou aprofundamento das tensões? Créditos: Marcelo Camargo/EBC

A proposta apresentada pelo ministro Gilmar Mendes, que prevê a “compensação territorial” para comunidades indígenas em situações de conflito pré-demarcação, vem gerando intensos debates e inquietações, sobretudo no oeste do Paraná, onde as disputas por terra se intensificam há meses. Em meio a episódios violentos e à presença prolongada da Força Nacional na Terra Indígena Tekoha Guasu Guavira, a medida levanta dúvidas sobre sua eficácia para resolver as tensões históricas entre indígenas e produtores rurais.

Na proposta de Mendes, elaborada a partir dos debates no Supremo Tribunal Federal, a ideia seria a de realocar comunidades indígenas para áreas “equivalentes” às suas terras tradicionais, em casos de “absoluta impossibilidade da demarcação” e para garantir a chamada “paz social”. No entanto, críticos apontam que o mecanismo, embora apresentado como uma forma de conciliação, pode representar uma remoção forçada de povos originários, afrontando preceitos constitucionais que garantem o direito dos indígenas à permanência em seus territórios históricos. Para os especialistas, o uso de termos vagos como “impossibilidade de demarcação” e “paz social” abre margem para interpretações que podem favorecer interesses de setores ligados ao agronegócio e à invasão de terras.

No oeste do Paraná, a situação já se mostra crítica. A Terra Indígena Tekoha Guasu Guavira tem sido palco de confrontos violentos entre os Avá-Guarani e produtores rurais, que se acusam mutuamente de invasões e ataques. Enquanto líderes indígenas denunciam que grupos armados – supostamente organizados por fazendeiros – vêm tentando impedir a retomada dos territórios tradicionais, os agricultores afirmam que a presença de indígenas nas áreas supostamente destinadas à produção tem causado prejuízos econômicos e insegurança para suas famílias. Essa escalada de violência levou o ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, a prorrogar por mais 90 dias a atuação da Força Nacional na região, medida que, segundo as autoridades, visa conter os ataques e restaurar a ordem, embora os resultados sejam controversos.

A extensão da presença da Força Nacional não trouxe a tão esperada estabilidade. Relatos de ataques e invasões persistem, demonstrando que o aumento do efetivo militar se revela, até o momento, como um paliativo. Enquanto as autoridades tentam, de forma emergencial, garantir a segurança tanto dos povos indígenas quanto dos produtores rurais, a regularização fundiária e o reconhecimento dos territórios continuam indefinidos. A revogação do Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação (RCID) da Terra Indígena em 2023 intensificou a disputa, reabrindo feridas e ampliando a sensação de insegurança jurídica em ambas as partes.

A proposta de compensação territorial de Mendes, nesse contexto, surge como um ponto de interrogação. Para muitos, ela representa uma tentativa de “equilibrar” interesses divergentes, mas, na prática, pode significar a flexibilização de garantias históricas dos povos indígenas em prol de uma suposta paz social. Especialistas em direito indígena ressaltam que a Constituição de 1988 é clara ao proibir a remoção de comunidades indígenas, salvo em condições excepcionais – como catástrofes ou situações de guerra – e com retorno imediato assim que a ameaça cesse. Assim, o temor é que a medida acabe abrindo precedentes perigosos, permitindo que, sob o pretexto de prevenir conflitos, direitos fundamentais sejam comprometidos.

Em meio a esse cenário de tensão, tanto líderes indígenas quanto representantes do setor rural clamam por soluções que não se restrinjam à presença militar ou à tentativa de realocação. O diálogo e a busca por alternativas que respeitem a história e a identidade dos povos originários, ao mesmo tempo em que garantam segurança jurídica e proteção à propriedade rural, parecem ser caminhos urgentes, mas ainda distantes. A ausência de critérios claros e de uma definição precisa sobre o que se entende por “paz social” e “impossibilidade de demarcação” torna a proposta ainda mais controversa.

Enquanto o debate se intensifica nos corredores do STF e nas ruas do oeste paranaense, a proposta de Gilmar Mendes continua a dividir opiniões. Para os produtores rurais, ela pode ser vista como uma tentativa de “solução” para um problema que afeta diretamente suas atividades econômicas, mas para os indígenas, é uma ameaça à garantia de seus direitos e à manutenção de sua cultura e identidade. A verdade é que a região vive um impasse que reflete a complexidade das questões fundiárias brasileiras – um desafio que demanda mais do que medidas emergenciais, exigindo uma política de Estado que combine respeito aos direitos humanos, à justiça social e ao desenvolvimento sustentável.

O futuro do oeste do Paraná, marcado por uma violência que já se arrasta há meses, dependerá da capacidade do governo de articular um diálogo efetivo entre os diversos atores envolvidos. Enquanto a Força Nacional permanece no território, a sociedade civil e os especialistas acompanham com atenção os desdobramentos da proposta de compensação territorial, na esperança de que ela não se converta em mais um capítulo de insegurança e violações dos direitos.

Créditos: Redação com agências