Abin projeta riscos para 2026 e alerta para ameaças eleitorais, digitais e geopolíticas
Relatório identifica desafios ligados à segurança do pleito, impactos da IA, dependência tecnológica, clima extremo e reconfiguração global
Por Da Redação
Créditos: Antônio Cruz/Agência Brasil
Nem tudo é sigiloso no trabalho de quem lida com informações sensíveis para o Estado brasileiro. A Agência Brasileira de Inteligência (Abin) divulgou, nesta terça-feira (2), a publicação Desafios de Inteligência - Edição 2026, documento que reúne os principais riscos previstos para o próximo ano e orientará o planejamento estratégico da instituição. A iniciativa, segundo o órgão, reforça um compromisso de transparência ao oferecer subsídios para decisões da Presidência da República e para a formulação de políticas públicas em setores estratégicos.
Entre os temas centrais do relatório estão a segurança do processo eleitoral e o avanço de ataques cibernéticos com uso de inteligência artificial. Em 2026, o país terá eleições gerais, cenário que, para a Abin, amplia ameaças “complexas e multifacetadas”, sobretudo ligadas à tentativa de deslegitimar instituições democráticas, à disseminação de desinformação em larga escala e ao risco de interferência externa. O documento menciona também a crescente influência do crime organizado em territórios sob seu domínio, o que pode afetar a integridade do pleito.
“Adicionalmente, a integridade do pleito é desafiada pela crescente influência do crime organizado em territórios sob sua influência e pelo risco de interferência externa voltada a desestabilizar o processo eleitoral e favorecer interesses geopolíticos estrangeiros”, diz o documento.
Elaborado em cooperação com especialistas de universidades, centros de pesquisa e órgãos governamentais, o relatório identifica cinco desafios prioritários: segurança no processo eleitoral; transição para a criptografia pós-quântica; ataques cibernéticos autônomos impulsionados por IA; reconfiguração das cadeias globais de suprimentos; e dependência tecnológica, incluindo o avanço de atores não estatais que disputam poder informacional. A publicação sucede a edição anterior, que havia destacado impactos da crise climática, transformações demográficas e aceleração da corrida tecnológica.
Durante a apresentação, o diretor-geral da Abin, Luiz Fernando Corrêa, afirmou que as dinâmicas internacionais ganharam maior proeminência ao longo de 2024, com o uso crescente de instrumentos econômicos como pressão política, escalada de tensões militares em países latino-americanos, alguns fronteiriços com o Brasil, e intensificação da competição global pela liderança no desenvolvimento de inteligência artificial. O relatório descreve um mundo em “multipolaridade desequilibrada e desinstitucionalizada”, marcado pela disputa estratégica entre Estados Unidos e China e por um processo de “desglobalização deliberada”.
O impacto da Era Digital é destacado como eixo estruturante dos riscos. Para a Abin, a soberania digital tornou-se um desafio nevrálgico, especialmente diante da dependência brasileira de hardwares estrangeiros e da concentração de poder em grandes empresas de tecnologia, que monopolizam dados e desafiam estruturas estatais. Embora reconheça avanços em cibersegurança, como o desenvolvimento de sistemas governamentais com criptografia pós-quântica, o órgão alerta que a chegada da computação quântica, prevista para ocorrer entre 5 e 15 anos, tende a tornar obsoletos os atuais padrões de criptografia de chaves públicas, exigindo uma transição urgente para algoritmos nacionais.
Entre os riscos mais sensíveis, o relatório também aponta que a rápida evolução da inteligência artificial pode transformar sistemas autônomos em agentes ofensivos capazes de planejar, executar e adaptar ataques cibernéticos sem supervisão humana. Esse cenário, segundo a agência, eleva a possibilidade de escaladas que podem ultrapassar o ambiente digital e desencadear conflitos de maior magnitude.
O documento dedica um capítulo à reconfiguração das cadeias globais de suprimentos, influenciada pela ascensão chinesa, pela disputa econômica com os Estados Unidos e pelas vulnerabilidades reveladas durante a pandemia. A Abin afirma que o Brasil vive uma situação de “dependência dupla”: da China, que garante superávit comercial por meio das commodities, e de capital e tecnologias ocidentais, fundamentais para investimentos e inovação.
As mudanças climáticas aparecem como outro vetor relevante de risco. O relatório lembra que 2024 foi o ano mais quente já registrado, superando em 1,5°C a média do período pré-industrial, e destaca eventos extremos que afetaram o país, como a seca amazônica e as enchentes no Rio Grande do Sul. Segundo a Abin, as perdas econômicas associadas a fenômenos climáticos já chegam a R$ 13 bilhões anuais. A pressão sobre a segurança hídrica e energética, agravada pelo desmatamento e pela redução dos “rios voadores”, aumenta vulnerabilidades no sistema elétrico. Na agricultura, a intensificação de pragas pode afetar até 46% das lavouras até o fim do século.
O relatório também aponta desafios demográficos que devem se aprofundar. O envelhecimento da população mundial, combinado à queda da taxa de fecundidade, pode reconfigurar mercados de trabalho e pressões sobre sistemas de saúde. A agência destaca ainda a saída crescente de profissionais qualificados do Brasil e, simultaneamente, o aumento da entrada de migrantes, o que exige reforço na capacidade estatal de prestação de serviços e na segurança das fronteiras.
No entorno sul-americano, a Abin avalia que a região se tornou mais permeável às disputas globais por recursos estratégicos, como lítio, terras raras, petróleo e os recursos naturais da Amazônia. A China consolidou-se como principal parceiro comercial, enquanto os Estados Unidos têm intensificado pressões por alinhamento político, incluindo ameaças militares, segundo o documento.
